quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

UMA “CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA” NO FUNCHAL


Este 25 de Janeiro sai-me do computador como um poliedro de muitos rostos. Tem tanto de sério e diletante, como de sarcástico e chocarreiro. Consonante e contraditório, ao mesmo tempo.
Começo pelo tom “grave e sério”. Está na ordem do dia falar de normativos constitucionais, inconstitucionalidades, tribunais constitucionais, numa palavra , invocar  a Lei Fundamental do Estado-Nação, a Constituição. Sempre as houve, desde as constituições monárquicas  às liberais, desde as totalitaristas às republicanas, cada qual com o seu figurino próprio ao serviço da ideologia ou dos interesses dominantes. De todas, porém, a mais original e anacrónica  será aquela que deu à luz o título deste escrito: A Constituição Dogmática. Quem me lê neste momento conhece, de certeza, a máscara e o ADN do (des)qualificativo Dogmático. O dogma não se discute, não admite perguntas nem respostas, não tem apelo nem agravo. É o “status”: inflexível, inamovível, sem olhos, sem ouvidos, sem alma e sem coração. É a esfinge no deserto do pensamento, além da qual ninguém pode passar, sob pena de condenação à pena capital. São seus parentes menores as constituições dos regimes fascistas, as constituições estalinistas, enfim, as ditaduras. Todas fabricadas pelos humanos mortais.
Mas as Constituições Dogmáticas são “gente fina”. São do outro mundo. Procedem dos oráculos divinos, de lá onde mora o Eterno e  Supremo Juiz da História. E o seu fiel depositário é um só, mesmo sem procuração reconhecida:  a Religião - melhor talvez, as religiões. No caso vertente, a Igreja. E, para  nós,  a Católica. Seus delegados e juízes, dotados de infalibilidade dogmática, são os “ministros hierárquicos”, mais deístas que Deus, mais papistas que o Papa. Pela Constituição Dogmática da Igreja, foi excomungado o Patriarca Miguel Cerulário, em 1054 (há quase mil anos!) e, com ele, a Igreja Ortodoxa, desde então separada de Roma. Pela Constituição Dogmática, em 1431, foi queimada viva na fogueira uma jovem francesa, Jeanne d’Arc, por defender o seu povo. Ainda pela Constituição Dogmática foi excomungado, em 1521, Martinho Lutero e, por tal sentença, proliferaram na Europa e no mundo as doutrinas protestantes. E pela mesma Dogmática Constituição têm sido ostracizados, reduzidos ao silêncio, encarcerados no próprio país, muitos pregoeiros da Verdade, lídimos cultores da Sabedoria, teólogos eminentes, mártires anónimos, sobre cujo féretro a mesma Constituição Dogmática manda rezar ofícios sagrados, que mais não são que cínicos impropérios repugnantes perante a barra da Justiça autêntica, seja ela humana, seja ela divina.
Perguntar-me-ão por que andas e bolandas venho eu, hoje mesmo,  com este tão estranho arrazoado.
É que hoje é 25 de Janeiro.Com recheio gordo de 4 “pratos”.   Às companheiras e companheiros viajantes dos  “blog’s”  proponho que descubram  as consonâncias e as dissonâncias, os sabores e dissabores da ementa:
1)    O “JM” (forma sincopada, semi-amputada do ex-“Jornal da Madeira”) tem propagandeado “No Seminário diocesano, três dias de actualização do clero sobre a Constituição Dogmática da Igreja” à luz do Vaticano II. Ouso sublinhar que, para a Madeira, podia ser “do Vaticano I”.
2)    Hoje encerra-se o Oitavário para a Unidade das Igrejas Cristãs, iniciativa centenária de um pastor protestante e depois adoptada pelo Vaticano, conducente ao respeito pelos diferentes credos e instituições inspiradas na fé do mesmo Cristo.
3)    Hoje evoca-se a conversão de Paulo de Tarso que, de feroz perseguidor dos cristãos, passou a defensor incansável de Cristo, coração  aberto para todos, gregos ou romanos, judeus ou pagãos.
4)    O Papa Francisco, na entrevista ao El País (a que fiz referência anteontem) acaba de verberar o clericalismo autoritário, desenraizado da vida, castrador da Verdade Total – a Verdade que é participada por  todos e por cada um dos humanos.
E a pergunta é:
Que sentido faz  hastear na diocese do Funchal a bandeira de uma “Constituição Dogmática” ? Ou: como pode compaginar-se o “prato nº1” com os outros três que se lhe seguem?... Dará em congestão, de certeza. Ou em reacção nuclear.
Poderia reproduzir aqui um extenso rol de citações bíblicas e doutrinais sobre a ilusão em que navegam certos “príncipes da Igreja”,  desactualizados, dogmáticos medievais, julgando-se seguros por terem uma mitra na cabeça, um báculo dourado na mão e um código canónico aos pés. Prefiro apenas procurar resposta a estoutra pergunta:  Porque é que nenhum artista sacro, desde os clássicos aos modernos, se atreveu  a representar Jesus Cristo com o mesmo toque de estilista: mitra filigranada na testa, báculo na mão e cordão  de  ouro ao peito?...
Como Saulo, outrora no caminho de Damasco, capital da Síria, desejo e empenho-me todos os dias para que caiam as escamas do obscurantismo  que ainda nos turvam a luz dos olhos. Dos meus. Dos nossos.

25.Jan.17

Martins Júnior

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