quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

ANTES FOSSEM PÓS-VERDADES, ANTES SEJAM “FAKE-NEWS”

                                                                    

Aeroporto fechado… Aviões parados,,, 3000 passageiros em terra… Ventos a mais de 100Km… Árvores arrancadas… Estruturas destruídas… Açoites da chuva e negrume das nuvens…
Oiço o eco repetido de Pessoa – Ó Portugal, hoje és nevoeiro!
Para onde vamos”… Onde é o caminho?... se é que há caminho.
Hoje sou o aeroporto encerrado, o avião parado, o passageiro amarrado, o vento sem norte, o açoite, o negrume.
As “bombas” que hoje rebentam com os ecrãs e encharcam as remas dos jornais deixaram-me assim, de mãos atadas. Amanhã, talvez se desatem sobre o teclado expectante.
Vou esperar que o vento amaine para transpor a ponte que me leva do último dia ímpar de Janeiro até ao primeiro dia ímpar de Fevereiro.
Passo a noite em claro, na ilusão de que o furacão da notícia não passe de mais um estalo das fake-news, de mais outra pós-verdade.

31.Jan.18/01.Fev.18
Martins Júnior  

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

MADEIRA : TERRA DE FENÓMENOS E FANTASMAS – 4 PERGUNTAS À ESPERA DE MILHARES DE RESPOSTAS

                                                        

Nunca foi tão curta a minha mensagem dos dias ímpares. Perante os últimos desenvolvimentos na ilha, (aos quais não  tecerei por enquanto  qualquer comentário) vou pôr a descoberto quatro perguntas, reduzidas a uma única incógnita. Digo “pôr a descoberto” porque as guardo, desde que alguém da escrita e do jornalismo, fora da ilha,  mas colocou, há um certo tempo, e às quais tenho de responder.
E lá vão as 4 reunidas numa só:

Que território é Madeira que produz fenómenos tão estranhos e “audazes” como estes:
1
Um bispo lisboeta da área salazarista vir inaugurar o 25 de Abril da Igreja madeirense e nomear um presidente da ilha?

2
O mesmo presidente aguentar-se no governo da Madeira tantos anos como  Salazar no  governo de Portugal?

3
Três padres madeirenses integrados em partidos comunistas/marxistas?

4
Um padre brasileiro, secretário particular do bispo da        Madeira, evadido da  prisão, depois de condenado por pedofilia (e não só) a 17 anos de cadeia?

Porque tenho de responder ao meu interlocutor, ajudem-me,
Outras perguntas haverá,  mais recentes e, talvez  por isso, o jornalista não juntou ao cardápio quadrangular.
E fica a incógnita: Que segredos traz no seio esta ilha tão pequena para produzir frutos tamanhos?

29.Jan.18
Martins Júnior

    

sábado, 27 de janeiro de 2018

27 DE JANEIRO - HOLOCAUSTO E CÂNTICO

Separados pelo abismo de quase dois séculos, não consigo dissociá-los de mim mesmo: o fim do  Holocausto (1945) e o nascimento de Mozart (1756).Nada mais reconfortante que imaginar o violino de Mozart quando se abriram os férreos portões de Auschwitz.

                                                         


Foi preciso que as metralhas
Caíssem mudas no chão
Foi preciso que as fornalhas
Devolvessem aos ossos em cinza
O brilho da carne reluzente
Que engoliram

Tinhas de estar ausente
Desse deserto-jaula de horror e gritos
Ninguém te ouvia
Nem te sonhava sequer
A etérea sinfonia
E aquela maga flauta
Escrita na futura pauta
Da tua mão a haver

Tendo vindo antes
Chegaste depois
Da tragédia infernal 

Vem de novo
Alça o estro de outrora e lavra
O Requiem para Israel, a cruel
A assassina
E tece a Marcha Triunfal
Para a ainda e sempre mártir Palestina

27.Jan.18

Martins Júnior

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

“O PRAZER DE VER TRUMP A DERRETER-SE”

                                                      

