terça-feira, 5 de setembro de 2017

INAUGURAR O QUÊ? - UM PASSADO QUE É PRESENTE


E a festa continua…

Para uns, a festa é o espaço que vai de um foguete a outro, é fato novinho em folha ou  estralejar de feira, circunscrito à algazarra efémera da véspera e do dia. Para outros, a festa é tudo o que vem antes dela. É o encontro de braços e vozes que se empenham dias, semanas, talvez meses, em que é anfitriã a alegria de, em sã convivialidade,  conceber, plasmar, corrigir e, por fim, apresentar-se um Povo, olhos nos olhos,  na força do seu viver e na originalidade da sua obra, expressa em canto, verso e dança. “Nas festas que o povo organiza há mais alegria e verdade” – é, desde há décadas, o refrão festivo desta comunidade.
         Connosco, dança e verso e canto não rimam com alienação e droga, porque o Povo descobriu que a festa é sua e nela devem reflectir-se as suas vivências, as ressonâncias do seu passado e  o apelo dos amanhãs futuros.
         Nesta semana preparatória da nossa festa, 9 e 10 de Setembro, continuo a divulgar apontamentos breves de um programa feito pelo Povo, com o Povo e para o Povo, ao mesmo tempo emissor e destinatário, produtor e consumidor. Hoje, trago-vos a evocação dos anos oitenta, com especial dedicatória para os “inauguradores”, tão ao gosto da época, acolitados dos mesmos predadores de dinheiros públicos, lambe-botas, glutões de circunstância. Nesta canção, alude-se a uma estrada, por mim iniciada na Ribeira Seca em 1975 e, só treze anos depois, asfaltada e inaugurada pelo “Tomás das pipas”, assim se disse na altura. Recordo-me de ter afirmado na Assembleia Regional que “Vasco da Gama, para descobrir o caminho marítimo para a Índia, levou menos tempo que o governo regional para asfaltar um caminho em Machico”. O homem inaugurou pomposamente a estrada, com vinho e vaca à mistura, mas logo a seguir, surpreendentemente… perdeu as eleições no concelho. O Povo demonstrou ser juiz clarividente e censor implacável contra quem o espezinhou durante treze longos anos!...
         Aí vão, pois, as letras da canção, que filhos e netos vão repetir em memória e gratidão para com pais e avós que muito lutaram por um futuro melhor. Na folha do calendário que atravessamos, talvez não fique desajeitado (muito pelo contrário) revisitar o ritual das inaugurações:
      

Inaugurar o quê?
Aquilo que se paga
Quanto mais se inaugura
Mais dinheiro se estraga

O que o povo precisa
Mas o que o povo precisa
É de ver a sua vida muito bem organizada

Inaugurar o quê?
Uma estrada de terra
O povo deu o terreno
Há treze anos espera

O que o povo precisa
Mas o que o povo precisa
É de ver a sua estrada
Sem demora alcatroada

Inaugurar o quê?
A luz que tanto tarda
Trabalhamos para os outros
E ficámos sem nada

O que o povo precisa
Mas o que o povo precisa
É de ver a sua terra
Sem demora iluminada

Inaugurar o quê?
Pra vir o corta fitas
Ontem era o Tomás
Hoje é o Tomás das pipas
O que o povo precisa
Mas o que o povo precisa
É de saber a verdade
Sem ligar ao troca -tintas

Refrão
As estradas são do povo
A luz é do povo
Ele é que é o patrão
O povo é quem paga tudo
Essa é a nossa condição
O povo é quem paga tudo
É  nossa a inauguração

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05.Set.17
Martins Júnior

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