quarta-feira, 29 de junho de 2016

VIVA A ROMARIA POPULAR


           É o Santo António, São Pedro e São João
           É a sua festa, é o seu belo dia
           A gente canta, canta de coração
          Viva Machico, viva a nossa romaria

Ontem e hoje “Je suis Saint Pierre”. É o que me ocorre dizer, enquanto me embalam o peito as canções com que se abriu a noite de hoje em Machico. Certamente que em todas as cidades e lugarejos o mesmo  possam dizer  todos quantos viram e, sobretudo, os que prepararam e desfilaram nos cortejos. Há-os, sumptuosos, vistosos, quase carnavalescos, com batidas musicais  de outras paragens. Há-os, também, os que primam pelo requinte, na mira de um prémio dado pelo júri da feira. Todos satisfazem, mexem, “pegam na vida”.
Mas a homenagem garrida, hoje dedicada aos homens do mar, na baía de Machico, teve outro sabor. Porque foi genuína, fresca e leve, divertida. À sua passagem não havia o habitual crítico espectador das marchas, mas em cada olhar em volta sentia-se-lhe o ritmo contagiante da soltura  alegre que irradiava dos participantes. Eram pais e filhos, eram avós e netos, eram irmãos e colegas de estrada os que circulavam nos arcos coloridos que traziam nos braços. O cortejo brilhou, não pelas lantejoulas fugazes, mas pelo sorriso, as vozes, a sintaxe directa e cúmplice entre quem ocupava as bermas ou o palco da rua: a letra, a música, a coreografia saltitante de inspiração popular!

De inspiração popular foram as partituras, com especial menção a da Banda Municipal de Machico,  do Centro Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca e das “Flores de Maio” do Porto da Cruz, diferenciando-se  esta última  por trazer música e instrumental ao vivo, sem qualquer recurso a tecnologia sonora. Lindo e enternecedor ver e ouvir vozes claras enchendo as ruas  até ao cais da cidade. A participação do Jardim de Infância, da “Universidade” Sénior e até  Casa do Povo de Santa Cruz, todas  entrelaçavam  emoções e corações. O percurso pedestre dos três Santos Populares, com o Santo António ao vivo, de Menino Jesus ao colo, o São João e o seu cordeirinho a passo certo, as barbas de um São Pedro de carne e osso, com a enorme chave do paraíso - foram outros tantos motivos de expectativa e franca confraternização, Muito acertada a opção dos promotores  por não terem atribuído qualquer discriminatória atribuição de prémios, Participar foi o prémio maior.
São Pedro é o padroeiro
É o arrais da beira-mar
Aos pescadores da nossa freguesia
Um grande viva aqui viemos dar

Uma chave de ouro com que a Junta de Freguesia de Machico  fecha o mês de Junho e abre, até domingo, as iniciativas lúdico-culturais  “Arte e Pesca” e “Do calhau se fez Arte”, integradas no Dia Oficial da Freguesia, 2 de Julho, a data da Descoberta ou Achamento da Ilha!
Pela simplicidade sem peias, as minhas congratulações.


29.Jun.16

Martins Júnior

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Desde 27 de junho 1976 a 27 de junho 2016: PARTO A-FERROS DE UMA AUTONOMIA NA IDADE DA TERNURA


