terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

ANO 33 - PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM!

                                             

Manhã de 27 de Fevereiro/1985 – Manhã de Fevereiro/2018!
As duas, lado a lado:  tão diferentes e tão iguais! Na de hoje, a fúria do vendaval levanta telhados, estremece portas e persianas, derruba árvores, esmaga acessos e carros, estoura com o mar em alvoroço. A de ontem, há 33 anos, branda e macia, veio saudar o novo dia, abrindo o lençol da neblina nocturna para deixar passar o sol. E nisso são diferentes as duas manhãs!
Mas nisto são tão iguais: ambas trazem o desassossego e a guerra, que de conluio semeiam a tormenta. Só mudam os autores: numa, é a natureza informe e bruta que as solta, Na outra, foi o homo sapiens quem as fez.
Todos os anos, entro em retiro aberto durante 18 dias e 18 noites. Porque, neste caso, recordar é mais, muito mais que viver a fruição da memória, vou partilhar convosco a visão diacrónica dos factos, começando pelo 1º dia, 27.
Era a manhã calma e fria. Descia eu as escadas da casa sobranceira ao templo para celebrar a habitual eucaristia das 7 horas, quando uma mulher sexagenária já me esperava no primeiro degrau. “Senhor Padre, pelo amor de Deus lhe peço: saia já daqui, vá-se embora”. Intrigado, perguntei-lhe o porquê desta ordem inesperada. “O meu filho que trabalha na vila veio à minha casa avisar que viu 10 carrinhas da polícia para virem à Ribeira Seca prender o padre na hora da missa”. Observei à senhora que não fugiria e até gostaria de ver o jeito da polícia nessa tarefa. Mas ela insistiu: “Esta gente aqui diz a mesma coisa:  Hoje não há missa. Vá ficar na casa da sua mãe na Banda d’Álém, que o povo vai tomar conta disto. E depois, o povo vai lá baixo buscá-lo outra vez”.
Embora contrafeito. tive de cumprir ordens. Alguém deu-me boleia e recolhi-me na casa paterna. Sem saber o que se passava, em vão esperei  notícias até ao fim da tarde. Ainda guardo o bater do coração desse dia. O caso já era falado na vila: Que a polícia fechou a igreja com barrotes e quando o povo chegou,  já as portas estavam cerradas. Que, às 9 h da manhã, o pároco da igreja da vila e o presidente da Câmara acompanharam o subchefe, subiram as escadas da casa, rebentaram com as portas dos quartos (ainda lá estão as marcas) levaram objectos, livros de registos paroquiais, uma aparelhagem sonora, amplificadores, microfones, colunas, que eu comprara dias antes. 
Soube-se também que o subchefe policial deu instruções aos 70 agentes para correrem com as pessoa que entretanto se aproximavam. Nem o próprio carteiro de serviço permitiam que atravessasse o adro no cumprimento do seu ofício.
Constou que houve ameaças, empurrões por parte dos agentes e gritos e resistência da parte do povo. E que houve gente  disposta a ficar toda a noite no campo de jogos que dá para o adro para impedir que saqueassem a igreja. E foi o primeiro dia, 27 de Fevereiro/1985.
……………………………………………………………
Hoje, 27 de 2018, não obstante a chuva e o vento implacáveis, reunimo-nos em eucaristia vespertina e homenageámos aqueles homens e aquelas mulheres que já nos deixaram mas continuam vivas connosco, pois que foram as sentinelas vigilantes da sua casa-mãe, a igreja construída pelas gentes da Ribeira Seca.

27.Fev.18
Martins Júnior

   

domingo, 25 de fevereiro de 2018

FEVEREIRO – A CADA QUAL O SEU BRASEIRO

                                                         


