sexta-feira, 19 de agosto de 2016

ARDEM OS CAMPOS E ARDEM AS ESCOLAS


         É do senso comum que  a navegação à vista, conquanto nos aproxime dos contornos singulares da paisagem, retira-nos o diâmetro pluri-dimensional da realidade. É mais cómodo determo-nos no visual que nos prende e agarra do que subir mais alto e mais além. No entanto, “navegar é preciso” para  abarcar a totalidade do horizonte.
         Nos últimos  fragmentos de “Senso e Consenso”, tenho-me “distraído” - ou concentrado! - em pormenores de  circunstância que, embora prementes alguns deles (como os incêndios, por exemplo,)  deixam-nos contudo parados, encostados à falésia, em detrimento do  que perdura no tempo real, imperceptível por vezes, enfim, escapa-se-nos o essencial.
         Passemos ao mar largo. Desde logo, vejo campos e casas e, sobretudo, vejo escolas a arder. Não pelas mãos daninhas de loucos varridos, mas pelos “donos”  delas. Com a fusão e deslocação de alunos para o sorvedouro das cidades sobrelotadas, que mais falta dizer senão que as escolas rurais ou dos meios suburbanos estão a arder numa combustão sub-reptícia e lenta. É pública e notória a azáfama irrespirável dos “donos disto tudo” – presidentes, secretários, edis – rasgando os televisores de cada casa, na pesquisa incessante de novos motivos de acção contra o fogo e, claro, da respectiva publicitação. Com uma única excepção: o Senhor da Educação. Por que  caminhos e tabuadas anda o homem a partir a cabeça?... Pelas provas factuais, já o adivinhamos: de tocha na mão e saco avaro a tiracolo, anda a lobrigar pelo buraco da fechadura  tal ou qual escola, para  esvaziá-la, o mesmo que dizer, queimá-la! Incrível. E aos utentes, as crianças indefesas,  dá-lhes corda manhosa e atira-as lá para o sorvedoiro dos rebanhos acéfalos, cortando-lhes em tão tenra e delicada idade o cordão genético que as sustenta  à terra-mãe.
         Por isso, não aparece em público, como que em trabalho clandestino (assim agem os incendiários), não vá o povo dar por ele.  Mas há  quem esteja atento e vigilante,  porque vê aquilo que o “ministro” de cá não vê ou disfarça. Não vê que a escola ardida vai arder toda a paisagem social e humana em seu redor. Não vê a equação que faz parte dos manuais mais elementares, de muito  longe no tempo: “abre-se uma escola, fecha-se uma cadeia”. E o seu contrário: “fecha-se uma escola e já aí vem  a cadeia pelo caminho” . Entenda, senhor, ou aprenda que a escola não é um condomínio fechado sobre si mesmo. A não ser, para um mercenário indigno do  lugar que ocupa. A moderna orientação das escolas, desde as primárias às politécnicas e universitárias, tem como palavra de ordem abrir-se à sociedade. Com maior acuidade nos meios rurais e suburbanos.
         A regra e o esquadro com que os responsáveis regionais da Educação navegam à costa dentro dos gabinetes, não são mais que fogo violento que varre os campos dos seus melhores activos, da sua riqueza futura, as crianças de hoje em idade escolar. Saiam à rua. Pesem as consequências nefastas da desertificação que irresponsavelmente estão a “produzir”.  Gente  sem sensibilidade e sem alma de educadores, a quem os fantasmas do Orçamento, que os servem à mesa, lhes sugaram todo o sentido da história e da sociologia!
         Mais tarde –“Aqui d’Él Rei, o que fizemos” – prometem incentivos financeiros, benesses e negaças mil  a quem se preste a trabalhar  nos meios rurais. Hipócritas! Invistam hoje – Hoje e não Amanhã! – no Ensino, na Educação, nas Escolas, nadas e criadas no meio ecológico das populações. Traidores que vendem por “trinta dinheiros” os dedos e os anéis, a dignidade,  de quem os alimenta, no duro trabalho da terra.  No entanto, despejam centenas, milhares, senão milhões por colégios e instituições, autênticas  agências fabricantes de boletins de voto com que tão facilmente se deixam subornar.
              Quem, como eu, vive nas raias da  ruralidade e da suburbanidade, não pode resignar-se com tamanha extorsão feita a-céu-aberto e com a argumentação mais rasteira e danosa. Numa altura em que tudo se prepara para o êxodo forçado em Setembro. E porque não me conformo com esta navegação à vista, insisto junto dos responsáveis para que vejam os efeitos corrosivos das suas incendiárias (criminosas, direi) decisões, tão destrutivas a-prazo como as chamas que devastaram os bens físicos de centenas de madeirenses.
         Poupem, ao menos, as Escolas!
          
         19.Ago.16
         Martins Júnior

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