sábado, 29 de abril de 2017

UM LIVRO HISTÓRICO NOS ANAIS DESTE CONCELHO


Foi a apoteose de Abril em Machico!  
Com toda a propriedade, dela se pode dizer o adágio latino Finis coronnat opus – o fim é a coroa de toda a obra. O variegado quadro das comemorações do 43º aniversário da Revolução dos Cravos em Machico encontrou o seu último traço de mestre na apresentação do livro do Dr. Bernardo Martins – O 25 DE ABRIL EM MACHICO – lançado no salão nobre da Câmara Municipal, presidida por Ricardo Franco, que patrocinou a publicação.
A obra é a narrativa isenta, mas apaixonante, do período áureo da liberdade democrática e da verdadeira autonomia de uma “pátria” - como chamou à sua terra Francisco Álvares de Nóbrega - numa porfiada luta feita pelo Povo, com o Povo e para o Povo de Machico. É um testemunho ao vivo e na hora que, mais cedo ou mais tarde, teria de ser fixado para memória futura. Foi o cântico genesíaco, a idade da inocência revolucionária, esse dealbar de uma era nova, suspirada e nunca conseguida, na história de cinco séculos da capitania de Tristão Vaz: uma população de operários, pescadores e colonos, servos da gleba,  escravizada pelos senhores das terras e pelos detentores do poder, “tomou um fôlego” e soltou este refrão de vitória –  O Povo Unido jamais será vencido/ Em cada rua, no campo ou na cidade/ O Povo canta a canção da Liberdade.
No entanto, o livro do Dr. Bernardo Martins (a tese constitutiva do seu Mestrado na Uma, sob orientação do Prof.Dr. Nelson Viríssimo)  evidencia um trabalho rigoroso, diria frio, com uma metodologia científica a toda a prova, pois que apresenta as múltiplas versões dos intervenientes de então, alguns já falecidos, enfim a tese e a antítese, os “prós e os contras”, cabendo ao leitor extrair a síntese  conclusiva. Tarefa delicada a do Autor, visto que teve de ultrapassar a natural pendência de narrador homodiegético (esteve dentro dos acontecimentos) e colocar-se de fora,  como narrador heterodiegético, portanto imparcial e austero. De todo o modo, a obra histórica é um processo sempre inacabado. Muitos dramas, muitos espinhos cravados nos cravos de Machico pelos herdeiros do regime deposto, muitos hiatos eloquentes guardados na retina e no coração de quantos sofreram para construir o monumento erguido pelo Povo, a peso de ombro e à força pacífica do seu braço – enfim, muito  ainda está por contar. Por isso, considero este trabalho como o Tomo I ou Volume I de um percurso em que todos e cada um somos desafiados a escrever.  
Nunca será demais – e isso está largamente espelhado nas 269 páginas  do livro – relevar que a afirmação de Abril em Machico foi obra do Povo, na vanguarda das suas conquistas. Tal como em 1383 com o Mestre de Avis, tal como em 1974 com  Salgueiro Maia e os valorosos militares no Largo do Carmo em Lisboa, assim também em Machico o Povo é que foi o protagonista e bandeirante da Vitória. Os líderes de então mais não fizeram do que seguir atrás do Povo, decidido na sua marcha sem termo. Por essa razão, Machico nunca conheceu o sabor amargo da derrota, sabendo que “só é derrotado quem desiste de lutar”. É esse o grande mérito que o livro condensa e todos reconhecemos.


O salão nobre do Município, repleto de gente de Machico, Funchal e outras zonas da Madeira, de diferentes estratos sociais, culturais e políticos, e com a assertiva presença da edilidade, Assembleia Municipal, Câmara e Junta de Freguesia, todos demonstraram o seu apreço pelo trabalho apresentado e, com a actuação dos mais jovens nos cordofones (eles, os continuadores de Abril)  encheram o ambiente e levantaram os ânimos com a canção ex-libris de Machico:
FESTA
FESTA DO POVO
O POVO É QUEM TRABALHA
E FAZ O MUNDO NOVO

“O vinte e cinco de Abril
Foi um dia de alegria
Portugal entrou de novo
No clarão de um novo dia

Queremos um Povo unido
Cada vez mais a valer
O direito está no Povo
Não se vai deixar perder

Viva o Povo que trabalha
E dá toda a produção
Ele um dia há-de vencer
E mandar toda a nação”