É quando os extremos tocam-se. Fevereiro da neve  e da chuva esconde também labaredas, braseiros de “fogo que arde sem se ver”. Lampejos de eloquência e maceração, fagulhas de génio e martírio, umas vezes gritantes, outras abafadas pelo tempo e pelo lugar.
Compulsando as efemérides do segundo mês do ano, encontramo-nos logo com o nascimento do “Príncipe da Língua Portuguesa”, o Padre António Vieira, em 3/1608, o qual mais tarde viria a ser encarcerado nas cadeias da Inquisição no dia 1 de Outubro de 1665.  Em 13/1965, é abatido à traição aquele que seria a esperança de um Portugal maior, liberto da ditadura salazarista. Quatro séculos antes, em 15/1564, já fora dado ao mundo o visionário das estrelas, Galileu Galilei, vítima da maior condenação a que um homem pode ser sujeito – a amputação do pensamento e do inalienável direito de descobrir a verdade científica – e, daí, o anátema infalível da Santa Inquisição para os hereges, a fogueira, se ele entretanto se não tivesse retratado, dando o dito por não dito. A ignorância insolente dos eclesiásticos inquisitoriais não permitia a Galileu contrariar a Bíblia Sagrada, na ‘ordem divina’ de mandar parar o sol, a pedido de Josué, comandante das tropas israelitas. (Josué, 10, 13-14).
 Em boa hora, o fórum Victim Support Europe instituiu o 22/Fev como o Dia Europeu das Vítimas de todos os massacres perpetrados no mundo. E em 23/1985, Zeca Afonso sucumbe à morte, após uma vida caldeada nas chamas persecutórias da polícia secreta do regime colonialistas.
Muitas outras atrocidades marcaram historicamente o mês de Fevereiro contra pessoas e instituições. Os poderes absolutos sempre tiveram como objectivo final esmagar e ‘queimar’ em holocausto vidas inocentes, cujo único crime foi o de erguer a bandeira da verdade e das justiça social. Por isso, pode dizer-se que em Fevereiro, a cada qual o seu braseiro. Um atentado nunca deixa de ser um crime de lesa-humanidade, seja qual for o volume dos seus efeitos. Nestes casos, o relativo não deixa de ser qualitativamente censurável e incriminatório.
Trago hoje à colação este fenómeno cíclico e vexatório para a condição humana, visto que em 1985, aqui na Madeira, um pequeno agregado populacional foi implacavelmente fustigado pelas autoridades regionais e perseguido por uma força policial composta por setenta efectivos que, de madrugada,  assaltaram a casa e violaram a igreja local, ocupando-as durante 18 dias e 18 noites.
Tem muito que contar a Ribeira Seca neste que é o Ano XXXIII dessa triste efeméride. Também jogaram esta gente à fogueira. Tudo isso será contado nos dias que se seguem. Para que o mundo não esqueça! E jamais volte a repetir-se, seja lá onde for.

25.Fev.18
Martins Júnior                                                         

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

VAMPES, VAMPARROS, VAMPIROS E VAMPÕES

                                                     

Todo o dia esperei que  “A VOZ”  enchesse as ondas hertzianas do espaço português e, através dos centros emissores, descesse ao fundo dos vales que ele andou, subisse à fímbria das ‘altas fragas’ que ele cantou e voltasse a abrir clareiras de esperança no coração do Povo que ele amou. Ele, ZECA AFONSO!
Esperei, mas em vão. A barafunda que diverte o vulgo e esvazia os miolos da multidão foi servida a eito pelos personalizados altifalantes oficiais.
No entanto, precisamos dele. Ficaremos carentes de siso, órfãos de luz, seremos o “cadáver adiado que procria”.  se nos faltar  “A VOZ“.  Por mais que a mordaça dos gorilas do regime a sufocasse, ZECA AFONSO erguê-la-ia, vigorosa e sadia, unida à de Galileu Galilei, o condenado à fogueira por descobrir o movimento de rotação da Terra: “E, no entanto, ela move-se”!
E, no entanto, ele canta. E, quando canta, luta. Luta pelos meninos dos bairros negros, pelas ceifeiras e pelos cavadores de todos os alentejos, pelos andarilhos da utopia, pelas cantigas do Maio maduro e moço, pelo homem novo que veio da mata,  pela fome de justiça, pelos “Padres Alípios de Freitas, homens de grande firmeza, ao lado dos explorados no combate à repressão”. Ele canta e luta por tudo aquilo que faz falta para que todas as cidades  e aldeias sejam “Grândola, Vila morena”.
O mundo há-de precisar sempre de quem  arme a trombeta convocatória e solte A VOZ contra os vampes  ‘meninos nazis de cruz gamada, corrente e matraca’, contra os vamparros  abarrotados do dinheiro-suor roubado a quem trabalha, contra os vampiros juizes ‘mandadores sem lei’, contra o ‘carnaval da capela e a igreja do privilégio que matou Cristo a galope’, contra os vampões ‘bichos da treva e da opulência’.
Chego a pensar que não é outra a sina de todos os ZECA AFONSO senão deixar os ossos na terra chã e projectar, viva e altissonante, “A VOZ” que nunca morre. Ler, ouvir, mergulhar na profundeza da sua obra é ver a radiografia de toda a história humana, para reerguê-la e transfigurá-la.  
Por isso, neste aniversário do último adeus ao Cantor da Liberdade, (23/Fev/87), permitam-me reproduzir, como se fosse para cada um de nós,  o final da saudação que lhe dediquei em 2017, na campa nº 1606  do Campo Santo onde repousa:
………………………………………………….
Não me tragam mais troféus
Nem me lembrem mais os pides e as prisões
Nem palmas nem medalhões

Porque eu ando por aí
Em tudo o que canta
Em tudo o clama
Em tudo que se alevanta
E olhando o sol sorri

Eu não morri
Porque vivo em ti
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23.Fev.18

Martins Júnior

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

TODOS OS “20 FEVEREIRO” CONTRA A BÍBLIA?!...

