quinta-feira, 7 de julho de 2016

ESCOLAS OU DEPÓSITOS DE CRIANÇAS ?

        

          Fechou-se mais um ano lectivo. Abrem-se agora dois meses livres de horários, de monótonas campainhas. Mas dois meses, também, de preparação para novo campeonato. Portanto, é neste descontraído teleférico entre um ano e outro que nos dá para olhar e monitorizar a grande e sinuosa  paisagem da Educação.
         Permitam-me colocar na tabuleta desta minha  reflexão aquele sábio axioma de outros tempos. “Para educar uma criança é preciso uma aldeia inteira”.
         Ao falar da “aldeia inteira”, situo a Escola na sua omnímoda dimensão: o local, o ambiente social, a família, as instituições, enfim, o habitat ecológico do educando. Sem a conjugação de todos estes ingredientes, dificilmente sairá uma criança segura, auto-confiante, receptiva ao conhecimento, numa palavra, uma criança educada, na completa acepção do conceito. Porque a Escola não pode reduzir-se a uma “loja de atacado” ou a um depósito de embrulhos, hipocritamente rotulados de “as nossas crianças”.
 
         Nem de propósito, hoje na imprensa diária, o abalizado mestre da arte de ensinar (educar), o Prof. André Escórcio, em consonância com o presidente do Sindicato dos Professores da Madeira, insistia (como de resto faz nos seus escritos) na necessidade de “melhores condições de trabalho e na maior aposta no acompanhamento do aluno”, constatando que “nas turmas em que podemos fazer um trabalho concreto e individualizado temos bons resultados e reduzem-se as taxas de reprovações”.  E conclui que é urgente “questionar as razões substantivas do insucesso escolar  no enquadramento organizacional e pedagógico”.
         Agora sou eu que sublinho: “condições de trabalho … acompanhamento … trabalho concreto e individualizado … razões substantivas … enquadramento organizacional”. Aqui está a síntese de todo um tratado objectivo, porque experiencial, do sistema educativo. Entram nesta súmula as mais amplas coordenadas conducentes ao sucesso na Educação.
         Da minha parte, vou incidir a reflexão que se impõe face ao dilema com que pais e alunos se confrontam neste momento crucial de transição: a fusão de escolas. Assentados nas poltronas dos gabinetes, os especialistas em autópsias sociais cortam, recortam, entortam até às costelas o corpo e a vida de crianças e adultos. Por instinto exclusivamente economicista, dividem o organismo social, de  régua e esquadro em cima do tabuado, insensíveis àquilo que mexe e faz sofrer não apenas pais e filhos, mas toda a arquitectura da Educação. Fazem das crianças embrulhos descartáveis em cima de contentores e atiram-nas para onde virarem os ventos da incompetência governativa.
         Se um dia pais e filhos e educadores entrarem pelos gabinetes assépticos, gritando que não são os prédios que arrastam as crianças, mas são estas que determinam e dão sentido às construções escolares – dirão eles que se está diante de uma revolução de arruaceiros analfabetos. E, de ricochete, ouvirão a resposta: Analfabetos, esquartejadores sois vós, que roubais  “as turmas, as condições de trabalho, a aposta no acompanhamento escolar”, enfim, desenraizais de suas famílias e da sociedade envolvente as crianças desde a mais tenra idade!
Amputais do  “habitat” do seu crescimento natural  a infância carente da proximidade inter-geracional para encaixotá-la em monstruosos paredões, descaracterizados, despersonalizados, enchouriçados. De muros gradeados em volta, mais parecem prisões que sedes de Educação, onde fermentam como larvas os complexos da anomia na psique de quem se sente como um estranho. Na sua escola de origem, tinham pátios de recreio, campos de jogos, amplos espaços de lazer.
         Não menos censurável é a desertificação  a que ficam condenadas as zonas altas, olhando para a  sua antiga escola como quem tem sempre diante si um cemitério de crianças varridas do seu berço. Quem pode suportar tamanha cegueira, senão mesmo, tão desumana crueldade?!... As estradas que fizeram tanto trazem como levam. As grandes superfícies comerciais, os centros de saúde, os equipamentos desportivos e culturais, as delegações bancárias, as repartições públicas, os correios -  tudo está previamente delineado para a debandada das populações. Só lhes restam a igreja e a escola. Mas, agora, nem a escola!... A pouco e pouco, desenraízam quem aqui nasceu e tem amor à terra-madre dos seus antepassados. E lá vêm depois as mágoas das carpideiras dos gabinetes da capital sobre a “lamentável” desertificação dos meios rurais… Grandes trastes!
         Voltarei a este assunto até que as mãos me doam.
Mas não podia deixar passar em claro esta afronta à Escola, precisamente hoje, 7 de Julho, Dia Internacional da Educação. Um grande Salvè a todos os homens e mulheres que abraçaram a nobilíssima missão de Educar!

         07.Jul.16

         Martins Júnior  

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