29.Abr.17

Martins Júnior

quinta-feira, 27 de abril de 2017

EM MACHICO, O DIA PLENO


Tão juntos  e tão distantes!... Enquanto Portugal cantava quatro décadas sobre a alvorada de Abril, em Espanha chorava-se o dobro sobre a noite trágica em que uma pequena cidade foi reduzida a escombros. Em “25 de Abril” soltaram-se 43 cravos de vitória no canteiro português. Em “26 de Abril”, os nossos vizinhos ‘hermanos’ sentiam repercutir-lhes no peito 80 batumes de dor, recordando o horrendo  bombardeamento  de Guernica pela aviação alemã, em 1937.  
Era este o paralelo que me propunha desdobrar neste fim-de-dia, inspirado no imorredoiro quadro de Pablo Picasso sob o mesmo título. Foi o bárbaro conluio entre dois ditadores, Franco e Hitler! Por onde se demonstra que são os homens – somos nós, o Povo -  quem transforma o riso em lágrimas e, paradoxalmente, o luto em cânticos.
           No entanto, optei por respirar o ambiente puro e pleno em que Machico viveu o Dia da Liberdade. Faço-o, por um impulso necessário, precisamente para consolidar essa convicção, tantas vezes esquecida ou indiferenciada, de que é nesse esquecimento ou nessa  indiferença generalizada que  a ditadura aproveita para gerar os monstros futuros, como os de Guernica e do Holocausto.
         O júbilo maior que se evola do ambiente vivido nestas comemorações  consiste na verificação ‘ao vivo’ de um dado firme, científico e promissor: o de que hoje como ontem, passados 43 anos, as pessoas recriaram instintivamente a pujança e o brilho com que viveram a primeira hora da primavera em Portugal, mais intensamente na sua freguesia. O local foi o mesmo, o Largo do Município, campo de lutas contra uma tropa capitaneada por um tal brigadeiro traidor dos ideais dos capitães de Abril. Ali, sendo o chão de sofrimento, foi também o palco da vitória. Por isso, a chama do amor mátrio, iniciada há 43 anos, continua viva e perene em avós, filhos e netos que, num abraço comum, voltaram a encontrar-se no centro da cidade. Ali, sente-se o “Dia inicial, inteiro e limpo”, de Sophia de Mello.
         É sintomático o teor do programa que alinhou, não apenas comícios de intervenção, mas todo um composto holístico de actividades culturais, lúdicas, musicais, sempre com a Ideia de Abril no horizonte. Desde o hastear das quatro bandeiras – da Europa, de Portugal, da Madeira e de Machico – acompanhado pelos respectivos hinos a cargo da Banda Municipal de Machico e da formação em parada dos Bombeiros Municipais, o dia começou com a ‘Corrida da Liberdade’ entre Machico e Santa Cruz, de mais de duas centenas de participantes (o presidente da edilidade machiquense, inclusive) e das mais diversas idades e  extractos sociais, numa co-organização da Câmara e da Associação de Atletismo da Madeira. Já na ante-véspera do dia 25, abriu-se uma expressiva Exposição de Abril em Machico, desde os primórdios até à actualidade. "Automóveis da Revolução" foi o título dado à apresentação de veículos da época, uma iniciativa apreciada por grande número de visitantes. Na véspera, um acontecimento notável abrilhantou o romântico Largo de São Roque. Foi como que uma reconstituição (em escala miniatural)  da Monumental Serenata da Sé Velha de Coimbra, toda ela preenchida com baladas do cantor de Abril, José Afonso. Dentro da vetusta capela dos séculos XVII-XVIII, soaram mais autênticas e plangentes as guitarras acompanhando as sonoras vozes de António Macedo, Luís Filipe Costa Neves, Jorge de Freitas e Carlos Bettencourt, com apresentação e condução de José Júlio. Simplesmente emocionante! E mais tocante foi a presença do jornalista de Abril, Adelino Gomes, quando se nos apareceu e começou por  abrir o livro da memória,   contando aos presentes os primeiros contactos com o autor da “Grândola, Vila Morena”. Memorável!

         Na tarde de 25, a chuva teimosa fazia prever o vazio no Largo das comemorações, o já mencionado chão de luta e palco da vitória. Eis senão quando, vimo-nos envolvidos num vasto círculo de gente de Machico (e não só) que, como por sortilégio, ali compareceu. Eram rostos de ontem e de hoje, adultos, jovens e crianças, movidos por uma alegria contagiante, libertadora. Ali recitou-se o “Operário em Construção”, de Vinicius de Morais, exaltação antecipada do Dia do Trabalhador. Suspenderam-se as intervenções programadas e, no intervalo da chuva, os grupos de bailados populares de Abril descreveram as danças e cantares de “Machico- Terra de Abril”, participadas pela população circundante. Foi esta, talvez, a maior surpresa do dia.
         Mas faltava, ainda, a cereja em cima do saboroso bolo de 43 velas. E aconteceu, à noite com a actuação do Grupo Coral de Machico, dirigido pelo maestro Nélio Martins. Inexcedível o cortejo de “Canções de Abril”, onde desfilaram Fernando Lopes Graça, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Vitorino, José Mário Branco, António Variações, aos quais o coro quis associar duas das minhas canções, já editadas, mas desta vez valorizadas pela excelente harmonização do maestro. O fórum, completamente cheio, manifestou calorosamente o seu apreço pelo precioso contributo do Grupo Coral de Machico neste inesquecível  concerto. Bem merecidos aplausos!
         Deixo nesta folha de calendário o presente registo para memória futura. Sobretudo porque a comunicação social ilhoa entendeu silenciar, mais uma vez, a vitalidade anímica de um Povo – o único na Madeira que nunca deixou de assinalar publicamente o Dia da Liberdade. Mesmo nos tempos em que os intrusos do 24 de Abril, herdeiros e beneficiários do Estado fascista, proibiram as comemorações oficiais, a população de Machico ergueu sempre a cabeça, fazendo jus ao seu título onomástico: “Machico-Terra de Abril”.  As rotativas e os microfones deste “reino”  quiseram abafar a vivência autóctone da Democracia na idade da ternura. É que não poisou aqui nenhum secretário regional nem caiu do céu nenhuma vedeta nacional. Tanto melhor, para ser mais autêntica e consciente a respiração da alvorada de outrora. Enquanto houver gente de Machico, a ditadura não passará nem fará covil por estas bandas!
         Força e congratulação aos organizadores desta magnífica jornada – a Câmara Municipal, a Junta de Freguesia e “Cidadãos por Abril” de Machico.
Tal como o rasto brilhante que o cartaz luminoso projectava na baía, assim continuaremos a tecer de luz os caminhos da existência marcada pela estrela da manhã que todos os dias renasce no horizonte português  –  o “25 de Abril”!   

