domingo, 21 de maio de 2017

EM MACHICO, ZECA AFONSO REDIVIVO!

    

Hoje compartilho convosco a terra.
Terra chamada Machico. E terra-génese da vida, inspiração telúrica, emanação do espírito.
Imprevistamente, na linha meridiana do 21 de Maio – eram doze as badaladas  no “sino coração da gente - o centro da cidade transfigurou-se. Por conta própria. Geração espontânea de um punhado de jovens que inundou a sala de visitas da primeira capitania da ilha com o universo musical e espiritual de José Afonso. Foi o grupo denominado     “Moodin”, da Banda Filarmónica concelhia. Desfilaram diante da varanda dos nossos olhos e da nossa sensibilidade as baladas mais expressivas do cantor de Abril. Os metais, as teclas e as guitarras entrelaçaram-se num feixe inebriante, segurado por uma percussão meticulosamente estruturada.  Zeca Afonso teria ficado extasiado, ao ouvir a variegada riqueza harmónica que as suas melodias suscitaram, numa simbiose de êxtase, por vezes alucinante, de todo o instrumental, composto por dezena e meia de artistas exímios. Os arranjos, o virtuosismo à mistura com o crescendo de um clímax a que a técnica do jazz conferia maior vibração  remexeram  e prenderam todos quantos ali estávamos num abraço comum. Por mais paradoxal que pareça, dois qualificativos exprimem o acontecimento: intimista e apoteótico na sua concepção, execução e interpretação.
Devo manifestar, no entanto, a minha estupefacção por este brinde que o grupo   nos ofereceu. Mas por um outro motivo.  É que tudo nasceu da livre espontaneidade dos executantes. Foi o mesmo corpo numa alma nova. Explico-me. Normalmente, a evocação de José Afonso está consignada a associações público-privadas ou a formações de tendência progressista já catalogadas e firmadas ao longo dos anos. Desta vez, foi Zeca Afonso,  “não rouxinol na prisão, mas pardal na rua”, como bem poderia dizer António Aleixo. Sem paternidade segregada nem ‘sponsors’ da praça oficial. Não levarão a mal os músicos participantes se disser que ali foi José Afonso, irmanado com os filhos do povo,  José Afonso “andarilho, nascido do  maio, maduro maio”, como ele tanto gostava de cantar. Mais convicto fiquei quando o director da Banda Municipal, Manuel Spínola, informou que alguns deles, universitários das faculdades em Portugal Continental, deslocaram-se propositadamente à sua terra para nos trazer esta dádiva tão surpreendente.
Por isso que comecei esta crónica de circunstância com a exaltação da terra, inspiração telúrica, emanação do espírito. Numa altura de tradições insulares do Espírito, ouso dizer que este momento único, vivido no Passeio Público da Cidade, foi a ressurreição do espírito da Liberdade, a emanação de José Afonso no meio do  povo de Machico para quem ele cantou, em 1976, abraçado à estátua de Tristão Vaz Teixeira – a mais sólida testemunha da sua presença nesta terra.
A primorosa apresentação da Dra. Benvinda Ladeira e as justas homenagens de Ricardo Franco, autarca presidente,  aos intérpretes pioneiros deste evento autenticaram com a sua presença este, para nós, histórico concerto. José Afonso deitou  em Machico raízes fundas que hoje produzem flores e frutos de primavera. Bem Hajam!

21.Mai.17

Martins Júnior  

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