“O arco sempre tenso perde a elasticidade” – já o descobriram os filósofos epicuristas da velha Grécia. Por isso e para que ele não perca  a  capacidade  propulsora que lhe é intrínseca, torna-se necessário descomedi-lo, destemperá-lo de vez em quando para que, ao retesá-lo de novo, ganhe a energia de uma flecha afiada.  Traduzindo em linguagem nossa, de animais sensitivos, é saudável descontrairmo-nos, dar largas à ‘insustentável leveza’ da brisa que povoa o nosso crânio, enfim, soltarmos uma gargalhada vadia. Porque a rir também se aprende.
É o caso. Devo confidenciar que uma das mais subtis formas do talento humano vou encontrá-las, imaginem, nos chamados cartoon’s dispersos em jornais e revistas. Acontece, até,  comprar uma publicação só pela imaginação criadora do cartoonista de serviço. Se uma imagem vale mil palavras, posso afiançar que, em certos traços de génio, uma caricatura vale mil imagens.
É o que transcrevo, hoje, do El País, com o mesmo título que lhe deu o jornalista. Tudo por causa de uma vela. “O prazer de ver Trump  a derreter-se”.
As voltas e retortas que uma vela pode dar. Símbolo da fé, velório de saudade, canção felicitante de aniversário natalício, chama de amor romântico na mesa de namorados – tudo isso, tudo, reduzido a uma escancarada gargalhada de caserna… A metamorfose semântica de um nobre  significante e o verrinoso sarcasmo do seu significado! Aí está o talento de Curro Chozas  e Juan Oubina, criativos publicitários, ao espalharem por milhões de americanos, milhões por todo o mundo, o busto de Trump, moldado em cera maciça, ostentando na cabeça o pavio cerebral, símbolo da esquizofrenia megalómana e da sua mais requintada auto-destruição.  Enfim, um bobo, nada  devendo à boçalidade de Nero. Para ‘iluminar’ a cena e a sua mensagem, uma ingénua legenda: “É só uma questão de tempo”!
                                                       

O poder da ironia! Esse toque de estética e virulência que imortalizou o ‘nosso’ Eça! “Sete gargalhadas e meia à volta da muralha  da cidade bastam para deitá-la ao chão”…  Quando trabalhada com mestria,  a sátira é mais poderosa que um exército.
Tenho para mim que a “vela de Trump” fez mais estragos que as tentativas de empechment  já ensaiadas, sem êxito, do Senado americano. Ouso mais: o “Trump de cera” já o destruiu mais que os ameaçadores mísseis do atarracado  norte-coreano. Aquele pavio erecto tem a potência de uma implosão silenciosa, em que o protagonista é autor e vítima de si próprio.
Resta saber se, enquanto duram as 170 horas de lenta combustão do ‘bolo’ encerado, o homem terá tempo de vingar-se de Curro Chozas, cartoonista espanhol, residente em Los AngelEs…  Risadas à parte, não deixa de ser deprimente para o nosso mundo a vela – e, mais que a vela astuta, o perigoso  vexame do país mais poderoso do planeta.
“É só uma questão de tempo” – oxalá  seja assim. Para a salvaguarda civilizacional do século XXI.

25.Jan.18

Martins  Júnior.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A PARTIR DE AMANHÃ, SETE MULHERES NO TOPO DO MUNDO