                                                           

Não é o de 2010 que trago para hoje. Já tudo ou quase tudo foi contado, lamentado, chorado, estudado, contestado, reclamado até à exaustão. É de todos os  “20’s Fevereiro” que aconteceram e voltarão a acontecer no Planeta Terra, depois do diluvio universal, relatado por Moisés no seu  Génesis,cap. 9º.  É de todos eles ( vencidos e vincendos) que me ocupo neste fim de dia.
Faço-o por impulso necessário e incontido mesmo, desde domingo passado, após a leitura do referido texto do grande líder do povo hebreu. Foi lido e escutado em todos os continentes, como palavra sagrada, inscrita naquele que é “O LIVRO” por excelência. Não sei se todos os ouvintes e, mais de perto nós, os madeirenses, prestámos atenção ao juramento solene que o Deus Iahveh lavrou urbi et orbi, na pessoa do Repovoador da Humanidade, Noé, os seus familiares, plantas e animais que, dentro da arca-barca, escaparam à hecatombe universal:  “Eu estabeleço uma aliança convosco e nunca mais será ceifada uma só vida pelas água de um diluvio”. Para rubricar, de forma peremptória e visível,  o soberano contrato-promessa, teve o Grande Arquitecto o cuidado de deixar a sua impressão digital  na imensa abóbada celeste, o arco-iris. “Todas as vezes que o meu arco-iris estiver nas nuvens, Eu lembrar-me-ei da aliança eterna que fiz entre Mim e toda a forma de vida que há sobre a terra”.
Nem de propósito.
Precisamente na semana em que emergem à superfície e à profundidade do nosso subconsciente os 42/43 cadáveres arrastados pelas águas em cachão, é manifesto o embaraço de compaginar a tragédia com a narrativa bíblica. E perante as repetidas aluviões na Madeira, os devastadores ‘tsunamis’ e os mortíferos cataclismos do Planeta, o embaraço desemboca em descrédito frontal face à suposta sacralidade d”O LIVRO”.
José Saramago já prevenira que o melhor caminho para a perda da fé era a leitura da Bíblia. Expurgados os exageros e as conclusões apressadas, a contradição merece esclarecimentos sólidos, fundamentados numa hermenêutica científica, com recurso à investigação histórica, a mais segura possível. Nesta área, a falta de literacia leva aos labirintos inextrincáveis do obscurantismo e, daí, ao fanatismo judaico-islâmico, que não ficam longe dos tenebrosos mitos medievais, ainda hoje embutidos em certos rituais ditos-cristãos.
Mercê de sucessivos investigadores oriundos da Reforma Luterana, bem como do esforço corajoso de biblistas católicos, é ponto assente que “O LIVRO”, sobretudo o Antigo Testamento, reproduz a história de um povo – o hebreu – que se auto-denominava  líder escolhido pela Divindade de entre  todos os povos, matriz única da civilização e protótipo do Homem Universal. De tal forma ganhou estatuto a supremacia elitista do judaísmo que os seus escribas, cronistas, moralistas, liturgistas e até profetas passaram para “O LIVRO”  os primórdios da ‘sua’ história, os regimes político-teocráticos, as dinastias, as práxis sociais e religiosas, os escândalos, os conflitos armados com os povos fronteiriços, as catástrofes reais ou imaginárias. É frequente ouvir-se dizer que o povo judeu orgulha-se de ter impingido a todo o mundo o estudo da sua história pátria.
É neste quadro interpretativo que deve ler-se o supra-citado texto de Moisés. Relata pura e simplesmente a mensagem do ânimo e segurança de que tanto precisavam os sobreviventes do dilúvio então ocorrido. A voragem terrífica das águas diluvianas deixara-os em sobressalto. Alguém tinha de garantir-lhes paz e conforto, fosse como fosse. Prova é o recurso empírico à figura do arco-íris - tão ingénuo quanto poético - pintado por Deus nas nuvens, como penhor da aliança seguradora entre Iahveh e os filhos de Noé.
Paralelamente ao efémero, consignado no histórico judaico. “O LIVRO” condensa mensagens eternas - de ontem, de hoje e de sempre – as quais, sobretudo, no Novo Testamento, traçam as pistas libertadoras da Boa Nova, a Notícia da verdadeira espiritualidade que conjuga o humano e o divino.
Decisivo e imprescindível é saber distinguir, nos textos bíblicos, o efémero e o eterno, definir  o corpo diegético da narrativa – portanto, circunscrito no tempo e no espaço – e, dentro dela,  detectar a intemporalidade infinita da sua mensagem.   
  Quanto aos movimentos cíclicos do “Planeta Azul”  e aos negros cataclismos que nele sempre se hão-de repetir, compete ao homem de hoje acautelar-se, construindo o arco-íris da ciência e da prevenção.

