domingo, 3 de dezembro de 2017

“DIVERTISSEMENT” DE NOEL

                                                                 

              Porque é domingo e porque os sons e as luzes que nos vão cercando  exalam  o cheiro das tangerinas da Festa, ousei titular esta mensagem com o original francês  - “divertissement” – nome que muitos compositores deram aos trechos musicais, a um tempo ligeiros e inspiradores. É exactamente este tom quase jocoso, ma non tropo, que pretendo dar a este apontamento sobre o Natal, para responder a uma questão que tem tanto de ingénua como de profundo: Será preciso pôr Natal neste arraial de euforia colectiva em que nos mergulhamos “de cabeça, tronco e membros”?  
         Só tem dois andamentos esta breve fuga ao grande circo da quadra  divertida com que nos brinda a presente estação.  
O primeiro poderia formulá-lo nesta hipótese imaginativa. Quem, de fora, aprecia este frenético corrupio de magotes ambulantes de um lado para outro, quem se envolve nesta bebedeira consumista de ‘chineses’, lojas ‘continente’ e ‘pingo-doce’, quem se deslumbra com as árvores gigantes iluminadas ou os artísticos dosséis luminosos que perpassam sobre as nossas cabeças ao percorrermos  a cidade, quem ‘se perde’ neste reboliço global e depois tem um tempinho para sentar-se num banco da placa central não pode deixar de perguntar-se a si próprio: “Que falta faz aqui o Presépio de Belém? Com ou sem o Menino, os santinhos, mais a vaca e o burrinho, alguém deixaria de pegar no carrocel ou  provar a ‘bela poncha’ , ou vai se quer fechar os olhos ao incêndio celeste da noite de São Silvestre? De modo algum. Mesmo sem a gruta de Belém, toda a multidão explode de emoção: Que Grande Festa, Maravilha, Extraordinário!
Segundo andamento: Imaginemos, ao invés, que no centro da cidade erguer-se-ia o Presépio, um palheiro-pardieiro, com uma criança lá dentro, recém-nascida,  rejeitada em todas as maternidades, pensões e hotéis da mesma cidade. Nos olhitos da criança um sonho:  mudar as estruturas caducas da humanidade. Mas na capital da ilha pouco mais havia de espectacular. Que diriam os residentes e os turistas: “Que vergonha de Natal é este, que festa é uma, vamo-nos já daqui para fora”!
No entanto, este é que seria o verdadeiro Natal, o facto histórico autêntico, o original, o protótipo, do qual as cidades e as aldeias de todos os tempos fizeram fotocópias. E desfiguraram-no de tal maneira, que hoje se torna irreconhecível, ausente, despedido e até incómodo numa sociedade moderna, civilizada..
Deste breve entretenimento não apresentarei quaisquer conclusões pessoais. Se alguém tiver a coragem de acompanhar-me nesta viagem de ‘dois andamentos’, fica desde já convidado a formular propostas de conclusão. Ainda assim, em jeito de roda-pé, apeteceria dizer: Podem tirar o Menino e a Mãe e o bovino e o asinino da gruta, que, mesmo assim, a Festa continua, os supermercados despejam contentores nas casas, as bandas alargam o perímetro da avenida, os carrocéis vão aos ares e vêm… Enfim, o que nós queremos é a cretina dupla panem et circenses (pão e jogos, ou circos e festas) como o povo miúdo de há dois e três séculos. Com ou sem Menino.
Porque este é um “divertissement” de Natal não serão pessimistas as conclusões. Pelo contrário, divertidas. Como esta: Liga-se mais à essência das broas e dos licores, dos foguetes e das feiras, enfim, à essência do vinho do que à Essência do Natal. Da minha parte, transitarei por todas, mas só deter-me-ei nesta última, a Essência do Natal.

03.Dez.17

Martins Júnior

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