                                                         
São assim os grandes eventos:  espectaculares no enunciado publicitário, mas camuflados, quase sigilosos nos seus meandros, nos bastidores da cena ou nos corredores dos palácios onde se realizam. É o caso de “Davos”, que receberá amanhã a visita de mais de 3000 personalidades, as mais poderosas e influentes na área da finança e na política, sob o signo do  “Forum Económico Mundial”.  Durante três dias plenos, estarão sobre  a mesa dos debates as grandes questões que afectam a Humanidade, este ano direccionadas para a saúde, educação e ambiente. No entanto, outros dilemas, desde os conflitos de soberania até aos de ordem empresarial e comercial, desfilarão mais ou menos discretamente entre os magnatas do mundo. Por exemplo, a presença de Donald Trump, contra o qual se preparam grandes manifestações. Para nós, portugueses, paira a dúvida sobre o que se há-de passar no encontro António Costa e João Lourenço, a propósito do processo Fizz,  com as perigosas consequências que poderão advir  para o relacionamento Lisboa-Luanda.
Mas o ponto alto deste areópago mundial consiste em algo de inédito e decisivamente imponente: a magna reunião dos mais poderosos do mundo será dirigida por um colégio de sete mulheres. O jornal madrileno El País, atendendo a esta circunstância singularíssima, titula: “A Hora da Mulher no Forum de Davos”. O prestigiado septeto feminino que tem a seu cargo a organização e direcção dos trabalhos  reúne um leque auspicioso marcado pela matriz universalista, quase ecuménica, desde, entre outras,  Erna Solberg, primeira-ministra da Noruega, Chetna Sinha, presidente da Cooperativa de Crédito Mann Deshi, Índia, até Chistine Lagarde, directora do FMI e Sharan Burrow, secretária-geral da Confederação Internacional de Sindicatos.
Mas a originalidade deste directório vai mais além: num forum de tamanha grandeza (basta dizer que é o próprio Rei Felipe VI que chefia a representação espanhola e usará da palavra) são as sete mulheres que dirigem os trabalhos, em total exclusividade, isto é, sem a participação masculina. Dir-se-á que é uma prova “por excesso”, em absoluta contradição com a praxis de Davos. Mas não é. Trata-se de uma luta que vem de longe, dentro da própria organização.  Actas de encontros anteriores relatam as insistentes intervenções e atitudes  das participantes contestando a usurpação machista dos centros de decisão e direcção do acontecimento. Pelo que, a maior revelação de Davos/2018 e aquela que, eventualmente, passará desapercebida do grande público, é a afirmação da Mulher, mercê da sua porfiada luta pela igualdade de género.
Em conclusão e desabafo, permitam-me justificar a presente reflexão. É verdade que Davos não representa o melhor da Humanidade, antes significando para alguns críticos um ardiloso instrumento para altos negócios em detrimento da grande massa trabalhadora. Mas, dando o benefício da dúvida, é forçoso reconhecer a vitória do poder da Mulher na organização do mesmo. E aqui vai a nota final, essencial: não me agrada mesmo nada  nem me convence quando vejo um  homem a defender os direitos da mulher. São elas, as mulheres, que têm de conquistar o seu lugar ao sol. No campo ou na cidade, na fábrica ou em casa, na escola ou na rua. Sem medo. Sem complexos. Com a coragem daquelas mulheres que se manifestaram corajosamente no Chile, diante do Papa, contra os crimes de pedofilia perpetrados por clérigos. Ou como “As Sete Mulheres do Minho”, brilhantemente cantadas pelo ‘nosso’ Zeca Afonso.  Ou até mesmo, como estas sete mulheres que, a partir de amanhã, estarão no topo de Davos/2018.

23.Jan.18
Martins Júnior
  
              

domingo, 21 de janeiro de 2018

1961 – 1974: ENTRE A NOITE DE HOJE E O DIA DE AMANHÃ VÃO 13 LONGOS ANOS!

                                            

À saída do porto de Curaçau,  os nervos  cortam-se no olhar furtivo dos 23 elementos da Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação, embarcados juntamente com os 612 passageiros, quase todos americanos, e 350 tripulantes. O cérebro da arrojada operação, um distinto oficial do exército português, 66 anos de idade, Henrique Galvão, comanda em absoluta clandestinidade os movimentos, Dentro do navio “Santa Maria” o coração batia-lhe mais forte. Longa esta noite de 21 para 22 de Janeiro! Na casa das máquinas, Camilo Mortágua, dá o primeiro alarme. É então que estala a notícia: o navio, um dos maiores da Companhia Colonial de Navegação, passa a chamar-se “Santa Liberdade” e o seu destino é  Luanda, onde teria início a grande marcha para  derrubar o regime de Oliveira Salazar, sediado em Lisboa.
Alevantado e nobre era o sonho, o de libertar o Povo Português das garras opressoras do fascismo vigente! Mas circunstâncias adversas fizeram abortar o plano. E o caminho dos corajosos autores voltou a repetir-se: o exílio.
                                                

Porque a memória dos homens é escassa, trago hoje a reminiscência  dos 57 anos, entretanto transcorridos - amaldiçoados pelo regime, alcandorados pelos verdadeiros patriotas e esquecidos por muitos. É verdade que o brilhante capitão Henrique Galvão não conseguiu ver o sol da manhã que tanto almejara. Ele e os seus companheiros de luta. Mas foi então que começou a tremer o império da ditadura até cair de vez em 1974. O plano daquela noite de 1961 continuou  clandestinamente nos trágicos efeitos da guerra colonial, nos quartéis, nas universidade, nas fábricas.
Nunca é vã a utopia, desde que ponhamos nela o melhor do nosso afã!