27.Abri.17
Martins Junior

                

terça-feira, 25 de abril de 2017

ABRIL É UMA CRIANÇA

                ONTEM…

                   HOJE…


                E SEMPRE!

Dá-lhe a mão e ajuda-a a crescer…
Ao envelheceres, a criança de hoje – o 25 de Abril - será o teu bordão e tornará  nova, autónoma e segura a tua vida!
Até sempre Criança-Abril!

25.Abri.17
Martins Júnior


domingo, 23 de abril de 2017

MILITARES, HOMENAGENS, MONUMENTOS E CONTRADIÇÕES


Numa altura  em que a terra-parturiente  sente  chegarem  as dores do parto, que outra  atenção maior se achará  senão  falar do natal que nos bate à porta?.... Aqui e agora, esse natal tem por nome “25 de Abril”!
Falar de Abril é chamar à nossa mesa os militares de ontem e de anteontem. Quando digo “ontem” digo os 240 homens que saíram de Santarém, comandados por Salgueiro Maia. Digo também os 5.000 militares que em todos os quartéis de Portugal garantiram, em postos de chefia, o corajoso plano de operações delineado por esse estratega incontestável da Revolução dos Cravos - Otelo Saraiva de Carvalho – e seus camaradas, oficiais, sargentos e praças. Todos arriscaram a vida. Muitos, ao sair de casa, despediram-se de mulher e filhos, sem carta de regresso. A intuição abriu-lhes caminhos nunca dantes imaginados e o  amor pátrio, a libertação do Povo português,  impeliu-os para a luta com uma indomável  resistência, igual à  das ‘chaimites”  que os transportavam. Sem hipótese de comunicar com todo o país (os telefones eram fio de arame fatal, telemóveis nem havia) os militares chegaram lá até onde “mais que permitia a força humana”.
Tudo isto vimos hoje, na Casa do Povo da Camacha, contado na primeira pessoa pelo ‘alferes’ Clímaco Pereira e pelo ‘condutor-auto’ António Gonçalves, natural daquela vila. Adelino Gomes, com toda a justiça titulado de  ‘jornalista do 25 de Abril’, acompanhou todo o processo e hoje pôs diante dos nossos olhos os vasos comunicantes que levaram ao triunfo os perigosos canais da Revolução. A expectativa, a incógnita do sucesso ou insucesso, os curto-circuitos iminentes que podiam ter aberto um mar de sangue, as avarias da última hora, enfim, “o coração aos saltos”,
tudo desfilou como um filme ao vivo naquele auditório. A “invenção” do cabo telefónico entre os centros de decisão  (os quartéis  da Graça e da Pontinha) é algo que nos põe em sentido e faz irromper dentro de nós o magnânimo preito de gratidão e homenagem.
         No entanto, surgem também ciclicamente, por estes dias, outras homenagens de fino protocolo, a que dão o nome  de “monumento aos ex-combatentes”. Então lá se perfilam os figurões aperaltados, medalhados. É vê-los com parangonas guturais exaltando a “coragem heróica dos nossos combatentes do Ultramar”. Engomadinhos e fardadinhos, os hipócritas oradores das feiras – nenhum deles foi talvez  ao ‘tarrafal da guerra’ e outros meteram cunhas aos maiorais para fugir à mobilização   -  hoje  até vão  depositar coroas de  flores. Devo dizer (certamente não terei o consenso de quem me lê) mas digo em plena consciência que todas essas encenações não são para promover os que lá foram parar  como  “carne pra canhão”, condenados às galés, anónimos números mecanográficos à chamada na parada. O programa dessas inaugurações mais não faz senão   escrever no epitáfio: “Homenagem e glória  à guerra colonial”.
Página negra na história de Portugal e do mundo foi esse massacre terrorista que obrigou milhares de jovens, desde o Minho às ilhas, a destruir populações indefesas e a matar quem vivia pobremente na sua própria terra, a África.  Pior ainda quando sabemos que  cristãos e católicos de Portugal, os soldados, eram forçados a abater cristãos e católicos africanos. Sei do que falo e do que vi em terras de Moçambique, em 1967, faz agora 50 anos. Porque também interiorizei, durante e depois, este sentimento de revolta contra os ‘donos da guerra colonial’ e  porque sofri, como todos nós, os condenados à morte, a indescritível tragédia  de ver cair mortalmente à minha frente onze jovens meus amigos (e depois ter de sepultá-los em onze covas, diante dos meus olhos) por tudo isso, confesso que repudio liminarmente tais pseudo-homenagens.  Lágrimas pelos mortos e indignação pelos responsáveis dessa guerra vergonhosa – eis, na minha opinião, o que deveria constituir motivo de inspiração para tais monumentos. Melhor seria tratar com justiça os familiares dos  ‘desgraçados’ que lá ficaram e os que trouxeram, como prémio do Estado, braços e pernas partidas, traumas físicos e psicológicos que carregam toda a vida.
É a estes que eu chamo “os militares de anteontem”. Também eles contribuíram indirectamente para a Liberdade do “25 de Abril”. Foi o cansaço da luta, o depauperamento das finanças públicas e os consequentes impostos sobre o povo e, sobretudo, o descontentamento de oficiais, sargentos e praças em guerra que apressaram a implosão de um regime colonialista, obsoleto e tremendamente injusto. Só que, para os “militares de anteontem” a factura foi por demais pesada e amarga. Bem hajam! A estes, o Estado desprezou-os e aos bravos de Abril, se acaso falhasse a Revolução, o seu destino seria a condenação, o degredo e a deportação. Assim agia o Estado  salazarista.
A todos, Militares e Povo, o abraço de gratidão das gerações de agora, herdeiras de tão nobre património!