Como quem conta os nós de uma soca adulta  da nossa cana de açúcar, um a um, até chegar à raiz, assim podemos percorrer os quarenta anos da autonomia madeirense, começando pelo húmus que a  fez nascer. Chamemos-lhe  “idade da ternura”, aquela que estamos hoje a comemorar, sendo certo que o organismo democrático  nunca poderá  crescer  na almofada fofa do contentamento narcisista. Pelo contrário. Porque está cercado  de  vírus pantanosos, pré-organizados nos camuflados antros de interesses corporativistas, o crescimento democrático exige sempre vigilância, frescura, água renovada, seiva corrente.
Faz hoje quarenta anos das primeiras eleições para a Assembleia Regional da Madeira e, consequentemente, do seu governo próprio. Foi uma cabazada de votos para a formação partidária que até agora nos governa. Dos 41 deputados, 29 foram para o PSD, 8 para o PS, 2 para a UDP e 2 para o CDS.
Este é  o testemunho de quem viveu dentro do furacão de onde saiu um corpo desequilibrado, atacado de  macrocefalia logo à nascença,  a que pomposamente baptizaram de Autonomia. A geração de hoje nem faz ideia do despudor e da barbárie de que foram capazes os auto-proclamados donos da “Madeira Nova”.
Dois foram os paióis onde se fabricaram as armas de arremesso fulminante: a barbárie do bombismo  flamista e o despudor de uma Igreja ajoelhada ao trono do antigo regime. Ao mais isento observador ocorrerá, de certo, esta pergunta: Como é possível uma aliança tão contraditória entre o altar e a matança de inocentes? Resposta imediata: só num regime muçulmano do jhiadismo, a “Guerra Santa” de Maomé e seus sequazes, em defesa de um sanguinário Alá!
Ainda está por descrever esse rasto de sangue, destruição e morte que o movimento clandestino “Flama” deixou no berço daquilo que chamam Autonomia. Isto, apenas, bastará de paradigma: 1) pela calada da noite, criminosos assassinos colocavam nas mãos de jovens, ainda adolescentes, os explosivos traiçoeiros que espalharam o terror, rebentaram  viaturas e construções, em nada proporcionalmente diferentes dos atentados bombistas do Daesh. Aconteceu, até, o suicídio de um rapaz, de certeza inexperiente, que viu rebentar-lhe mortalmente nas mãos a bomba destinada aos defensores da verdadeira democracia conquistada no “25 de Abril”.  2)  Um outro, a cujo julgamento assisti na comarca de Santa Cruz, viria a enforcar-se (ou ser enforcado) na prisão para que não fosse desvendada a  máquina infernal da “Flama”. 3) O bombismo terminou logo após a subida de João Jardim ao poder regional – testemunho de um operacional da “Flama”. 4) A bandeira oficial da Madeira foi decalcada, copiada daquela que a “Flama” usava, como sua,  nas inscrições murais
espalhadas por toda a ilha como pré-aviso de ataques bombistas. Acrescento que, nesse período escaldante, Machico viu-se livre desses atentados em virtude da constante vigilância popular, dia e noite.

Ao lado da “Flama” militava a Igreja, ocupada pelo bispo Francisco Santana,  promotor na Madeira do já derrubado regime fascista. “Eu trato  por tu os ministros do “Estado Novo” salazarista – confidenciou-me pessoalmente, ainda antes de ser bispo. 1) Chegado ao Funchal, demite da direcção do “Jornal da Madeira” o ilustre Pe Dr. Abel Augusto da Silva e entrega-o a um rapaz factualmente conotado  com o regime salazarista, a União Nacional, dirigida na Madeira pelo tio deste, Dr. Agostinho Cardoso. O dito rapaz usou o Jornal da diocese como trampolim  para chegar a presidente do governo regional, cargo que ocupou durante mais de 38 anos.  2)  Em vésperas de eleições de 76, o bispo desmultiplicou-se, sem tréguas, numa campanha religiosa manifestamente tendenciosa: publicou uma Nota Pastoral, lida em todas as igrejas,  alertando os cristãos contra o socialismo, que manhosamente qualificava  de “marxista”; promoveu o grande espectáculo da missa do “Corpo de Deus” no estádio dos Barreiros e, no domingo anterior às eleições, faz uma extensa homilia de teor marcadamente separatista, misturando a “barca de Pedro” e Portugal a afundar-se, não hesitando ele, lisboeta, a  regionalizar-se madeirense: ”Queridos ouvintes, que me escutais em Portugal e no estrangeiro, podeis ver como nós, Madeirenses,  sabemos conviver, sempre que nos deixam ser genuinamente Madeirenses”. (O negrito dos caracteres é  tal e qual o mesmo do Jornal da Madeira).   3) A anteceder as eleições de 76, o citado bispo levou o jovem, novo director do Jornal, a todas as paróquias, apresentando-o como o melhor para governar a Madeira. O Padre Tavares Figueira, conhecedor profundo deste período, retratou a situação, com humor mas com inteiro rigor científico, numa entrevista de circulação nacional: “O PPD nasceu numa sacristia e o  pai foi o bispo Francisco Santana”.
Muito mais poderia acrescentar sobre uma matéria que os jornalistas locais esconderam  e continuam a esconder em sub-reptícias reportagens que não passam de “larachas da Autonomia”.
Sirvam estas palavras,, que comprovo sem qualquer receio, para interpretar a entrada da chamada Autonomia na “idade da ternura”, desde o 27 de Junho de 1976 até  27 de Junho de 2016. Saibam os homens e mulheres de hoje com que mãos se fez o parto desta Autonomia: o altar transformado em quartel de guerra e, escondida sob as toalhas,  a pólvora clandestina que iludiu e matou.
Terei oportunidade, a seu tempo, de trazer a público o que ainda não foi descoberto.
Duas notas finais:
Foi eleito nas listas do Partido Socialista aquele que, pouco depois, guinou para o PSD como presidente da Assembleia Regional, Dr. Miguel Mendonça.
Recordo Paulo Martins,  hoje,  dia do seu aniversário natalício, eleito como eu nas listas da UDP e em cuja companhia escrevemos páginas concretas em prol da verdadeira autonomia dos madeirenses.
     