21.Jan.18
Martins Júnior

     

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

PEDAÇOS DE UMA ATRIBULADA VIAGEM AO CHILE

                                                   

Esta é mais uma das três igrejas incendiadas durante a visita do Papa Francisco ao Chile. Aproveito o registo fotográfico para continuar a  reflexão do último escrito e a que dei o título “Quando o protestar significa apoiar”. Junto, pois, este macabro episódio ao veemente protesto dos cristãos daquele país contra o silêncio conivente das hierarquias eclesiásticas face aos crimes de pedofilia na Igreja, perpetrados por bispos e padres. Aí afirmei que o protesto da multidão, tendo embora como  pano de fundo a passagem do Papa, não tinha por alvo a sua pessoa, mas a instituição que dirige, tendo em conta que ele, mais que ninguém, tem condenado até à exaustação tais crimes. Na veemência desse protesto o Papa viu um incentivo à sua luta contra os “corvos negros” que povoam o Vaticano.
O mesmo se passa com as igrejas incendiadas naquela região, outrora catequizada por missionários oriundos de Espanha – a Espanha dos “Reis Católicos, Fernando e Isabel”. Os bárbaros atentados contra três templos católicos ultrapassam a mera provocação circunstancial a Jorge Bergoglio, cuja personalidade moral e humanista é altamente reconhecida por todos os credos. O cerne da questão pretende atingir, denunciar e condenar uma Igreja que, aliada aos processos de colonização dos indígenas de África, Ásia e América, criou antros de exploração desses povos, sugando-lhes riquezas do solo e subsolo e cravando-lhes na pele o ferrete da mais desumana escravatura. E, ainda por cima,  toda essa caterva de criminosos sobas bafejada com a bênção aguada da Santa Madre Igreja Romana!
Trago hoje esta reflexão como toque de alerta para todos os que têm responsabilidade (e temo-la todos nós, parcialmente) sobre o tecido social ou cultural a que pertencemos. “Tudo se paga” – dizia a protagonista, a “Velha Senhora”, da peça de Francis Durrematt. As guerras anti-coloniais, os ódios raciais, as trágicas pègadas de tempos imemoriais aí estão para demonstrá-lo! Não é impunemente que se agride um povo ou se lhe causa algum dano. Cedo ou tarde – filhos, netos, bisnetos – pagarão a factura do dano. Ainda que os ‘pagantes’ sejam inocentes. Como este Papa que carrega, sem culpa,  o ónus de uma instituição que vem de longe. Daí, a sua dor e a sua indignação, as quais se traduzem para nós num forte estímulo  de honra e auto-vigilância no posto que ocupamos, seja ele um templo, uma cátedra ou um simples agregado familiar.
A História não esquece e a Natureza não perdoa!

19.Jan.18
Martins Júnior
   


quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

QUANDO O PROTESTAR SIGNIFICA APOIAR…

                                                            