23.Abr.17

Martins Júnior


sexta-feira, 21 de abril de 2017

“ESTÁ CHEGANDO A HORA” !


Chegando às vésperas de Abril, as encostas da ilha rescendem a cravos mil, bordejando o dorso das montanhas, descendo até ao azul da baía. Cheira a Abril, desde o vale até ao sol em vértice aberto sobre a terra.  Aos 44 anos, a manhã de outrora toma a veste da ternura e do feitiço que encanta e desencanta,  para tornar-se outra vez horizonte promissor na palma da nossa mão – na mão do Povo Português.
Sinto-o desde sempre, mas neste ano de capicua celebrativa ele surge no verde ramo dos campos com o canto álacre dos pássaros, da brisa corrente que paira no ar. Sinto-o, ao tomar conhecimento de outras paisagens, vilas e aldeias onde está anunciado o pregão de uma era nova. São diversas  - e todas estimáveis – as iniciativas que espontaneamente latejam aqui, acolá e mais além por essa Madeira toda  até atingir as praias do Porto Santo. Foram precisas quatro décadas para que muitas localidades madeirenses quebrassem os traumas do negacionismo político e ganhassem a força capaz de erguer
 o Cravo da Liberdade
A par de outros eventos concomitantes, de ordem cultural e desportiva, vejo com simpatia que as associações de base organizam-se para ‘levantar de novo o esplendor’ de Abril. Sinais dos tempos! E também reacção espontânea contra a alabarda que impuseram ao pescoço de toda uma população, proibindo qualquer comemoração, a nível oficial, da gloriosa data  que emancipou a Madeira da menoridade a que fora submetida durante quase meio século.  Fenomenal o projecto de juntar nesta ilha a “coluna do capitão Salgueiro”, de que fazem parte soldados e graduados madeirenses! Monumento vivo da Revolução dos Cravos, enquanto jornalista do “25 de Abril”, o grande Adelino Gomes, presente na Região.  Recordo com emoção a sua  conferência em Machico, há mais de duas décadas, nesta mesma data. Vai ele agora, nesta nobre cruzada, levar o seu testemunho às escolas do Funchal e à vila da Camacha. Viva!
Porque se trata apenas da ribalta comemorativa, desde logo antevejo em Machico quatro de várias iniciativas programadas: A sessão pública, a céu-aberto, na Praça do Município, em 25 de Abril;  na véspera, a evocação de Zeca Afonso, na vetusta capela de São Roque com intérpretes e baladistas do “Grupo Madeirense de  Fados de Coimbra”; o concerto das “Canções  de Abril”, em 25,  pelo Grupo Coral. E, em 29, o lançamento do livro do Dr. Bernardo Martins, “Machico no 25 de Abril”. A Corrida pela Liberdade, também em 25, entre Machico e Santa Cruz ganha um impulso simbólico ainda maior.
Outras modalidades, mais modestas mas não menos incisivas, acontecem por estes dias, entre os quais a transmissão de conhecimentos sobre “Os difíceis Caminhos da Democracia”, hoje concretizada na Escola Secundária de Santa Cruz, para a qual  fora solicitada a minha modesta prestação. Apreciei a atenção dos alunos de duas turmas do 12º ano, bem como as questões – muito sérias – que me foram colocadas, numa demonstração clara de que a Juventude prepara-se para assumir a condução do seu futuro, até alcançar os horizontes de um Abril  mobilizador da sociedade.
“Levantemo-nos de manhã cedo para ir às vinhas, vejamos já florescem as vides, abre-se a flor, já brotam as romeiras … As mandrágoras dão cheiro e à nossa porta há toda a espécie de frutos, novos e velhos. Eu guardei-os para ti, ó minha amada”!
Este excerto do poema “Cântico dos Cânticos” de Salomão, (7, 12-13), fui  gostosamente pespontar para  exprimir a atmosfera inebriante, mas dinamizadora, que exalam os cravos de Abril. que, nesta hora, alcatifam o chão das nossas casas.
Se a maratona da vida se assemelha à grande corrida do MIUT, ora em curso, então somos prontos a afiançar: Presente! Nós estamos lá! Na crista montanhosa do “25 de Abril”!  