21.Fev.18

Martins Júnior

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

ANIVERSÁRIO SEM DATA – ITINERÁRIO SEM TERMO

                                    A quem, igual a si mesmo!   


Não pergunto
O chão onde nasceste
Fosse o mar sem fundo
Fosse o mais alto evereste

Basta olhar
E ver-te
Que é sempre verde o teu canto
Sempre azul o planeta
Que navegas
Sempre mais clara e longe a meta
Que demandas

Venham os ventos de outras bandas
De todas as que houver e outras mais
Tu içarás as velas pandas

E amarrados ao convés
Levar-te-ão os vendavais
À longínqua praia que tu és
Serena ardente secreta imensa

 Porque não tem data o berço de nascença
Também não tem ocaso o teu clarão
Esconjurando fantasmas do hostil abismo escuro

Raiz de antanho
Pomo de agora
Estirpe do futuro


        19.Fev.18

        Martins Júnior  

sábado, 17 de fevereiro de 2018

O TRIPÉ DESTE FIM-DE-SEMANA


Os olhos de todas as câmaras, as veias de todos os tablóides, as bocas de todas as rádios, neste fim-de-semana em Portugal, assentam à uma em cima do mesmo tripé: POLÍTICA, FUTEBOL e RELIGIÃO.
Só queria descobrir – e alguém me ajude – quem sustenta o tripé, quem o comanda e o deslumbra.
Porque na POLÍTICA, não me convençam que o que está em causa é apenas o sonho puro de escolher um líder salvador do povo, regenerador da pátria.
No FUTEBOL, não é só a orgia de poder do comandante-em-chefe das caneleiras verde-brancas (ou brancas-rubras-azuis-e- brancas) que fará mover e correr o hebdomadário tripé.
E na RELIGIÃO (leia-se Igreja) o que ensarilha a cauda do clementíssimo  manto cardinalício e diverte o vulgo não é a cama penitencial dos castos recasados.
Descontadas as boas intenções de uma minoria coerente e consequente (esta quase sempre abafada e derrotada) o que aguenta o tripé tem nome e sigla: $=cifrão.
Malfadado capitalismo! Porque o dinheiro tem carnaval todo o ano, todo o dia, toda a hora: enguia de mil máscaras que se enrola visceralmente nas entranhas de tudo quanto mexe. E por ter caras mil é sempre benvindo e carinhosamente  adoptado.
Vou aproveitar o fim-de-semana para descobrir mais de perto o chão onde assenta o sofisticado tripé que domina o mundo.

         17.Fev.18

         Martins Júnior

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

A PRIMEIRA E MAIOR VITÓRIA DA AUTONOMIA POPULAR MADEIRENSE

Soube-se há menos de uma hora que houve um filme proibido na Madeira. Soube-se também que  a entrevista ao seu realizador fora cortada pela direcção do órgão publicitário do governo regional, embora sob a capa de diário da diocese – o então Jornal da Madeira. Corria o ano de 1978. Leonel de Brito acabara de rodar na ilha o documentário intitulado “Colonia e Vilões”. Desde então, alguém escondeu-o e enterrou-o, antes ainda de ver a luz do dia na terra que lhe deu corpo. Foram precisos quarenta anos para que  a Madeira pudesse ver em plena liberdade o mais completo Dicionário Cinematográfico sobre a sua História de seiscentos anos. Aconteceu hoje no Teatro Municipal Baltazar Dias.
Com efeito, “Colonia e Vilões”, não obstante focalizado na grande luta dos caseiros pela emancipação das suas terras das mãos dos senhorios, desdobra diante do espectador o vasto painel da evolução sócio-político-cultural da ilha. Desde o Achamento, povoamento, divisão territorial e administrativa, desenvolvimento agrícola e económico, com maior incidência nas culturas da cana sacarina e do vinho, o esclavagismo, o obscurantismo, a religião, a libertação pós-25 de Abril, manietada pelo concubinato igreja-governo, enfim, ver “Colonia e Vilões” é guardar em disco rígido a síntese enciclopédica do terro que habitamos.
Mais do que isso. Este precioso documentário condensa o maior grito de revolta e de conquista de sucessivas gerações que durante séculos foram estranguladas pelo contrato de colonia – esse “leonino contrato”, como alguém lhe chamou – em que o camponês, a sua família, mulher e filhos, o seu pobre casebre se consubstanciavam com a terra-escrava do senhorio. Pode bem afiançar-se que a extinção do regime da colonia foi a maior afirmação da autonomia popular do madeirense, visto que aí foi ele, todo inteiro – corpo, mentalidade, família, ambiente – deu o ‘xeque-mate’ à prepotência fascista e totalitária que trazia amarrado o povo português. Mais importante foi esta vitória global que as autonomias administrativas reivindicadas nos gabinetes oficiais que só serviam os seus prestidigitadores, sucedâneos herdeiros dos antigos ditadores, como aconteceu aqui na Madeira. Na luta dos caseiros ilhéus  foram eles os protagonistas, primeiro vencidos e depois vencedores, porque o Decreto Legislativo Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro (Extinção do regime de Colonia)  só se tornou possível pela força porfiada e justa diante das instâncias superiores até chegar ao Parlamento Regional.
O povo viu o resultado da sua luta. Por isso, cantava e sentia que “o Povo unido jamais será vencido”. O campesinato descobriu que não era mais o “vilão”, “trapo-de-corsa” do senhorio, mas alguém que tinha o poder de ordenar e obrigar os deputados a escrever leis justas.
Hoje, no Teatro Municipal, tudo isto perpassou diante dos nossos olhos, complementado pelo debate e troca de ideias que se lhe seguiram. Notícia feliz foi a de sabermos que o filme será apresentado em DVD na próxima Feira do Livro do Funchal pelo próprio Leonel de Brito já que, desta vez, imprevistos problemas de saúde não lho permitiram.
As melhores felicitações aos promotores de tão oportuna iniciativa do Centro de Estudos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em conexão com a sua congénere na Madeira.
E fica-nos no ouvido “uma frase batida” (como diria SG gigante) que os caseiros criaram e passaram de boca em boca: “A terra é de Deus e o fruto é de quem trabalha”.