         27,Jun.16

         Martins Júnior

sábado, 25 de junho de 2016

“PORQUE HOJE É SÁBADO, AMANHÃ DOMINGO”




      Hoje é dia de ser diferente.
     De ser diferente este SENSO&CONSENSO.
   Apetece-me deitar a correr o rio largo que inunda os muitos dias de cada noite e as muitas noites de cada dia. Precisando melhor, é hoje que me dá para soltar o “Dia da Criação” de Vinicius de Morais.
   PORQUE HOJE É SÁBADO, AMANHÃ  DOMINGO!…
  Quem, de entre nós, não teve alguma vez o desejo de fruir até à seiva,  ser livre, abrir o paraquedas e voar sem amarras pela nuvem que nos leva ao ritmo do seu olhar despido?!
  Hoje prescindo do habitual jeito   de pôr a mesa, abrir a ementa, servir a fruta. Hoje entendo quão diversos e plenos são os manjares da escrita, do sonho, da sucção inata de cada indivíduo que viaja dentro de si e em redor do seu mundo. E neste caso o melhor que há a fazer é deixar cada cérebro planar a seu bel-prazer sobre aquilo que mais o deleita.
  Prefiro, pois, desprender a atenção, seja de quem for,  desta ou daquela abordagem em particular. Convido apenas a sentarmo-nos no chão da casa diante de vários ecrãs simultâneos, deixando ao critério de cada um a opção que mais lhe convier. É que, de tantos e ponderosos “casos”  ocorridos à nossa beira, resulta o desejo de pegar em todos eles, com a lucidez e a profundidade que merecem.
     Por exemplo, hoje Sábado, amanhã Domingo:   
        a) Um simples quadradinho, metido numa urna longínqua, abalou toda a Europa, a Bolsa, os vários continentes, porque, pelo Brexit, o Reino Unido voltou a ser uma ilha.
           b)   Dobrado abalo agita toda a Espanha, com o decisivo acto eleitoral de amanhã, 26-Junho, de repercussões imprevisíveis para a governabilidade do país vizinho.
           c)  A bandeira portuguesa salva-se, in extremis, na praia daquele mar meio-morto que foi a refrega contra os croatas, em  Lens.
         d) O rescaldo do “São João”  alaga de sardinha e sangria as ruas,  becos e esplanadas, desde as grandes cidades até às bucólicas aldeias.  
         e) A estrela polar de um novo mundo e de outra era civilizacional está hoje na Arménia “ortodoxa”, para mais uma vez denunciar o genocídio humano perpetrado pelos soldados do Império Otomano há cem anos. Francisco, bispo de Roma (como ele próprio se autodefine) mais uma vez mergulha as mãos  na trágica necrópole de vítimas inocentes que os poderosos teimam ocultar.    
     Sê livre neste fim de semana.
    Das tuas pupilas gustativas sairá o apetite singular que alimentará todo o teu ser e fá-lo-á caminhar com segurança na construção da tua personalidade. Aqui também se adapta a velha máxima:  Diz-me o que comes e dir-te-ei quem és!
    Bom apetite.
   Porque hoje é Sábado, amanhã Domingo!