Onde se meteu o Papa Francisco?! Os sábios da Antiga Grécia responderiam sem hesitar: o homem meteu-se entre “Cila e Caribdis”, duas divindades mitológicas, personificadas em monstros, rochedos e sorvedouros das embarcações, tal como o nosso “Adamastor” no Cabo das Tormentas, depois transformado em Cabo da Boa Esperança.
Tudo está acontecendo nesta corajosa viagem ao Chile e ao Peru. Aliás, o argentino Bergoglio pisa um chão que é seu, que bem o conhece – a América Latina, um nó de paradoxos -  e, por isso, mediu bem os riscos que corria. Facto insólito e único foi o protesto de uma multidão de mulheres e homens, empunhando cartazes contra o Vaticano, directamente contra o Papa, pela indiferença com que olhava para os escandalosos abusos de menores por parte do clero. Mesmo após o comovente pedido de desculpas em plena cerimónia litúrgica, diante de milhares de participantes, a população não se desmobilizou, pelo contrário redobrou a sua raiva. Facto único entre todas os países que o Papa visitou até hoje!
Mas o mais enigmático e assustador é o seguinte: toda aquela faixa da América Latina foi evangelizada, durante séculos, pelos missionários da Igreja Católica, os espanhóis. E o paradoxo não é menos desconcertante: em todos os outros países, de matriz constitucional não cristã nem católica – muçulmanos, budistas, inclusive ateus confessos - o Papa foi sempre ovacionado. E, pasme-se, é  num território, secularmente católico, que ele  é protestado, invectivado e verbalmente agredido!
Como terá reagido Francisco a estes clamorosos protestos? Mal, dirão uns. Magoado, segundo outros. Pessimamente, comentarão outros ainda, perante os gritos ululantes dos manifestantes, “Ficou tão feio fazer aquilo” . opinarão os ‘piedosos’ beatos.
Desculpar-me-ão, mas hoje estou contracorrente. Eu acho que o Papa  ficou mil vezes agradecido, porque intimamente e externamente reforçado nos seus planos de acção. Justificando: tenho repetidamente afirmado que as transformações na Igreja não podem ser obra do poder hierárquico. As hierarquias não querem ser incomodados nem, muito menos, apeadas dos seus cadeirais de conforto e poder. Por isso que a sua iniciativa inovadora é uma falácia, senão mesmo um perigoso embuste. A evolução das sociedades, para ser perfeita e segura,  tem de partir dos seus próprios constituintes, o povo, a comunidade. Bastas vezes tenho  aqui citado o pensamento de um grande intelectual cristão: “A Igreja não precisa de um líder extraordinário, excepcionalmente iluminado. Isso vai contra o plano de J.Cristo na história”. Para não tirar ao Povo cristão o seu poder de iniciativa, interventivo e eficaz.                     
 Não há sombra de dúvida de que este Papa tem sido um acérrimo fautor de mudança no Vaticano, um autêntico revolucionário nesta área, mormente quanto às estruturas caducas da Cúria Romana. Para uns – os cardeais – ele tem de ser condenado por heresia. Para outros – os verdadeiros obreiros do Evangelho – ele já deveria ter ido mais longe. É neste último registo que se situa Francisco. Ele quer ir muito mais além. Mas com quem conta ele nesta cruzada renovadora? Os cardeais, os bispos, os clérigos? Nem pensar. Ele só pode contar com as bases, o Povo que constitui  a massa e o  fermento da Vida. Sem o apoio das comunidades de base, ele não pode sozinho abrir caminho. Precisa da nossa palavra e da
nossa acção. No último número da revista Philosophie, razão tinha o editor em formular a pergunta: “Porquoi est-il si diffile de changer”?
Da presente nota justificativa, concluo que os protestos da multidão –“Entregue à Justiça os pastores, bispos e padres, abusadores das crianças” – terão desagradado à ala dos velhos cardeais de cruzes de ouro ao peito, mas agradaram fortemente ao Papa Francisco que, no seu íntimo, decerto sentia e quereria dizer, emocionado; “Gritai, gritai mais forte, dai-me estímulo para agir”. Aliás, ele acaba de dizê-lo, agora à noite, na missa para os jovens:  “ O vosso país, o mundo, a Igreja precisa que vocês a interpelem”!
Em jeito de resposta à pergunta da revista citada, a analista Catherine Malabou, após monitorizar as três causas do fenómeno – o hábito, o medo, a dificuldade – aconselha assim o filho e, nele, a todos nós “É preciso perder o medo de partir. E porque somos plásticos, ágeis, nada nos há-de quebrar, saberemos adaptar-nos e estar à altura do momento”.
Para aí o Papa nos convida e nos convoca!

17.Ja.18

Martins Júnior    

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

“DIA DO COMPOSITOR”



Não é escritor o arrumador de palavras nem é compositor o arrumador de notas.Honra e Glória aos verdadeiros compositores. 

De que Olimpo sem corpo arrebataste
O lume vivo que só Prometeu
Aos deuses longínquos  desprendeu?
Ou que fundos e que mares sem fundo
Mergulhaste
Para trazeres algas sargaços e corais
Que transformaste
Em voos rasantes cantantes
De sinfonias imortais?

Sem ti
A onda azul do canto
Toda emudecia
Sem ti
Os troncos da alta penedia
Jamais dariam tábuas sonoras
De violinos bordões violoncelos
Dolentes guitarras mágoas de outrora
Árias de Bach allegros de Mozart
Marchas de Wagner nas ameias dos castelos

Demiurgo e Criador
Maior que o mundo em teu redor
Mas encadeado esquecido
Nas grades do génio
Incompreendido

Escravo jau
De todas as gerações
Mendigo irmão de Verdi e Camões

Mago dos sons ficou escrito
Na partitura da tua lousa fria
Que jamais empalideceu:
“Aqui jaz
Alguém que não morreu”

15.Jan.18
Martins Júnior



sábado, 13 de janeiro de 2018

PSICOLOGIA DAS ELEIÇÕES – DIZ-ME COMO VOTAS E DIR-TE-EI QUEM ÉS!

