terça-feira, 29 de agosto de 2017

A CADA QUAL - SEU FESTIVAL

          

          Diz-me qual é o teu – e eu dir-te-ei quem és.
Podia ser assim o subtítulo deste passatempo breve. Breve e, em hora certa, divertido. Aproxima-se o fim do mês ‘gostoso’, onde é rainha a ridícula silly season, com entrevistas de cordel, areias cor-de-rosa na praia dos jornais, reportagens “chapa-seis” que dão para qualquer locutor preencher de mais vazio o vazio da estação.
Nem é preciso simular. Basta reproduzir. O jornalista, entre  saltimbanco e ‘franco atirador’, enguia-se pelos apertos do arraial e pergunta: “Então, está a gostar?... De onde veio?... Algum compromisso especial”? E a resposta é pronta: ”Vim da Venezuela (do Canadá, da Austrália”), cheguei ontem e vim comer e beber no arraial”. O homem do microfone joga-se para a porta do estádio e faz o passe ao nosso emigrante: “Então, aqui? De onde é que veio e para quê”? E o ‘instrangeiro’ marca logo: “Venho da América, andei mais de 3.000 Km para ver o Portugal-França”. Mais modesta e composta, a estagiária na “TVerão”, mete-se na procissão do norte da ilha: “E a senhora, foi a fé que a trouxe?... vem de longe”?  E a devota, de mantilha piedosa a cobrir cabeça e ombros,  balbucia: “Vim da África do Sul pagar (!!!) a promessa ao Senhor Bom Jesus (ou à Senhora do Monte, ou à do Livramento ou a Nossa Senhora do Calhau, tanto faz)”.
Três motivações, qual delas a mais distante uma da outra. Mas há mais. Os que planeiam o ano inteiro para chegar mais cedo ao palco da Zambujeira do Mar, de Vilar de Mouros, do Rock in Rio, de Coachella Fest na Califórnia. Até  o mais rasteiro ‘alibabá’ não larga a vida sem ir a Meca. E os ungidos do óleo pascal juram que não morrem sem ir a Roma “ver o Papa, que é Deus na terra”.
O mercado é enorme, não conhece fronteiras e o seu limite é igual à desgarrada imaginação de cada qual. Uma, porém, deixou-me de bruços, dependurado numa incógnita insuperável. Foi aquele casal, emigrante há mais de trinta anos num ‘país capitalista’ (assim mo disse)  que todos os anos programa as férias para estar presente na “Festa do Avante”. E lá vai ele, asinha, para a Atalaia do Seixal. Dispenso-vos, ‘kamaradas’ ilhéus, de quaisquer emolumentos por este naco de propagandazinha cunhalista. Quão diversa é a meta deste cinquentão e sua esposa, se a compararmos com as restantes”!
Sem contar com o grosso daqueles “que vão a todas”, um aspecto salta, incontido e decidido, deste confuso emaranhado: é a militância com que cada um se deixa seduzir  (eu direi, narcotizar e, nalguns casos, alienar) diante do seu craque, do ídolo ou do cromo que entronizou como deus na ara do seu culto.
 Sem entrar em altas incursões sobre a sociopsicologia do fenómeno, não estaremos longe do alvo se considerarmos o “Festival” (nos casos citados)  como o barómetro do indivíduo e da sociedade a que pertence. Nesta onda, faço um stop para olhamo-nos um em frente do outro: “E qual é o teu Festival, real ou imaginário…e o meu…e o do meu meio”?
Xavier de Maistre, desde há duzentos anos que nos vai ensinando a arte e a ciência de viajar até onde quisermos… dentro da nossa própria casa. A Viagem à volta do meu Quarto é bem a paradoxal  conclusão de que somos nós os timoneiros da insondável circum-navegação da nossa vida. Nas nossas mãos o leme, o horizonte, o porto de chegada. Lembrando Pessoa – “A Minha Pária é a Língua Portuguesa” – direi que a Pátria-Mátria de cada um é lá onde está o gosto, o apetite, o sabor e a consequência das suas opções.
Festivais! Diz-me qual é o teu e eu dir-te-ei quem és.  Educar-me  para um “Festival” maior. Eis o sumo do meu Luar de Agosto.

29.Ago.17

Martins Júnior

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