domingo, 5 de março de 2017

A BOLA TAMBÉM ENTRA NO CARNAVAL E VAI DE CARTOLA


4 de Março de 2017, a maior jornada sportinguista de todos os tempos! O maior campeonato do Sporting Club de Portugal! Record imbatível!
Olh’ó melro verde-branco! – dirá quem me conhece. Aliás, foi o comentário que alguns amigos me fizeram quando lhes confidenciei que o texto de hoje seria inspirado nas eleições de Alvalade: “ bora, bora, tu que nem sequer ligas ao futebol”.
         E é verdade. Amo tanto o desporto quanto detesto o futebol profissionalizado, por razões que já em tempos desdobrei  Neste mesmo correio. Mas hoje, porque é carnaval e, sobretudo, porque de tudo o que é efémero  podem extrair-se conclusões duradouras, aqui vai mais um escrito vogando em cima das águas correntes.
         Achei um fenómeno colossal a romagem porfiada dos sócios que aguentaram de pé horas a fio, à espera da sua vez. Nem num hipotético consultório do tamanho de um estádio ver-se-ia um tal monumento vivo à persistência e à mais masoquista resignação. A sublinhar a mole imensa que se arrastava a passo lento, as figuras gradas da colectividade não se cansavam de repetir aos jornalistas: “Isto é que é sportinguismo, vitalidade, amor, fé inabalável, 10 mil quilómetros de paixão", escreve o jornal A BOLA. Gostei muito desta sublime confissão – a fé inabalável que forneceu energia a muitas centenas de sócios que esperaram até às três da manhã para saber o resultado. E a imprensa e a rádio e as TV’s. É obra!
         Mas o que digo da apoteose sportinguista, digo-o também de qualquer outro clube. Não me sai da memória o credo solene que ouvi ao reconhecido artista Artur Semedo: “A minha Religião é  O Benfica”. De onde se conclui  (e, ao mesmo tempo,  se interpela) que o futebol-espectáculo fomenta turbinas potentíssimas de coragem nas multidões e fá-las explodir mais que o Etna incandescente em lavas fumegantes, pavorosas até. Deliciei-me, frente ao televisor, com as juras eternas de amor à bandeira,  ao exclusivismo apaixonado,  ‘amor à camisola’ e à fidelidade clubista, nalguns casos desde a barriga da mãe.  Um poema homérico, maior que o maior pacto conjugal!
         Esbarrei, depois, com um monte de questões e constatações, incógnitas e contradições, entre as quais a seguinte: os sócios (que não jogam senão com as quotas que pagam) têm a camisola inseparavelmente colada ao corpo, mas os artífices do clube, as raízes que justificam os frutos da vitória - os treinadores e os jogadores - são a sua total negação. São eles os que menos respeito têm à camisola, só  desamor profissionalizado. Amanhã  estarão na primeira linha de ataque contra o clube da véspera. Usando a expressão popular, é a maior  facada no casamento! E, por mais ou menos “trinta dinheiros”, adeus paixão, adeus patrão. Não passam de um pelotão  de mercenários sem pátria nem coração. Por isso, ao lado do frémito  dos fiéis indefectíveis à bandeira, que até chegam a contagiar-me por momentos, surge-me logo o relâmpago da razão a comparar o mágico esférico do relvado com uma bola feita de notas milionárias, prontas a entrar imediatamente na grande baliza chamada cofre forte do Banco.
         Outra questão que me estragou o espectáculo televisivo: quais as garantias – sólidas, fiáveis – trarão para o país aquelas intermináveis filas de espera?... Em que é que influem na saúde pública, na paz social, no ensino, nas pensões e reformas, enfim, no estado da nação?... E, galopante, assalta-me outra interpelação: será que num referendo para bem do país, numa votação para a Região, para a República, para a Europa, onde se decidem o presente e o futuro de um povo, repito, será que mobilizar-se-iam as turbinas do entusiasmo e a mesma fonte de energias para uma idêntica participação?... Responda quem quiser.
         Está chegando o mês de Maio e, do velho Salazar, chega-me ‘aquela frase batida’ para anestesiar o povo, os tais três F: Futebol, Fátima e Fado.
O verdadeiro desporto - o exercício atlético - é saúde e é riqueza, nunca mercantilismo servil e doentio.  Falo de todos os quadrantes e modalidades profissionalizadas num contexto a que nos habituaram os donos dos clubes e os ‘media’. Compra-se tudo: jogadores, clubes, treinadores, camisolas, chuteiras, estádios. E muito mais que se pensa e não se diz. Oxalá não venha o sr. Trump cortar com o comércio globalizado  do mercado da bola.
         Entretanto, ‘lá vamos cantando e rindo’, ouvindo, brigando e bradando. É carnaval e ninguém levará a mal.

         05.Mar.17
         Martins Júnior           

         

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