                                                     

Porque estão na ordem do dia as manifestações massivas da vontade popular, torna-se útil e até necessário olhar com a acutilância possível para as reais motivações que fazem levantar as multidões. É, sem dúvida, um precioso study case, terreno fértil para as áreas da psicologia social. E à qual, por isso, não podemos voltar as costas, sobretudo porque mexem e determinam a arquitectura da vida em sociedade.
         Nesta progressão analítica, verifica-se que é na vertente eleitoral que se desenha a mais fiel radiografia dos povos. Desde aqueles que investem o melhor de si mesmos na descoberta limpa de um modelo de sociedade para todos, até àqueles que, vítimas  da desinformação, sucumbem às mãos de  demagogos de circunstância, sôfregos de interesses pessoais, os quais logo de seguida são contestados, odiados pelos próprios votantes, como aconteceu mais recentemente com as Honduras e com o americano Trump e, de mais longe, com o ditador Hitler e o ‘nosso’ Salazar. Quando o povo descobre o logro em que caiu, desata (tarde demais) em ondas de revolta incontrolável.
         Em termos classistas, os votantes distribuem-se neste tríptico eleitoral: os cidadãos conscientes, bem intencionados, sérios e coerentes na acção. Estes nem sempre são os mais vistosos, nem de riso escancarado e de verbo fácil. A seguir vêm os desinformados, normalmente as populações rurais, que não chegam a inteirar-se do que está em causa na eleição, devido à recusa dos concorrentes (ou de uma das partes) em debater publicamente os programas e as suas reais intenções. Por fim, vêm os calculistas, mais precisamente os parasitas, que não dão um passo sem ver o lucro que obtêm. São os tais que fogem ao esclarecimento, isto é, aos debates, usando como arma de caça os boatos, os cabazes, os cheques e as promessas.
         São assim as eleições, momento extraordinário para conhecer a psicologia das multidões. E se isto acontece nos actos eleitorais gerais, muito mais se verifica nos actos eleitorais internos, dentro do próprio partido, na escolha das respectivas lideranças. É tão saudável e prestigiante ver uma eleição em que os candidatos expõem publicamente as suas ideias, sobre as quais vão pronunciar-se os eleitores. E no final aceitam respeitosamente a vontade esclarecida dos votantes, porque estes foram devidamente informados. Acabámos de ver isso mesmo na eleição de Rui Rio sobre Santana Lopes. Exemplar!
         Ao contrário, quando os responsáveis se furtam ao esclarecimento dos militantes, quando actuam sempre na sombra, quando vão buscar reforços, ou seja, elementos que num passado recente puseram tudo na fossa, até o próprio partido, e fugiram – então é caso para dizer que a derrota é o caminho infalível para todos, uns e outros. Sobretudo, a derrota para o Povo, constituinte da soberania e dos eleitos. Porque é neste ambiente de nítida corrupção que a mediocridade impera. Um Povo dirigido por medíocres, portanto oportunistas, será sempre um Povo sem estatura e sem personalidade civicamente condigna.
             Por hoje, fico-me assim, numa profunda reflexão, porque nesta área estamos todos envolvidos. Para bem ou para mal. Por isso, termino com esta máxima, colhida numa experiência de décadas: “Diz-me como votas e dir-te-ei quem és”. Para evitar equívocos, notem bem: Eu não disse ‘em quem votas’ mas ‘como votas’. Ou ‘porque votas’.

13.Jan.17
Martins Júnior


quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

ANO NOVO, NA LARGADA! QUAL A TUA ROTA?

                                              

O navio já partiu. Ainda se ouvem os ecos sonoros das fragatas à distância, restos da ressaca inicial da meia-noite. Já avistamos o pico dos horizontes futuros que nos chamam mais ao largo. Não será mais  a prosa dos dias insossos, mas a pujança da vida que vamos afrontar. Pouco a pouco, o Ano Novo começa a pespontar na silhueta das madrugadas  lampejos de esperança.
Lá longe de nós, a aproximação, ainda que  pela via desportiva, das duas Coreias, a fúria e a desagregação interna do gabinete de Trump (presságio de dias menos sombrios para o mundo), os 1300 refugiados que o Papa Francisco convida a almoçar consigo, enfim, as descobertas científicas no âmbito da medicina – tudo converge e nos convoca para entrar na tripulação do navio que descreve a rota da história presente, a nossa.
Dentro dos nossos territórios, cresce  a onda saudável sobre temas candentes, como o uso da ‘cannabis’ para fins terapêuticos. Saúda-se a frescura dos debates entre duas candidaturas partidárias a nível continental, o mesmo aguardando-se  para idêntico e cabal esclarecimento de todos os socialistas que vão escolher a liderança regional. Debater é altamente terapêutico e promissor. É na agitação das águas que elas se purificam. Ainda a nível diocesano,  o surgimento de casos anómalos, como o do Monte, servirá de mote para definir que tipo de Igreja e que estatuto de ‘ministros sacros’ pretende o povo crente da Madeira.
Serão inúmeras as estrelas a descobrir e a acompanhar neste, ainda caloiro, 2018. Destaco também as livres iniciativas – públicas ou privadas – que se devem propor para as comemorações dos seiscentos anos do Achamento da Madeira. E, por fim, dentro de cada um de nós e em seu redor, há outras descobertas, vibram apelos urgentes que esperam por nós.
Qual a tua estrela, seja a tua bússola. Acrescenta, aqui e agora,  a tua rota, mas que seja coincidente com a meta global que a todos nos faz correr: a felicidade, o bem comum.
  Boa viagem, na largada!