21.Abr.17
Martins Júnior    


quarta-feira, 19 de abril de 2017

MENSAGEM PARA TODO O MUNDO ! – UMA ENTREVISTA DE ANSELMO BORGES


Não ouso levar as mãos ao computador sem pedir licença ao Prof. Doutor Anselmo Borges para deixar debruçar-me sobre a grande enciclopédia que nos abriu nas páginas do semanário ‘Expresso’ de sábado último. Falo assim porque em toda a sua entrevista mergulhamos num oceano de descobertas, tão vasto, tão intenso e tão ousado que só o alcança quem partilha a sabedoria e a coragem do autor.
Embora situada numa determinada época e lugar, trata-se de uma entrevista intemporal: ninguém, nem o tempo nem o espaço  apagarão as luminosas pegadas indelevelmente marcadas no seu texto. Lidas daqui a 50 ou 100 anos, ficarão como anúncio profético e proclamação de um presente que se projecta no futuro. Os temas abordados pela jornalista Cristiana Martins são da maior candência e actualidade, às quais o  entrevistado respondeu com assumida frontalidade, uma atitude tão diferente dos “funcionários do templo” que se enrodilham em meneios e evasivas, próprias  de quem tem medo da Verdade.. Mais impressiva e premente foi a abordagem do caso Fátima. Numa encruzilhada de sinais contrários ( de um lado, a obsessão mística, a roçar a superstição e o paganismo; do outro, os ataques mais soezes e justificados contra a exploração mercantil da Cova da Iria), Anselmo Borges define com a ciência e a transparência que lhe são peculiares  os conceitos de ‘visão e aparição’ para, serena e seguramente, concluir: “É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima”. Acompanho-o, lembrando-me da resposta de Cristo, quando interpelado por Caifás, sobre os conteúdos da sua doutrina: “Eu sempre falei abertamente em público, para todos os que me quiseram escutar. Pergunta-lhes, pois,  pelo que eu disse”. O nosso Mestre ( por maioria de razão, a Sua Mãe) quando aparece  é visto e ouvido  por todos os circunstantes. Outro fenómeno é o da ‘visão’ privada, da iniciativa particular.
Mas a mundividência e a transcendência do seu pensamento vai muito para além da casuística pontual, mesmo que se chame Fátima. Anselmo Borges abarca toda a amplitude do Homem em busca de Deus, a Instituição Igreja, o sacerdócio e a sexualidade, a ordenação das mulheres, enfim, o Papa Francisco e a guerra aberta contra ele dentro dos  muros do Vaticano. E fá-lo, civicamente,  mas com a firmeza e a verticalidade que o caracterizam. Aí, identifico-o com o Papa Francisco.
Ao ler e ouvir o Prof. Doutor Anselmo Borges, ocorre-me estoutro testemunho bíblico acerca de Cristo: “Quando Ele fala – fala como quem tem autoridade”. Não se configura esta minha afirmação com qualquer recurso estilístico denominado hipérbole. Não é exagero, não. Porque Anselmo fala com a experiência missionária em Moçambique, ensina com o saber adquirido em Roma e aperfeiçoado na Alemanha, através dos maiores teólogos mundiais, como Hans Kung, por todos.  As suas conferências, solicitadas dentro e fora do país, bem como os  seus livros são alicerçados nos grandes mestres do pensamento de ontem e de hoje, Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant e a sua arquitectura filosófica,  Castillo,  Pagola,  Andrès Torres Queiruga, só para citar alguns. Os artigos que publica, às sextas, no ‘Diário de Notícias’ de Lisboa, representam o “pão partido aos pequeninos”, tal a clareza do seu pensamento, sem perder a sua profundidade.  A “auctoritas” de Anselmo Borges advém ainda do seu talento catalisador que consegue unir escritores, poetas, filósofos, teólogos, catedráticos e jovens, homens e mulheres por todo este país, em teatros, auditórios públicos, universidades, promovendo o diálogo inter-religioso, o debate de ideias e propostas para a construção de um mundo habitável, na perspectiva de conciliar a fé e a ciência. Isso mesmo acontecerá brevemente com o seu novo livro sobre o Papa Francisco. Tal como este, ele tem uma audiência maior entre os que, à margem da Igreja, têm fome e sede de Deus.
Não posso deixar de marcar com sinal mais dois momentos que evidenciam o saber e a coragem de Anselmo Borges: o debate no casino da Figueira da Foz sobre uma das suas obras – “Corpo e Transcendência” -  de que destaco o acurado estudo sobre Fernando Pessoa. O outro, aqui no Funchal, quando, a convite do “Festival Literário”, veio apresentar o livro de  Naomi Wolf , que tem por título a provocadora e sintética expressão: “Vagina”. Foi absolutamente deslumbrante e de inexcedível dignidade o seu discurso.
Por isto e por muito mais, acredito em Anselmo Borges. Não estarei errado se disser que em Portugal é ele que marca o rumo da investigação filosófico-teológica, fazendo jus à sua Cátedra na Universidade de Coimbra. Bem merece a antonomásia de “Pater et Magister” das actuais e futuras gerações. Com todo o mérito. Chamar-lhe-ei, porém, “Frater et Magister”  (Irmão e Mestre), tal a sua simplicidade  de trato com os mais humildes do povo de Deus, caso da Ribeira Seca, aonde por mais de uma vez  veio transmitir o Evangelho  autêntico,  “Evangelho da Alegria”, como a foto o documenta. Comovidamente agradecemos!
A quem me lê, deixo o mais importante: Procurai a entrevista de Anselmo Borges no último  “Expresso” , quer em papel, quer pela ‘net’. Vai valer a pena!