15.Fev.18

Martins Júnior

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

CARNAVAIS HÁ MUITOS. O NOSSO TAMBÉM!

                                                 


Pelo sonho é que vamos - disse ele, o jovem sonhador Sebastião da Gama. E pelo carnaval também – dizemos nós durante estes fugazes três dias de saudável catarse.
Porque carnavais há muitos. Como os chapéus.   Desejável até seria que fossem tantos quantos as cabeças, os troncos e membros de cada folião que habita dentro de cada um de nós, marchantes-à-força nos ‘sambódromos’ da vida. Precisamente por isso, os corsos carnavalescos não deveriam obedecer a figurinos estandardizados e a estereótipos importados. A originalidade criativa e a identificação com a idiossincrasia popular de cada lugar é que têm prioridade sobre qualquer outra imitação, por mais envernizada e emplumada que se apresente.


Certos desfiles dão-nos a impressão de que os protagonistas são os espectadores e não os actores. Tudo é feito para fora (por isso se lhes dá o nome de forasteiros) em vez de assumir-se como uma emanação telúrica de um povo, da sua capacidade estético-satírica. Aprecio imenso os cortejos de cada terra, os endémicos, ricos dessa produtividade singular, diversa de todas as outras. Costuma dizer-se  que em 1500 colonizámos o Brasil; agora é o Brasil que nos coloniza a todos com novelas. E com  carnavais, acrescento eu. Até nas próprias músicas, tiradas à fotocopiadora. Enfim, cada um “abana o capacete” como quer. É a liberdade que se aparenta, mesmo que se a não tenha.  
Pela nossa parte, CCCS-RS, Centro Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca, apresentámos música e letra originais, (tentando um ‘mix’ entre os ritmos-samba e a vivência local Machico/Madeira) com uma dedicatória muito nossa: Homenagem ao grande artista, cantautor MAX, no 1º centenário do seu nascimento que ora se festeja. Juntou-se o refrão à voz do próprio MAX, Rei do Carnaval, interpretado cenicamente na plataforma rolante. Jovens e adultos deram corpo à ideia que marcou todo o cortejo, pelo humor, frescura e simplicidade.


Aqui ficam alguns excertos mais representativos, com agradecimentos à Câmara Municipal, promotora do evento, e aos vários colaboradores particulares. Domingo próximo, o CCCS-RS estará no Santo da Serra, assinalando desde logo a gentileza da Casa do Povo local.  

13.Fev.18
Martins Júnior

   