11.Jan.18

Martins Júnior

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

A RESSACA – ou – A DEPRESSÃO ‘POST-PARTUM’

      

         Finou-se o Natal e o calendário deu à luz o Ano Novo.Com o primeiro, lá se foram os folguedos das missas do parto, do galo, a consoada do peru e os mascarados e os cantares misturados de carne ‘de vinha d’alhos’. Com o segundo estrebucharam as balonas exclusivas da baía e derreteram-se, fantasiosas, em cataratas de sonhos e hemorragias de luz.
         Falam os manuais da especialidade de casos em que as parturientes, passado algum tempo após darem à luz, caem num labirinto de abandono e masoquismo autista, a que chamam ‘depressão post-partum’. Noutros registos, os que se seguem a situações de excessos, a esse estado de prostração o linguajar comum dá-lhe outra conotação: a ‘ressaca’.  Não se sabe – nem registam as Escrituras - se a jovem donzela de Nazaré, também parturiente aos 16/17 anos, terá pago tal tributo à maternidade. Mas o que já parece verosímil e até evidente nas peles descaídas dos transeuntes é a ressaca do Natal e Ano Novo. Basta olhar para o semblante abúlico daqueles que na euforia da ‘noite mais longa’ espumavam cristalinos votos de Feliz Ano Novo, agora já nada têm para dizer, falta-lhes assunto e, quando se cruzam na rua, esboçam apenas um cheiro a bolas de naftalina guardadas no baú.
         Paradoxo brutal! Há oito dias, todo o mundo cabia numa taça de champagne e todas as estrelas brilhavam nas doze passas da nossa mão aberta. Mas depois… Depois foi o ‘cair na real’, o prosaico trabalho (ou a falta dele) de cada manhã, as carências diárias, as maleitas, os centros de saúde, os hospitais, os ‘sem-abrigo’ pelas ruas, os migrantes angustiados. E, ainda, as lides domésticas, os filhos, a corrida às aulas, as convergentes divergências dentro das quatro paredes da casa. Tudo junto: o novo, afinal, é velho e a fumaça de há dois minutos transformou-se na manta de retalhos “déjá vue’ do ano anterior.
         É assim a ressaca dos que foram levados pelo narcótico rasteiro das comemorações, onde o álcool é rei e a anestesia  rainha. Mas para aqueles que mergulharam na essência do Natal, o apelo redivivo dos caminhos por desbravar, a epopeia sempre inacabada de um mundo em construção – para esses não há amianto depressivo no corpo e a ressaca é uma onda gigante que lhes transporta a alma  para novos voos.
         É aqui que queremos ficar. Porque não estamos deprimidos nem ressacados com a prosa dos dias de Janeiro/18. Pelo contrário, vamos fazer da prosa um poema quotidiano, cujo mote será o mesmo que fizemos há um ano, em Janeiro de 2017: “Não perguntes o que é que o Ano Novo poderá fazer por ti. Pergunta o que é que tu podes fazer pelo Ano Novo”. Para que ele seja sempre novo.
Porque Ano Novo é sempre e quando  nós – tu e eu – quisermos!

         09.Jan.18

         Martins Júnior     

domingo, 7 de janeiro de 2018

“THE KING AND THE QUEEN TOGETHER IN THE GREAT JOURNEY OF NO RETURN”