25.Jun.16

Martins Júnior

quinta-feira, 23 de junho de 2016

UM GESTO MAIOR QUE A URNA DE VOTO


Está ao rubro toda esta Europa, desde o  sul que habitamos, com as eleições quentes de “nuestros hermanos”, domingo próximo, passando depois pela França, feita o enorme caldeirão do campeonato europeu, até ao norte, o Reino Unido,  onde o embate Brexit- Remain  põe em ebulição a fleugmática tradição do povo britânico.
Após a sucinta análise do meu último escrito, hoje vou colocar no pódio civilizacional  da coragem e da coerência um gesto que ontem inundou todo o velho continente, como um estranho rio que sobe da foz para a nascente. Veio de Roma e desaguou nas margens do Tamisa!
Sei que quando for lida esta página já estarão cá fora os foguetes de um ou outro arsenal, o Brexit ou o Remain. E por não saber ainda os resultados desse referendo, ainda mais força ganha o gesto que a gravura regista. É que de todos os quadrantes politico-económico-ideológicos têm surgido conceitos e juízos sobre a saída ou a permanência do Reino Unido na grande família europeia. Na balança dos argumentos acumulam-se muitas variáveis. Cada instituição releva-os ou renego-os, consoante os interesses corporativos das respectivas instituições. Entre a vaga do argumentário há um pico forte que espalha o medo e acicata as reacções do mais cego populismo – a imigração, os “perigosos” imigrantes. É patente o vendaval de xenófobas imprecações  com que os agitadores içam a bandeira do Brexit para cortar com a Europa Unida.
No meio desta “babilónia das gentes”, faltou uma voz – a das instituições religiosas. Todos sabemos que estas ficam à beira da picada, mudas, calculistas, sem se comprometer com ninguém, alegando que os pregadores da religião não se devem meter na esfera da “política”, mas após a refrega correm depressa a dormir na alcova do partido que ganha. Como os puritanos fariseus, voltam a lavar as mãos na bacia de Pilatos, cientes que assim comem do seu e do alheio. Nem me demoro em demonstrações, de tão evidentes e despudoradas elas são, mesmo à nossa porta.
Mas houve alguém que disse não. Proclamou-o ao mundo, não com discursos fúteis, mas com um gesto oportuno e histórico, na sequência  de anteriores atitudes e decisões já assumidas no terreno. Querem ostracizar os imigrantes, a pretexto de egoística soberania? Então aí vai, de novo, brandindo em campo aberto  seu flamejante exemplo, Francisco Papa, em Roma, precisamente na véspera do referendo-ultimato inglês: “Um cristão não pode nem deve fechar a porta aos irmãos refugiados”. O jovem quase-octogenário caminha com eles na Praça de São Pedro, fá-los sentar-se ao seu lado nos degraus do altar e dali lança para todo o mundo o “foguetão” libertador do seu aviso – o seu veredicto  -  esperando que, ao sobrevoar os céus de Londres,  saiba o seu povo acolher e abraçar quem lhes pede socorro e assim faça jus ao título milenar que ostenta  desde a sua fundação: Reino Unido!
Poderia o bispo de Roma acomodar-se, aconchegar a sotaina aos joelhos e balbuciar com santa unção: “Não me meto nisso, até porque amanhã há o Brexit”. Mas não! Com a penetrante visão da águia vigilante, levanta voo e brada: “Agora é que é a Hora”!
Seja qual for o resultado, aí fica o gesto memorável, espelho e estímulo para todos os que recusam a comida dos corvos e abutres! Todos os que sobem a montanha  da coragem e alcançam o cimo da coerência.

 23-Jun.16
Martins Júnior

terça-feira, 21 de junho de 2016

“DENTRO OU FORA DE JOGO” : eis o grande desafio na Europa de hoje.


