terça-feira, 17 de outubro de 2017

DE PEDRÓGÃO A VISEU, DE COIMBRA ATÉ LISBOA – A QUEM APROVEITA PORTUGAL A ARDER?

              Em Outubro-10,  de 2017,  celebraram-se em Coimbra os 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal, um marco glorioso, porque pioneiro, que até fez Victor Hugo lançar, desde França, um rasgado elogio aos portugueses, colocando Portugal na vanguarda da civilização universal.
         Hélas! – exclamaria hoje, inconsolável e perdido,  o genial romancista  parisiense, ao constatar a tragédia com que, precisamente no centro do nosso país, deparar-se-ia perante uma paisagem-cemitério de mais de 100 mortos, “A pena de morte voltou a Portugal”!... Mais cruel e assassina que outrora, pois são inocentes todas as vítimas que os 530 incêndios devoraram nos 350 mil hectares de terra queimada!
         Quem, mesmo de longe como nós,  seguiu atentamente a vertigem dos acontecimentos, os gritos lancinantes, o desespero sem tréguas, a fúria do vento em chamas, não resistiu à dor, sentindo o lume chegar-nos à pele, as cinzas turvar-nos  a vista e o corpo todo, sufocando-nos a respiração! Mas o mais pungente foi a sensação de impotência perante a tragédia, a impotência das vítimas, dos bombeiros, do povo anónimo. E a nossa também.
           O estertor do apocalipse bateu-nos à porta. De sobressalto, como o fogo. Sacudiu a sociedade, de alto a baixo. E eis-nos todos – nas redes sociais, na imprensa, em mesas redondas e em debates quadrados - a interpelar a atmosfera, os planos estratégicos, os incendiários profissionais, as corporações, os madeireiros, os autarcas, os meteorologistas, os paisagistas, os governos de hoje, de ontem, do século passado. No meio de todo esta barafunda ensurdecedora, não será difícil distinguir entre a análise serena, criteriosa, sentida  e, do lado oposto, a verborreia sem pausa e sem nexo, descontrolada e enviesada de raiz, enfim, a lamúria-espectáculo para impressionar o consumidor desatento, antepondo ao bem dos lesados outros  interesses encapotados, os seus, classistas, partidários. Sintomático foi o esbracejar de um conhecido comentador que, bem arrumado e engravatado na poltrona do estúdio, exigia ao Estado a expropriação/retenção das terras cujos proprietários não procedessem à sua limpeza. Muito bem, diria eu, se não adivinhasse que o mesmo seria o primeiro opositor da dita proposta, caso o proprietário o constituísse seu defensor na barra do tribunal…
         Não entro por aí. Nem tão pouco pela sofreguidão voraz dos que, desde há muito (e com culpas no processo) só vêm como  solução atirar uma mulher à fogueira, para que os incêndios se extingam e os mortos ressuscitem. E não vou por aí, porque é enorme, no tempo e no espaço, a empresa da regeneração dos solos, do ordenamento florestal, da gestão dos aquíferos e respectiva rentabilização, de uma acurada  pedagogia cívica  e, acima de tudo, de uma inteligente repartição dos recursos disponíveis. Serão necessários orçamentos de décadas inteiras para alcançar o cimo da montanha.
         Julgar e condenar quem, por acção ou omissão, fez de Portugal um lugar de tortura, a morte pelo fogo, é um direito e um dever de cidadania. Mas que, na sentença, seja  imperativo e visível o horizonte da defesa da “nossa casa comum”.  Enquanto usufrutuários inquilinos desta nesga do planeta, apraz-nos ouvir o apelo genesíaco do grande Friedrich Nietzsche: “Irmãos, amai a Terra”!

         17.Out.19
         Martins Júnior
        


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