terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

ESCADAS ROLANTES – ESCADAS FALANTES : “Quem ao mais alto sobe ao mais baixo vem cair”


Hoje não trago mais que um instantâneo. Tão ofuscante e contundente foi, que  para mim – e certamente para si, acompanhante dos dias ímpares - ficará como um tratado de filosofia política ou financeira,, um manual de sociologia e um laboratório de emoções. Porque é assim que procuro interpretar o movimento cíclico das águas correntes: no efémero detectar o perene.
Descia eu a escada rolante de um desses formigueiros de gente  a que se dá o pomposo cognome de hipermercados. Enquanto as correias  giratórias circulavam lentamente, saltou-me à vista um sujeito, lá ao fundo, gabardine laranja-desbotado, olhar inquieto, parecendo mais um fugitivo à procura de um buraco onde esconder-se e com uns trejeitos de  pescoço entre comprometido e  assustado. Percebi que o homem preparava-se para tomar a escada ascendente, contígua à nossa, mas algo lhe travou o passo. Apeei-me e, acto contínuo, o homem subiu. Ninguém deu por ele, nem um bom-dia, nem aceno de mão, nem um olhar,  como se de um estranho vulgar de Lineu se tratasse. Confesso que me deu um travo de compaixão e mágoa natural ver ali, ao vivo, o contrastante, talvez pavoroso, dilema entre a glória e o fracasso, entre o trono e o cadafalso, entre o apolíneo clangor do poder e o subterrâneo tumular da humilhação pública. Por outras palavras, o populismo febril e, em contraponto,  o sol-posto de um sem-abrigo.  Volto a dizer que cheguei a sentir pena daquele instantâneo longo, imenso, eloquente. Quem tinha  (ou julgava ter) o “mundo todo” na mão e todos os viventes-vizinhos  como escabelo a seus pés… e agora reduzido a mero exemplar do formigueiro! Quem tudo fez tremer debaixo do sobrolho alucinado… agora ignorado sem sombra de aragem,  mesmo fria que fosse! Quem esmagava o corpo e a palavra de homens e mulheres de talento, só para promover os medíocres aduladores … agora, ali, de olhar vago e aluado, como a mendigar uma côdea de simpatia ou um punhado de alfarrobas, mesmo falsas, sem ninguém que lhas desse! Nem sequer daqueles que se locupletaram  na sua corte.  Não gostei da cena.  Mais degradante foi ver que o homem não teve coragem de confrontar-se, lado a lado, no vaivém das escadas rolantes, com quem outrora, no auge do poder,  insultou e  massacrou até à exaustão! Além de cobardia, estava ali a inexorável sentença dos povos: “Quem ao mais alto sobe ao mais baixo vem cair”.
Quero esquecer o cenário-relâmpago daquela escada. Deito fora a casca do instantâneo. Só tento reaprender o seu tronco e sorver a seiva que dele escorre. Não vale a pena galgar o vértice de um poder absoluto, porque, quando menos se  espera,  a pirâmide volta-se ao contrário e é então que o todo-poderoso torna-se  vítima do monstruoso bloco que fabricou.  Falo dos grandes impérios de ontem ou de hoje. Assim aconteceu, em alto relevo, com Nero, o boçal imperador de Roma. Assim, com Napoleão,  Hitler, Stalin, Mussolini, Bin Laden, Saddam.  E assim com todos os tribais populistas de agora, ainda que eleitos, desde a Coreia do Norte à Turquia, aos Estados Unidos, à Rússia. A história não perdoa!
“Quem a ferro mata a ferro morre” – já nos prevenira o  Mestre quando Pedro desembainhou o cutelo  no Horto do Getsémani. As prepotências, sejam elas de que cor ou dimensão, não passam de momentâneos fogos-fátuos geradores das chamas que vitimarão os próprios titulares.  Lições gigantes que se reescrevem nos instantâneos miniaturais das escadas rolantes!    

21.Fev.17

Martins Júnior

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