Não passa de mera curiosidade prática o saber se, por essa Europa fora, o futebol invade assim as estações  de TV, chegando ao ponto de ver-se este pequeno rectângulo que é Portugal reduzido às quatro linhas do rectângulo-estádio com onze homens, de verde e vermelho,  a marcar a manhã, a tarde e a noite de um país. Quando às portas da Europa se acercam nuvens sombrias que nos atingem logo de entrada, é de uma tremenda insensibilidade ter de “aturar” nada menos que quatro ou cinco “mesas residentes”, a botar enfadonhas faladuras sobre  o mesmo vaivém de um couro redondo, o único que pode orgulhar-se de dizer: “quanto mais me bates, mais gosto de ti”. Comentadores de todos os uniformes – treinadores e ex-jogadores, advogados e escribas,  políticos e pavões, diariamente são entre 20 e 25 - todos se esticam, mais o pescoço que as mãos, a lobrigar o milímetro do paralelo imaginário do “fora-de-jogo” ou o porquê de o ferro da baliza não se ter alargado mais uns centímetros. É caso para perguntar:  Será daí, do relvado e das chuteiras, que virá a solução para Portugal, para a Europa?  É aí que se esgota a bandeira do nosso patriotismo de 24 sobre 24 horas?
A Europa está  em pleno bloco operatório, à espera de ver-se amputada de um dos seus braços mais saudáveis e seguros. É o nevrálgico Brexit que conhecerá, depois de amanhã o desfecho histórico: “In or Out” – eis a questão, diria hoje Shakespeare. Na mesma “marquesa” da cirur4gia  está também Portugal, queira ou não queira.
Não vou desdobrar diagnósticos possíveis para este confronto.   Sabe-se que no lado do Out, puxando para a rua, estão os que resistem ao comando de tecnocratas não eleitos,  sediados em Bruxelas. Estão também os artífices da economia de base, entre os quais os pescadores, que não se conformam com as quotas impostas pela EU. Do lado do In estão os experts da macroeconomia, o FMI, o BCE, a Banca e seus satélites, o mercado, a moeda, a abolição de fronteiras, a paz entre as nações. Ambos têm razão. Repetindo Gilbert Cesbron, “É o drama deste mundo: todos têm razão”.  O patriotismo exacerbado, que não olha a meios, vai mais longe e  lança mão da arma branca que tem à mão, o populismo. E aponta a mola contra os imigrantes e o terrorismo, em síntese, a campanha do medo.
Trata-se, segundo António Navalon, de um autêntico “Tsunami Político”. Acusa Cameron de um mal-calculado “esticar da corda”, perigoso porque inoportuno,  por parte de David Cameron, como seja o de transformar conflitos regionais em “guerras campais” europeias e transatlânticas. Pensemos, entre outros,  no diferendo entre os dois presidentes de Londres, o ex, Boris Johnson, pelo Out,  e o seu rival recém-chegado ao cadeirão municipal,   o muçulmano Sadiq Khan, pelo In. Até há uma semana, o Out levantava bandeira nas sondagens, somando todas as vantagens, múltiplas, como sublinhava um analista: “O Reino Unido tem o melhor de dois mundos: integrou-se no Mercado Comum e livrou-se do pior, o euro”.
Mas um acto macabro alterou o desequilíbrio do voto de mais de 60 milhões de britânicos: o assassinato da deputada Jo Cox, defensora dos imigrantes,  por um demente fanático  do Out.  Relâmpago a toldar cérebros e dogmas:  a avassaladora força de factos marginais!  Até o já citado  Boris Johnson mudou de argumentação e passou a afirmar: “Agora eu próprio sou pela imigração, sou pelos imigrantes. Mas, mesmo assim,  apelo ao Brexit, pela saída do Reino Unido”.
Longas seriam as análises que podemos consultar na vasta e contraditória literatura sobre o assunto. Como vasta e contraditória é esta Europa em que cujo bojo – há quem lhe chame Titanic – entrámos. Mas a mais sensata declaração que li sobre tão dramática circunstância foi a do presidente do Parlamento Europeu, Martin Shulz: “Chegou a hora de repensar a Europa. Definitivamente”!
Sejam quais sejam as teses e as engenhosas elucubrações que se possam tecer, há um vírus intrínseco ao mafioso cérebro de Bruxelas e seus pares:  o capitalismo financeiro. E a capacidade mimética deste monstruoso polvo  vai ao requinte de apresentar-se como benemérito dos países pobres. Ajuda-os, cativa-os, deita-lhes a mão, com aparentes facilidades e empréstimos. Mas com uma condição: “Que nunca deixem de precisar de nós, magnatas da finança”… “Nunca permitiremos a tua emancipação, muito menos os instrumentos para viveres por ti próprio. Será sempre o pobre e o pedinte, a nossos pés” -  é o que dizem e fazem a Portugal, à Grécia, à Itália, à Espanha. Recorrendo a todos os truques e sofisticados estratagemas, como os  ratings e os aleatórios juros da dívida.
É para esta capciosa, satânica engenharia , que devem olhar os países que integram a CE, muito especialmente, o Sul europeu. Por isso, a palavra de ordem não será sair,  mas ficar para podermos alterar as regras deste jogo sujo, desta “economia que mata”.  Submeter-se como escravo mudo é o mesmo que viver numa morgue rotulada de hotel. Bem fazem os governos que batem o pé. Somos pobres, mas com o direito de sermos autónomos e tratados com dignidade!
Mesmo desconhecendo o resultado de depois de amanhã, valeu a pena esta sacudidela gigante do Reino Unido que pôs o mundo em sobressalto. Efeito colateral foi  a decisão histórica que passou a dar ao  Banco Central Europeu o poder e obrigação de comprar dívidas soberanas que asfixiam a economia dos países devedores.
Tenho para mim que nada será igual na Europa do pós-referendo britânico de 23 de Junho.   