domingo, 11 de fevereiro de 2018

O MAIS ESPLENDOROSO DE TODOS OS CORTEJOS


Que se encantem os mortais  ou que se danem, tanto faz, com as efémeras lantejoulas pingadas das plumas todas de todos os sambódromos,
Que se atordoem ou se estalem, tanto faz,  com as peles retesadas dos tambores em marcha universal,
E mesmo que rompam  os céus europeus ou mordam os buracos de ozono, tanto faz, os troféus do futsal, que merecem o nosso aplauso,
Prefiro ficar-me, entre absorto e visionário, ao ver o mesmo lençol materno unir dois irmãos desavindos há mais de meio século. Nada mais decisivo brilhou agora no planeta, nada mais empolgante que ver desfilar nos Jogos Olímpicos de Inverno, em PyeongChong,  as duas Coreias – a do Norte e a do Sul – sob a mesma bandeira. A grandeza do gesto cresce cada vez mais na proporção inversa dos resultados finais, sejam eles quais forem.  Porque o pódio da vitória já foi alcançado:  a convergência em pacífica ogiva de dois braços do mesmo corpo, separados até agora pelas mortíferas ogivas nucleares.
Enquanto na Europa cristã e ocidental, matriz de todas as civilizações do mundo, o desporto resvala para conflitos fratricidas, o ‘milagre’ pode acontecer nas remotas paragens asiáticas: o mesmo desporto  é  bandeira de paz entre duas, entre muitas guerras. Tão límpida como as brancas pistas de gelo foi esta alvorada em PyeongChong que até serviu para nela se revelar a mancha negra do representante de Trump.
  Acreditei no aperto de mão de Barack Obama a Raul de Castro, aquando do funeral de Mandela, no estádio de Soccer City, Joanesburgo. Como acreditei no passo mútuo em frente, o de Juan Manuel Santos  e o do comandante “Timochenko” das FARC, para a paz na Colômbia.
E agora acredito que o gelo das pistas de PyeongChang  será o início do degelo de ódios antigos – ódios gémeos – que, cedo ou tarde, tornar-se-ão  sol olímpico da Paz sobre a Terra. O que os sumptuosos salões dos Congressos Internacionais não fizeram – fá-lo-ão  as paisagens de neve das Coreias Unidas.

11.Fev.18
Martins Júnior

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

O EMINENTÍSSIMO E CLEMENTÍSSIMO CARNAVAL DO CARDEAL

                                                               

Ninguém levou a mal o Cardeal. Ele também direito ao seu Carnaval. E é assim:
Um homem e uma mulher – um caso exemplar de casal católico romano -  acordam de manhã, juntos. Vão à missa, juntos. Trocam dois beijinhos à porta da igreja. Almoçam, juntos. Preparam o jantar, juntos. E juntos ceiam um chá de frutos vermelhos, à luz das velas  onde fumegam cios de amor romântico. Mas à noite, encomendam-se às almas e, de repente, lá vem o fantasma das trevas: “Amanhã, vamos comungar, amor. E não podemos fazer amor, juntos.  Somos mais que frade e freira, somos dois irmãos. Chama-se o Cardeal que, sendo clementíssimo, vai comprovar a nossa “abstinência”. E lá vem o homem, de cinta vermelha e  mitra aureolada. E lá ficou a noite inteira, episcopus vigilante, entre marido e mulher recasados, como sentinela alerta e de báculo em riste”.  No outro dia, manhã cedo, lá entraram no portão da igreja, anjo-macho e anjo-fêmea, abrindo as bocas abstinentes à santa hóstia. O Cardeal sorria, como que penetrado do gozo transbordante de uma terça de carnaval.
E assim se fez a postura, o rescrito ou o decreto do Soberano-mór da religião portuguesa. “Os recasados praticarão a continência sexual, sob pena de não poderem tomar a hóstia.”
Ninguém levou a mal – por ser carnaval. Como tal, também a mal não levarão o que, sobre o caso,  direi qual.
É assim a ‘nossa’ Igreja. Nossa, talvez não tanto, mas a dele, Cardeal. Como enguia movediça, fura e perfura tudo até ao tutano. E bota palavra e censura e condena. Sem sequer dar pelo ridículo em que se enreda. Vem de longe o nariz totalitário de pôr carimbo em tudo. Até nos mais íntimos recônditos da sensibilidade alheia. Os teólogos vão ‘virando’ sexólogos e os sexólogos vão ‘virando’ teólogos.
Jamais esquecerei aquela resposta de um civil, emigrante industrial em Moçambique, no ano de 1968, quando entre civis e militares se discutia a encíclica Humanae Vitae  do Papa Paulo VI, a propósito da condenação uso do contraceptivo: “Ó capelão – interpelava-me o homem – você que é um jovem, diga-me o que é que o Papa ou a Igreja têm que se meter na alcova do casal”?
Arrasou-me. Mas fiquei-lhe intimamente grato pela lição que me deu naquele momento e que me serviu de guião até hoje. A educação sexual produzida nos seminários tem sido de uma morbidez insanável, diabolizando a mulher, castrando jovens, criando labirintos de escrúpulos que depois desembocam em degradantes escândalos. E não sabe mais  sair deste “nó de víboras” (cito François Mauriac) que muitos clérigos trazem no seu subconsciente.
Melhor seria o nosso Clementíssimo Prelado ter-nos poupado a este naco de carnavalinho de beco. Sobretudo, vindo de quem vem. Outra emoção positiva e sublimada teria o portuguesíssimo Cardeal Gonzaga, da Ceia dos Cardeais, do nosso Júlio Dantas, quando exclamava diante dos seus  dois colegas: “Oh, como é diferente o amor em Portugal”.
  Mas é carnaval.  Não só “o de três dias”, mas o do resto do ano e o de certas encenações, ditas solenes, que nem demos por isso. Volto a abrir parênteses para dar a palavra a um amigo (já não está cá) que explicava a um outro, estrangeiro de visita à Madeira, o significado de uma grande Procissão, que na altura ainda passava em frente do antigo Banco Madeira (hoje, o Santander), com autoridades civis, militares, pompa e circunstância e fechava com Bispo da Diocese, faustosa e exoticamente engalanado.  O estrangeiro, julgando que se tratava de um corso alusivo, apontou para o prelado e, como quem faz uma descoberta,  exclama entusiasticamente: Oh, the King of Carnival!
         Recomenda-se a quem de direito e de responsabilidade o favor de não fazer cenas de carnaval, porque em vez de saúde e alegria só dão doença e tristeza.