Aconteceu em 5 e 6 de Janeiro e teve por cenário a evocação das embaixadas reais lá dos lados do Oriente.
         Fosse o Príncipe de Gales  e a diva Rainha  - e logo se lhes rendiam   os holofotes-satélites, as ondas gravitacionais e as rotativas da “Última Hora” para dar a grande notícia: “Enquanto a Rainha fazia a última viagem sem retorno, o Rei dava o último suspiro no seu leito da morte”.
         Mas não foram os monarcas da ‘Velha Albion’. Nem os protagonistas das emotivas construções romanescas de Roberto  Machim e Ana d'Arfet. Nem os arroubos clangorosos de “Tristão e Isolda”, imortalizados pelo génio de Richard Wagner. Não. O acontecimento resume-se em duas palavras, para nós ricas de interioridade, mas vulgares, talvez inúteis, para o vasto mundo: “Morreram marido e mulher. Ambos com 92 anos. Ela sepultou-se no dia 5, véspera dos “Reis” e ele no dia 6”.
         Devo dizer que, em 56 anos de exercício sacerdotal, nunca tal me acontecera. E enquanto soava a finados o carrilhão da torre sineira e a carrinha (de todos nós) deslizava rumo ao ‘Campo Santo’ final, ia eu rememorando o “Noivado do Sepulcro” de Soares de Passos…
         Fossem quais as causas e as circunstâncias, não é possível olhar com fria indiferença para este quadro dramático e, simultaneamente, galvanizador. Gente rural, corpos quase centenares, curvados sobre a terra para dela surgir o pão. Mãos calejadas, retalhadas e dentro delas segurando um coração sempre novo de amados e amantes, ao ponto de ‘marcarem partida’ na mesma semana, a Semana dos ‘Reis’.
Gente rural, Gente Real, que fabrica o pão e a vida, de que todos nós participamos e sem os quais fenece, inglória. a nossa própria história individual e colectiva. Gente Real, cujos filhos os mantiveram sempre na sua casa singela, o seu palácio ideal. Gente Real, ainda, porque ambos cumpriram ampla e generosamente, o seu mandato terreal e transportam consigo o ceptro da vitória!
Requeiro, neste momento, a permissão de quem me lê para partilhar a emoção que envolveu esta entrada triunfal dos dois nonagenários na misteriosa alameda do além-túmulo, munidos do passaporte que lhes dá direito a ocupar um trono real, esteja ele onde estiver. E ele está aqui. Connosco. Por isso posso proclamar na oitava dos ‘Reis’ e no mais alto monte o pregão monumental, aposto ao épico poema de Dante Alighieri:
“REI E RAINHA, LADO A LADO E DE MÃOS DADAS, NA GRANDE VIAGEM SEM RETORNO! HALLELUIAH”!

07.Ja.18

Martins Júnior

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

PRÍNCIPES E PRINCESAS NO CANTAR DOS REIS

             

           Foi a sua vez. Também têm o seu direito.
Trazidas pela mão das professores, professoras e respectivas auxiliares, foi um enlevo de alma ver e ouvir um grupo de alunos que frequentam a Escola da Ribeira  Seca, meninos e meninas, desde a pré até ao quarto ano, unidas no mesmo feixe de alegria matinal, cantar ‘Os Reis, do cinco para o dia seis’ no adro e igreja. É ali também que se desenvolve a sua personalidade.
Vozes brancas, afinadas e bem ritmadas com a percussão dos executantes, hoje pequenos, amanhã gigantes.
Motivações profundas ditaram hoje este singelo SENSO&CONSENSO. Em jeito de agradecimento, os nossos "príncipes e princesas" levaram consigo uma prenda em verso que passo a reproduzir:

Os príncipes e princesas
Da nossa escola adorada
Vieram cantar ‘Os Reis’
À nossa igreja sagrada

O nosso muito obrigado
Pais Mestres e Ajudantes
Tenham um FELIZ ANO
E sejam bons estudantes



O convívio que tiveram a seguir culminou uma tarde real:
 Real… porque é dos ‘Reis’!
Real… porque é genuína e natural!

05.Jan.18
Martins Júnior


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

“ANO NOVO É SEMPRE QUE O HOMEM QUISER”

        









   






Não tem meridianos
Nem linha equatorial
Nem meses nem anos
A redoma global
Em que navego

Não há ponteiro
Nem cutelo
Para talhar e retalhar
O tempo que se fez inteiro

Ano velho ano novo
Ficções que mãos anãs traçaram
Na oficina breve da régua e do esquadro
                             Onde tudo é curto e tracejado

Ano velho ano novo sou eu
E venho do sem princípio nem fim

Sou a ponte
E sou o passageiro
Sou a barca de Caronte
E sou o barqueiro
Que me leva no rio que sou eu
Ao outro Hades que é meu

Em mim
Todas as noites polares
Todos os meses lunares
Todos os anos solares
Os que houve, os que há e os que houver
Carrego-os e deles faço o Dia Novo
Porque Ano Novo é sempre
Quando eu quiser

03.Jan.18
Martins Júnior