19.Abr.17
Martins Júnior


segunda-feira, 17 de abril de 2017

SALMO 2017

Não me sai da vista e da medula aquela multidão de escravos judeus a caminho da liberdade,  atravessando a vau o ‘Mar Vermelho’ – da cor das algas submersas. Por isso, aqui vai este sopro que tanto pode ser de elegia, fúria ou grito de esperança


Adeus terras do  Egipto
Onde ficaram
Quarenta anos a ferros
E mil vezes quarenta ‘nilos’ de escravidão

Muralhas de pedra d’água
Abri-vos em cachão
Que aqui passa Israel
O eleito de Iahveh
Ontem cinza hoje de pé

Pousados na outra margem
Viram os nossos olhos
Cavalo e cavaleiro
Sepultados nesse mar
Onde passámos primeiro

Em sal e pó
Desfez-se o império faraó


………………………………

Senhor
Hoje o mar é vermelho
Não das algas mas do sangue
Que os nossos corpos deixaram
Nas quilhas das barcas de pinho
Covas do fundo marinho

Já não há muralhas de água
Senão monstros de mil fauces
Armas  drogas  petro-cheques
Devorando o leite materno
Engolindo mães e filhos
Nos mercados subterrâneos
Que traficam  sonhos  ossos veias crânios

O mar avaro  avança
Alaga os campos e as praças
Ergue muros farpados  bidonvilles
Senta-se à mesa tísica do chão
Onde não há talheres nem taças
Só o podre da prisão

Quem aí  vivendo  morre
Jamais cantou  ou cantará
Iahveh  Hallelluiá

Todo o planeta é vermelho
Não há cravos  algas ou manhãs
De uma Páscoa anunciada
Só  assad’s erdogan’s
Moab’s   trump’s, kim’s  e putin´s

Porquê Senhor
Não regaste os cardos  do Calvário
Com o champanhe que corre nas entranhas
Dos sumos-sacerdotes ?


Porquê  Senhor
Só sangue de inocentes serve
Para  irrigar montanhas ?

PERDÃO   
Senhor
Por não contar contigo
Ver-Te por aqui
Na gávea  do terror
Eu não consigo

Nem mandarás Moisés
Enxugar as lágrimas do mundo
Chagas de avós sangue de bebés
A sua vara não mudará o nosso luto
Nem atravessaremos  o mar
A pé enxuto

Nem  Tu o conseguiste
Desde essa tarde negra e triste
Da colina redentora


A Páscoa será duradoura
Se for nossa
Quanto queira tanto possa
A força dos braços abertos
Para a luta e para a paz

A Terra da Promissão
Só a alcança
Quem esconjura os fantasmas
Da servidão

Nunca será inteira

Mas de cada Sexta-feira
Faremos o Domingo
De toda a libertação

17.Abr.17
Martins Júnior

sábado, 15 de abril de 2017

O POEMA VIAJA TODA A NOITE…

"Na tua mão - a Ressurreição" porque  perto ou longe de ti alguém te espera para voltar a viver


A noite chama a  tua mão
E naufraga ébria e cega
Até  ao cais do teu corpo-luz

Nela vagueiam mastros nus
À espera que lhes ates as velas
Perdidas nas procelas
Sem bússola nem remos

Bateram à minha porta
Noctívagos de amor e pão
Chamando a tua mão
Dizendo que tu amas e inundas
De sol
As órbitas vazias e fundas

E eu vou com eles
Sem GPS nem redes
Que eu sei o mar  vasto
Onde mergulhas e me procuras
O rasto

Se a morte me sepulta
A tua mão me exalta
E  a terra toda exulta

Se espalmares a mão
E soltares os dedos
Estremece o furacão
E afogas todos os medos

Como o poema que navega
Toda a noite
Tacteando a rima e o rumo
Sorvendo a madrugada que não chega
Assim te anseiam e gritam
No silêncio sem eco
No beco sem saída
Na escada sem vão
Teus sósias anónimos
Tua irmã teu irmão
Porque na tua mão
Amanhece o Dia  da Ressurreição