21.Jun.16

Martins Júnior

domingo, 19 de junho de 2016

ENTRE DOIS SÓIS, VEJO PASSAR GANDHI, FRANCISCO E OS ABUTRES


Quanto me consolaria hoje abrir as persianas da vida e deixar entrar o sol aos borbotões nesta sala oval que é o nosso  planeta, através do SENSO&CONSENSO deste dia ímpar! E acabo de constatar que o 19 de Junho traz-me, no antes e depois, tudo quanto preciso para cantar o Sol. Antes - o 18 de Junho - marca um ano da publicação da Magna Carta do Papa Francisco sobre a questão ambiental, a encíclica Laudato Si, “Sejas Louvado”, Senhor!  Amanhã - 20 de Junho - chega-nos o solstício do Verão - e faz a  entrada triunfal, em toda a sua força e esplendor.
É ao primeiro aniversário dessa luz projectada do coração e da mão do Argentino que vou dedicar o encontro de hoje. Que olhar potente e iluminante o do nosso líder sócio-religioso! Com a preciosa colaboração dos cientistas,  ele desceu ás profundezas dos oceanos, calcorreou os caminhos sinuosos da terra que habitamos, subiu até às galáxias do pensamento humano e trouxe-nos o lume dos deuses, a interpretação do universo, enfim, a chave do futuro – esse futuro que inevitavelmente temos de passar para as mãos das gerações vindouras.
Remeto os meus amigos para a leitura desse texto histórico, para o toque a rebate que ele significa e para as exigências do Homem perante o solo, o subsolo, a indústria transformadora, a higiene alimentar, o ar que respiramos. À mensagem de Laudato Si junto os oásis de frescura que as incontáveis atitudes do Pontífice nos têm aberto e, em consequência, os vulcões libertadores que as suas palavras  têm projectado para expelir as excrescências com que os humanos inquilinos têm poluído a terra e cerceado vidas. Recorto algumas das últimas dessas lavas positivamente incendiárias, porque purificadoras, sobretudo quando Francisco se refere ao estilo parabólico da criação de Adão e Eva. Na mesma linha estão as declarações sobre esse mito aterrador (que povoou a nossa infância religiosa e continua a atordoar os espíritos incautos de hoje) conhecido por fogo eterno do inferno. Que dignidade, que honestidade intelectual e  que coragem, plenamente demonstrativas de alguém que veio, como Novo Messias, neutralizar o stress endémico que a Igreja  criminosamente injectou nos ossos e nas consciências dos cristãos.
Tão cedo, o mundo conhecerá outro igual!
E, como em tudo, onde há luz também há sombras, dou comigo a bater com a cabeça na parede a perguntar: Mas, afinal, onde estão os seus seguidores, aqueles que têm por dever de ofício caminhar nas pegadas do seu “protótipo e líder”?... Onde se acoitam os mais próximos?... É desolador e revoltante constatar que a grande maioria das estirpes eclesiásticas anda anestesiada, propositadamente a assobiar para o lado oposto e até militantemente hostil à campanha  heróica deste Papa. O jornal “El Mundo” traz hoje uma reportagem sobre (cito este, entre muitos) o “atrasadíssimo cardeal de Valência, Espanha, António Cañizares, a quem chama  um ‘Cardeal de Pedra’, tal a hostilidade e a insensibilidade  para os problemas do mundo de hoje”.
Falo de Cañizares, como poderia falar de outros chamados dignitários eclesiásticos à nossa porta, desses que o grande teólogo Bernard Haring coerentemente invectivava, classificando-os de “bispos e padres-polícias, moralistas e moralizantes, fiscais, curandeiros, os ritualistas, de “observância escrupulosa, até aos pontos e vírgulas, que causam a morte da alegria”.  Mais acutilante foi o Papa Francisco quando chamou aos cardeais, “os corvos do Vaticano”.
Ao contemplar esta surda conspiração contra este Homem, único, em vinte e um séculos da Igreja, retenho as palavras de Gandhi: “Adoro Cristo, mas odeio os cristãos”. Poderia acrescentar: Curvo-me, “adoro” este Papa, mas detesto cardeais, bispos e padres que estão a dificultar-lhe e a minar  este caminho de luz e libertação que ele traz ao mundo. Porque continuam a cegar-nos  os olhos, a fomentar a compra de Deus com velas, missas pelas almas do Purgatório, bentinhos e quejandos, como se a Divindade fosse vendável e estivesse à espera de execráveis subornos.
Só os cristãos de base poderão abrir clareiras na escuridão para fazer passar o Libertador. Como? Intervindo activamente nas suas comunidades e dioceses  ou, em contrapartida,  deixando desertos os templos, como já está  acontecendo. A responsabilidade é nossa!
Entre a  Laudate Si e o solstício de verão, deixo  esta homenagem e ajudo a passar por aqui, brilhante e criador, o Sol de Francisco Papa!