         09.Fev.18
         Martins Júnior


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

COMO SERIA O REGIME DE UM ESTADO VATICANO?

                                                         

Não teria nada de anormal nem mesmo digno de especial  menção, se não fosse um jornal de craveira internacional – Die Welt – a encher a primeira página  e a toda a largura com uma ilustração da visita de Erdogan, o ditador turco,  ao Papa Francisco. Não vou tecer apreciações pontuais sobre a recepção – mais uma – que o Sumo Pontífice dispensa a qualquer soberano que o visita. Neste caso, talvez e apenas relevaria o cinismo profissional de homens, como Erdogan e Trump, que fizeram votos “sinceros” de trabalhar (foi o que um e outro disseram ao Papa)  juntamente com ele para a paz no mundo. No entanto, Francisco não se coibiu de censurar a Erdogan o recente ataque feito aos curdos do norte da Síria. Este, por sua vez, como raposa matreira, agradeceu a posição  tomada pelo Papa contra Trump, a propósito de Jerusalém, capital.
Quantos sapos vivos, dinossauros e trogloditas tem o Papa de engolir?!
É o seu estatuto que o obriga. Noblesse oblige!  É a nobreza, a do mundo e não a do Nazareno, que o força a sentar à mesa do gabinete muitos que ele desejaria pô-los na rua. Não só das ruas de Roma, mas dos poderosos palácios que ocupam. Não fosse ele Chefe de Estado e veríamos quantos “colegas soberanos” viriam visitá-lo. Oh diplomacia, a quanto obrigas!
Hoje, porém, ao olhar a  primazia dada pela reportagem do Die Welt, reacendeu-se-me uma antiga e teimosa questão, ciosamente guardada no meu subconsciente latente activo: Que regime seria o do Vaticano, caso assumisse integralmente o estatuto com que se apresenta aos reis e monarcas do planeta? Como seria a Constituição do Estado do Vaticano?... Monarquia, absoluta ou constitucional?... República?... Presidencialista, semi-presidencialista, parlamentar?... E o regime: socialista, social-democrata, plebiscitário, totalitário e fascista, capitalista, revolucionário, comunista?... Não seria blasfemo se fosse esta última a ideologia político-programática, idêntica à do seu líder. “Os cristãos tinham tudo em comum e ninguém chamava seu ao que possuía”.   E em termos de Saúde, Segurança Social, Trabalho, Justiça, que normativos concretos determinariam o seu Estado, o do Vaticano.
Porque é de um Estado que se trata. Por muito que se diga que as viagens do Papa não são de um Chefe de Estado, mas de um Peregrino, não haja dúvidas que as visitas dos governantes a Roma não são de Peregrinos, mas exclusivamente de Chefes de Estado a um Chefe de Estado, algumas vezes até de carácter retributivo, como foi o caso de Erdogan. Visitas inter pares.
.Fico-me hoje e mais uma vez pelas perguntas, embora se possam lobrigar algumas respostas, entre as quais: Enquanto regime político, o Vaticano aproxima-se do modelo islâmico – um regime teocrático, sem o Ayotollah  Khomeini, mas (em termos formais) com um seu sósia.  Como tal, elitista, tendencialmente totalitário, onde os seus constituintes, os cristãos, não têm direito a voto universal e directo. A Igreja-Vaticano é um Estado, tem Secretários de Estado, embaixadores, bandeira e hino. A Igreja fica-se entre águas, como sereia marinha, metade Estado-metade Santidade. Mas a Igreja intervém. Na vida social, cultural e até política. É aqui que cabe a questão: Qual a política do Vaticano para a sociedade, para a comunidade europeia, para esta aldeia global que habitamos?
O Papa Francisco abre o caminho desassombradamente para a denúncia e solução dos grandes dramas internacionais. Quanto desejaria eu saber como seria um governo – um Estado – de Igreja para o mundo. Sei que não passa de uma miragem, de má recepção para muitos, mas se o Vaticano quer continuar estatutariamente como Estado, então leve até ao fim as consequências do sua investidura. Ou, ao menos, informe o mundo como governaria os cidadãos dos seus respectivos territórios. É que a Igreja já foi pobre e solidária, já foi imperialista, já foi totalitária, fascista e assassina (de perseguida passou a perseguidora) já foi popular, já foi dogmática. A Igreja-Estado já se vestiu de todos figurinos e de todos os poderes. Defina-se. Ou então renuncie ao indigno privilégio de Estado híbrido.