  15-16.Abr.17
Sábado para Domingo de Páscoa

Martins Júnior

quinta-feira, 13 de abril de 2017

UMA NOITE DE CONTRASTES


Escrevo no corredor da noite de Quinta para  Sexta-Feira. Noite branca. Noite negra. De suores frios e toalhas de linho sobre a mesa. De traições ocultas e sobre-humanos perdões. Tudo começou  num jantar clandestino de despedida, direta para o matadouro anunciado. A fatia do pão e a taça do vinho acabaram numa túnica embebida em sangue. Noite de contrastes, portanto. Não foi brinde amistoso o daquela noite.
Só Ele via, em grande e claro plano, o guião do trágico filme, em que seria protagonista e vítima indefesa, às ordens do potentado religioso do Templo de Jerusalém. Não obstante, no adeus final o ar pesado daquela sala, cedida gratuitamente para a “festa”, tornara-se  leve e transparente desabrochando em abraços sem palavras. Porque o ar puro, transcendente, chamava-se Perdão.
À distância de mais de dois mil anos, acompanhámo-lo, ao Mestre, nesta noite.  Aliás, foi Ele que veio ter connosco, sentou-se ao nosso lado na mesa rectangular coberta do linho da terra. E ficámos a saber que perdoar faz bem à saúde. Descobrimos que não se aguenta uma vida inteira com um revólver dentro do peito nem com um coração feito  pedra em vez de carne verdadeira, sensível, imune às arritmias fatais.  E, daí, aprendemos também que o perdão não é um acto estritamente  religioso mas uma proposta de educação cívica, porque ele só tem lugar no chão tangente da vida quotidiana e não nas paredes amorfas de um santuário, por mais sacrossanto que se apresente. Na enorme redoma planetária  em que nos meteram, marcada pelos ribombos de tudo arrasar, sentimos que somos capazes de enterrar machados de guerra sem nos demitirmos da luta franca e justa dos nossos ideais colectivos. E aí percebemos que no palmo de quarto que habitamos, rugem explosões de circunstância – palavras, olhares, gestos mútuos  -  que podem sufocar quem vive à nossa beira, provocando depressões tão corrosivas como as armas químicas.
Por outro lado, não foi difícil perceber que os auto-proclamados mestres de perdões oficiais apoucam a nossa visão e só se interessam em formatar-nos na ‘gravidade’ das minudências  ocasionais, nervuras, neuroses, beliscaduras individuais, enfim, o tecido curricular inerente à  comum fragilidade humana. Para os confessionários é isso que conta. E deixa-se de fora a grande criminalidade, a opulenta e sofisticadamente elaborada para melhor explorar o mais fraco, o mais pobre, o mais doente. Aos crimes ou pecados sociais que matam silenciosamente povos e gerações, a Igreja dos tronos e altares não tem formulários, pagelas ou penitências pias. Talvez  porque o seu escandaloso património terá sido fabricado também nos G8 de vários séculos!     Foi preciso que “um homem do fim do mundo” rompesse os oceanos e chegasse à Europa ‘cristã e ocidental’ para entender o rol doméstico dos nossos desacertos e apontar,  aqui e agora, os crimes sociais dos brâmanes, dos intocáveis, dos que ficam sempre no pódio dos vencedores.
Por fim, consolidámos a convicção de que a Deus ninguém rouba, ninguém mata, ninguém O leva à falência, ninguém O ofende, ninguém O engana. Tudo isso acontece - só e sempre -  quando o agredido, o lesado, o ludibriado é o nosso co-transeunte, que vive e viaja connosco, perto ou longe, um Ser:  humano, animal, vegetal, mineral, solar ou lunar, numa palavra, a Mãe atmosférica , telúrica  que nos deu o berço e um dia há-de recolhê-lo na sepultura.  Como viveu e sentiu Teillard de Chardin, nunca atingirá  o vértice do Espiritual  quem  não partir das raízes do Natural.
Assim também o pão e o vinho novo – o Perdão – desta histórica vigília de Quinta para Sexta-Feira.  Assim se canta o Perdão à mesa da Comunhão! 

  13.Abr.17
Martins Júnior


terça-feira, 11 de abril de 2017

“SEMANA MAIOR” - DE SOBRESSALTO E PROTESTO!


Não tem mais que sete dias. E cada um  com as mesmas horas dos dias comuns. No entanto, chamam-lhe a “Semana Maior”. O ano passado, chamei-lhe a semana do protesto. E do sobressalto. E, por isso,  a “Semana Maior”. Porque ela não se limita à narrativa que vai de Domingo a Domingo. Vem de longe, de muito longe. Mesmo na época  em que tudo se passou, o plano da tragédia não se congeminou numa semana.  Tinha, no mínimo, três anos de fermentação. E talvez mais: trinta anos, desde a noite em que os Magos do Oriente vaticinaram que aquela Criança  nascera para ser rei de Judá. Por mais Largos  e Halleluias  de Haendel , por mais Árias de Bach, por mais solene que seja a dramaturgia dos ritos litúrgicos,  não me sai do pensamento a trama satânica que a hipocrisia do Templo e a cobardia do Tribunal do Império urdiram, na clandestinidade do povo hebreu.
         É por isso que, para mim,  na Semana Maior, são  tão escassas as palavras  quanto profundo o abismo do protesto. O protagonista mais poderoso da Ideia e da Acção não merecia tamanha derrota. E nós, também não.
         Oh quanto me destroem as majestosas encenações dos templos, pinceladas fúteis do que foi o grande sarcasmo contra O Mestre! E as  não  menos  contraditórias peregrinações aos santuários para “ver” a Semana Santa.  “Ver”…o quê? Um dos maiores, senão o maior, crime da História?!
         Aquilo não é para se ver, sem se entrar em sobressalto.
         O Cristo histórico não suporta o teatro dos homens. E o Cristo de hoje só espera os nossos braços, a nossa voz, o nosso vigor para bradar contra os novos poderes, herdeiros dos de outrora. E agir! Tenho para mim que Ele, “sempre em agonia até ao fim  do mundo”, (Blaise Pascal) mais estima a nossa visão vigilante -  debruçada  sobre as estações dolorosas que todos os dias passam diante dos nossos olhos, por vezes, indiferentes – do que a contemplação estática, improdutiva, das estações do Calvário.
Porque é intemporal o pensamento do Padre Vieira, que citei no ano transacto, trago-o  de novo,  como quem faz a síntese perfeita:  
 “As imagens de Jesus  Crucificado que estão nas igrejas são imagens falsas, porque não padecem nem sofrem. Imagens verdadeiras de Jesus são os pobres, os doentes, (hoje diria ´’os refugiados), esses sim é que padecem” .
É assim a minha Semana Maior!