19.Jun.16
Martins Júnior
   


sexta-feira, 17 de junho de 2016

O “MILAGRE” QUE PASSOU DUAS VEZES PELA MADEIRA – E PROMETE PASSAR DE NOVO

       Afeiçoei-me, nos meados de Junho, ao brilho deste vocábulo, tão estranho e tão quotidiano ao convívio dos mortais – o “milagre”. Hoje tentarei alcançar o terceiro degrau desta escada que iniciei desde a semana passada.
Seduzidos pelo título, alguns crentes pensarão logo no andor da Senhora de Fátima que cá esteve em 2010 e reapareceu em 2015. Ou que voltará no centenário da aparição de 1917. Mas não. Basta um pouco de discernimento prático para não deixarmos eclipsar  a “cabecinha pensadora” que temos em cima dos ombros. Com efeito, se interpretarmos o conceito de “milagre” como um bem apetecido, uma dádiva consoladora, o andor da Peregrina em 2010 só nos trouxe, por trágica coincidência,  destruições e mortes barbaramente  arrastadas no 20 de Fevereiro e cujas feridas ainda continuam abertas na paisagem e nas pessoas.
É, pois, a um outro fenómeno que me refiro. Este, tão insignificante, tão silencioso na passagem, tão “deprimente”  no aspecto que quase nem demos por ele. Passou por cá, pisou o chão da ilha, desceu ruelas do passado. Paralítico, enfezado, disforme do comum dos humanos, a cabeça insegura, caída sobre o ombro direito, à procura de apoio. Um comovente exemplar dessa doença degenerativa incurável que dá pelo nome de “esclerose lateral amiotrófica”.
E, no entanto, ele é um portentoso “milagre” do voluntarismo, aliado dos heróis. Melhor desvendar já o enigma, o “milagre”. Trata-se de Stephen Hawking, o génio da matemática, da física, da mecânica quântica, da termodinâmica, fundador do Centro de Cosmologia Teórica da Universidade de Cambridge, onde ocupou a cátedra de Isaac Newton ( a quem o nosso Álvares de Nóbrega cognominou de “Ave Real”) famoso astrónomo do século XVII. Impossível descrever a “Enciclopédia do Saber” que é Stephen Hawking, desde as incursões cosmológicas, aos prémios internacionais, até à participação na cinematografia, destacando-se a monumental obra God Created the Integers, a confirmação dos buracos negros interplanetários e da teoria do BigBang, que revolucionou as teorias creacionistas do Universo, na esteira de Albert Einstein e das ondas gravitacionais que cada vez mais ganham actualidade.
Fico-me por aqui no breve desenho da sua genial personalidade. Ele passou por cá. Em Santana. No Funchal fez a descida nos carreiros do Monte. Ele “viu-nos” e nós nem demos por ele. Foi a segunda vez. Aconteceu em 9 de Junho pp., em notícia de DN. E prometeu visitar a ilha por uma terceira vez. Fosse um jogador de bola ou um cantor pimba e teria toda a comunicação social a seus pés…
Entretanto, perguntareis vós: “Mas onde é que está o “milagre”?
O “milagre” já comecei a descrevê-lo nos primeiros parágrafos. E completo agora: “Aos 21 anos foi-lhe diagnosticada a doença cruel, fez uma traqueostomia e desde então usa um sintetizador de voz para comunicar. Foi perdendo o movimento de braços e pernas, assim como o resto da musculatura, incluindo a força para manter a cabeça erguida” ... Porém, um privilégio ímpar coroou tamanha fatalidade: não foram atingidas as funções cerebrais. E foi daqui, desse minúsculo globo, o cérebro,  tão misterioso quanto todo o Universo, que Stephen Hawking iniciou a gigantesca escalada dos Himalaias do Saber, alcançando cumes que outros, organicamente perfeitos, nunca conseguiram. A incomensurável potência da Vontade, impressa no cérebro humano! Que “milagre” maior queremos nós?... Muitos milhares, milhões, biliões ter-se-iam deixado ficar inertes, entravados, desesperadamente amortalhados numa enxerga ao abandono. Ele, não! Soergueu-se das próprias cinzas. Ele é um laboratório vivo da ciência em benefício de futuros pacientes. Ele empunhou, destemido, o “milagre” nos ombros quebradiços!
Falta um pouco mais. Stephen Hawking professa um ateísmo científico, fundamentado nas suas descobertas. E afirma: “O universo é governado pelas leis da ciência. As leis podem ter sido criadas por um Criador, mas um Criador não intervém para quebrar essas leis… Há uma diferença fundamental entre a religião, que se baseia na autoridade, e a ciência, que se baseia na observação e na razão. A ciência vai ganhar porque ela funciona”. Palavras pesadas para as nossas convicções e a ponderar seriamente...  Apesar disso, porém , (surpresa das surpresas!) em 9 de Janeiro de 1986, o Papa João Paulo II nomeou Stephen Hawking para  Membro da Academia Pontifícia das Ciências.
Eis o “Milagre” que o Criador colocou na mão do Homem!
Nós somos também esse “milagre” em gestação. Cada um de nós.  Basta querer e agir. Apetecer-me-ia terminar com o poema que fez parte do nosso (do meu)  ideário desde os tempos da juventude, o “If”  - “Se” - escrito em 1895  por Rudyard Kipling, Nobel da Literatura, de que recorto o seguinte excerto:
…………………..
“Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço, há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a Vontade a comandar “avante”…
……..Alegra-te, meu filho, Então serás um Homem”!
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17.Jun.16
Martins Júnior!

  

quarta-feira, 15 de junho de 2016

O REVERSO DO “MILAGRE”