07.Fev.18

Martins Júnior   

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

EPITÁFIO


Se depressa ergueste o teu castelo sobre os escombros de outrem, tão depressa será o teu castelo o chão de escombros onde outrem construirá o seu palácio.

05.Fev.18
Martins Júnior


sábado, 3 de fevereiro de 2018

O PESADELO DE VIVER AQUI !!!

                                                             

Passei a ponte insegura e fétida que separou o meu passado Janeiro do Fevereiro onde, de presente, tenho o pé mal firmado. Insegura não era a ponte mas os que a construíram. E fétida não era ela mas os pilares que, em vez de  suportá-la, apodreciam-lhe os alicerces nas águas lamacentas.
A transição de uma margem à outra não trouxe a almejada promessa de um dia novo, sem nuvens. O pesadelo misturou-se, viscoso, à náusea de andar por aqui. “Ninguém sabe que alma tem/ Nem o que é mal nem o que é bem/ Tudo é disperso nada é inteiro” – continua a perseguir-me o “Nevoeiro” de Pessoa – “Ó Portugal hoje és nevoeiro”!
Hoje, mais que no tempo da “Mensagem”, hoje é antro de monstros marinhos, víboras de ossadas moles embrulhadas em vernizes, vermes paridos em ventres incestuosos. Vejo-os entronizados nas poltronas dos tribunais, os ladrões, os corruptos, guardiões do Templo da Justiça,  abutres desenhando sentenças capitais contra indefesas andorinhas.
A quem iremos? Onde o caminho, o abrigo, a balança da Justiça? Nem que seja na longínqua selva, desde que lá não chegue sombra de homem, digam, que eu já lá vou.
Maldito capitalismo! A quem iremos?... Aos dadores de dinheiro, os banqueiros? Mas se têm a consciência  calçada de ouro intransponível! Aos juízes, advogados, meirinhos?... Às religiões, à Igreja?... Mas como, se elas têm empacados fardos de notas sujas, de fome e de sangue dos pobres, no banco vaticano e, pior que os milionários que vendem terrenos na lua, elas fazem promessas de compra e venda das invisíveis estalagens do outro mundo?! A que portas bateremos? Aos imperadores do futebol?... Mas como, se eles pagam a cambistas, profissionais de colarinho branco, parasitados nos offshores! Aos representantes do povo, os partidos?... Mas não são eles que, até em eleições internas, compram as pessoas, tentando reduzi-las à mísera condição de prostituição financeira?!
A Justiça! – a última almofada para repousar um crânio retalhado. Ei-la na valeta. De que genes são feitas as mãos que vão julgar colegas de toga…ou “sócios do crime”?
Em quem havemos de confiar?
Enquanto se aguarda a resposta sobre que Justiça queremos, vamos roendo os ossos da nossa própria carne que os DDT (os donos disto tudo) ainda nos consentem. E para conforto ou não – o bicho homem sempre foi assim – transcrevo a veemência de um excerto do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do Padre António Vieira, há mais de 400 anos:
“Se morrer alguns desses pobres…vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os le­gatários, comem-no os acredores, comem-no os oficiais dos órfãos, e os dos defun­tos e ausentes; comeu o médico que o curou, ou ajudou a morrer; comeu o sangrador que lhe tirou o sangue; comeu a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha, o lençol mais velho da casa; comeu o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim ainda ao pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. Vede também um homem, desses que andam perseguidos de plei­tos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Comeu o meirinho, comeu o carcereiro, comeu o escrivão, comeu o solicitador, comeu o advogado, comeu o inquiridor, comeu a testemunha, comeu o julgador, e ainda não está senten­ciado, e já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos, senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido”.
Quem tem gosto em viver dentro de uma jaula destas?... É verdade que passei a ponte, mas o pesadelo continua. Aquele mesmo pesadelo que fez Shopennahuer  desabafar assim: “Quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães”.
Que havemos de fazer para transformar o pesadelo de inverno em sonho de primavera?!

         03.Fev.18

         Martins Júnior