         11.Abr.17

         Martins Júnior

domingo, 9 de abril de 2017

POPULISTA… O MESTRE? JAMAIS! – O DIA ÍMPAR DA FORÇA DO POVO


Ao fim de um domingo de festas, cortejos, espectáculos, campeonatos, se ainda houver um recanto íntimo de onde se possa visionar a agitação dos factos e deles extrair uma cabal interpretação, aqui vos deixo uma proposta.
         É de palmas e de tenras folhagens verdes que me rodeio e inspiro. Porque hoje é o seu dia – o Domingo de Ramos, um  momento episódico passado lá longe num tempo e num espaço fora do nosso alcance e que se tornou viral, espectacular, explorado ao sabor de interesses que não foram os originais.
         Situando-nos no cenário de então e compulsando os escritos coevos, o caso é simples de contar. Um homem de trinta e três anos, líder e educador de uma  espiritualidade  transparente – O Mestre J:Cristo – tinha a absoluta certeza de que os seus dias estavam por um fio. As classes dominadoras da finança e os intocáveis ‘gurus’ da religião oficial ultimavam as linhas estratégicas  para  liquidá-lO.  Os rumores e as ameaças verbais que, de veladas passaram ostensivamente a provocações directas, não deixavam margem para dúvida.. “Ele deixou de aparecer tão abertamente em público”, dizem os textos. Armas e exércitos não os tinha, poder financeiro muito menos, aliados nas altas esferas oficiais também não. Mas era preciso fazer tremer as estruturas do poder maquiavélico que dominava a Palestina e que maquinava assassiná-lO.
         Uma ideia avassaladora saiu do povo miúdo, à qual Ele, pela primeira e única vez, deu assentimento. E foi num domingo, pela manhã. Andou a mensagem de boca em boca (hoje seria pela net) e depressa juntou-se a multidão vinda dos quatro pontos cardeais da Judeia, numa explosão de alegria que mais parecia um ‘tsunami’  imparável sobre a cidade capital, Jerusalém. Espontaneamente, velhos e novos, homens e mulheres, crianças saltitantes, atapetavam o chão dos caminhos com mantos e mantilhas, ramos verdes, o que havia à mão. A meio da multidão, Ele seguia, manso e firme. Seu trono era um jumentinho emprestado por um vizinho de uma aldeia próxima. Os manifestantes enchiam a cidade de vivas, hossanas  e cantares ao seu Mestre e Líder. No seu íntimo (assim me pareço ouvir) um desabafo pairava desafiando os poderosos: ‘Vós tendes exércitos, carros de combate, palácios, tesouros. Não tenho onde reclinar a cabeça, mas sou mais forte que todos vós, a minha força é este Povo que vós explorais impiedosamente, mas que hoje sai à rua, unido,  vitorioso e livre’. Dizem os textos que a cidade tremeu “alvoroçou-se”. E com ela, os fariseus, os Pilatos, os Herodes, os sumos-sacerdotes Anás e Caifás.  Nem as sentinelas pretorianas, nem o exército romano, nem os guardas do Templo, ninguém  Lhe tocou. “Com medo do Povo” explica o relato bíblico. E quando enviaram emissários para que  mandasse calar e dispersar aquela gente, Ele respondeu com o vigor desafiante da sua palavra: “Se eles se calarem, levantar-se-ão contra vós as pedras da calçada”
E foi a Festa da Liberdade, foi o poder do Povo, que venceu a ditadura sacro-profana de Jerusalém! Foi o Dia Ímpar! Não falta, por aí, quem malevolamente alcunhe Cristo de “Populista”. Nada mais falso. Ele incarnava todo o Povo e transportava-o aos ombros. Era o sublime escravo do Povo para salvá-lo em toda a plenitude.
A quem me acompanha nesta viagem, proponho um simples exercício de comparação. Que estranho paralelo!  Tão diversa a paisagem, tão contraditória! Dignitários religiosos revestidos de capas bordadas a filigrana, altas patentes governamentais e militares (vi eu hoje pela TV, no monumento da Batalha), tudo formalista, artificioso, senão mesmo embusteiro. Domingo de Ramos não é festa para sumidades eclesiásticas nem para os brasonados ‘quarteleiros’ dos paióis. Pelo contrário: foi contra os corifeus da religião oficial e contra os imperadores  das armas  que o Povo se manifestou, ao lado do seu Mestre.    
Em Domingo de Ramos, é Cristo o Protagonista --- e seu co-protagonista o Povo autêntico, a caminho da  libertação. E sempre que um Povo se une e se manifesta em defesa da Verdade e da Justiça, aí se renova o Domingo de Palmas!

09.Abr.17

Martins Júnior