Antes que me embrenhe em temas e problemas que todos os dias nos caem diante dos olhos – e há-os tantos nestas últimas horas – vou cumprir o acordado desde o dia 9 .p., ou seja, mostrar o reverso da medalha no tocante àquilo a que costumamos designar por “milagre”. Nesse texto, procurei  analisar as inexploradas potencialidades do Homem, detectando nalguns casos fenómenos abissais, merecedores daquela designação. No cérebro e na mão dos humanos mortais está o segredo de “ver o invisível” e, com o próprio esforço, transformar em realidades concretas o que julgávamos antes sonhos impossíveis, milagrosos.
Mas há o tal reverso da medalha. A par das estrondosas  evidências que a ciência nos tem revelado, subsiste em certas mentalidades e com a mesma dimensão a apetência doentia pelo sensacional, quase até ao absurdo, enfim, a obsessão pelo “milagre”. Fabrica-se-o, por tudo e por nada, incentiva-se-o, sobretudo em épocas de crise ou em situações amotinadas de conflitos de interesses, alguns deles tão ridículos quanto inimagináveis.
Longe de mim usar esta página para ampliar as risadas que certas atitudes provocam ao público minimamente esclarecido. Pelo contrário, como já o declarei noutras ocasiões, respeito as fés de cada qual, seja o europeu, o asiático, o hindu, o muçulmano ou o empoladamente  agnóstico. Mas tal reverência gratuita não me impede de verificar e frontalmente exprimir que, na maior parte dos sedentos de milagres, o que neles está em causa é uma demissão da fé na força energética do Universo, obra do Criador. E, daí, a devota submissão ao culto do menor esforço.
E porque não pretendo convencer ninguém, apenas mostrar a realidade, citarei dois casos - frescos da hora – ridiculamente demonstrativos da irracionalidade deste “reverso da medalha” e da ofensa feita a pessoas e coisas que se requerem sagradas.
Da imprensa espanhola de hoje, recortei a gravura supra-transcrita. Imaginem a legenda. Pois eu digo-vos. “Um jovem votante na sala da sua casa em Almonte onde montou um altar à Virgem”.  No corpo do texto, o repórter descreve a fé ardente daquele eleitor em Nossa Senhora para dar vitória ao seu partido. Deprimente, ridículo, direis. Mas existe. E com honras de 1ª página num periódico diário de grande tiragem nacional. Escuso-me de acrescentar comentários que quem me lê, certamente,  já os fez contra tamanha blasfémia de palmatória! Será que entre nós haverá cenas tão desajeitadas quanto insultuosas à Fé?
Então agarrem-se à cadeira que lá vai esta, transcrita da 1ª página, com direito a foto (que tenho vergonha de reproduzir) num dos diários portugueses. ”Vim pagar uma promessa”. Uma senhora, com dois netinhos a seu lado, ostentava  um vistoso “círio de altura”. E  acrescentava a notícia: “Vim rezar pela nossa selecção”. O título não escondia nada e identificava: “Dona Dolores em Fátima”.
Para cúmulo, dois dias depois, nem o melhor do mundo marcou nem  a selecção ganhou aos caloiros da Islândia. Também sem comentários. Alguém ao meu lado sorria: “O melhor será a portuguesa Nossa Senhora de Fátima jogar contra a francesa Nossa Senhora de Lourdes”…
A tanto chega a deturpação da Fé, o esfarrapar do “milagre”!
         Para provar que, neste capítulo das crenças, há quem não tenha a coragem de dar um passo em frente, adiciono a surpresa que tomou conta de mim, na Senhora da Aparecida, Brasil, em 1972, quando no salão expositor de “promessas” vi uma enorme cruz de madeira, 5 metros de comprido,  e um cartão junto: “Eu,…. carreguei aos ombros esta cruz desde…, porque  a  prometi à Aparecida do Norte se o Brasil ganhasse  a copa do mundo”.  Nem queria acreditar no que via. E há séculos que andamos nisto…
Ridendo castigo mores – vem de longe o sábio aforismo. Oxalá que o evidente sarcasmo de certas atitudes, em Portugal, em Espanha, no Brasil, por esse mundo fora, nos areje o cérebro e o faça caminhar à conquista da Verdade Plena!

15.Jun.16
Martins Júnior

  

segunda-feira, 13 de junho de 2016

OS DOIS “FERNANDOS” DO 13 DE JUNHO: QUAL DELES O MAIOR?!

 

Em 13 de Junho, olhar a cidade entre a colina do Castelo e a de Santa Catarina, ao Camões, alguém nos prende desde o miradouro da História e interpela-nos de viva voz: “Estamos Aqui”!
“Estamos”. Os dois Fernandos: um, nascido em 1188 (1191/1195?)  outro, em 1888. Este, Fernando Pessoa. Aquele, Fernando de Bulhões, por parte da mãe, (descendente de Godofredo de Bulhões) ou Fernando Martins, por parte do pai Martim.
Fico de pés cravados ao vão dessa ponte, maior que a de Vasco da Gama, a ponte de sete séculos que os separa e nos une no deslumbramento de quem pisa o solo que eles pisaram e onde deixaram pegadas de oiro e luz até hoje e até sempre.
13 de Junho! Morre Fernando, o Primeiro, que tomou o nome de António de Lisboa ou de Pádua. E nasce Fernando, o Segundo, “o enigma em pessoa”, na designação que lhe atribuiu o poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa.
Quem não ficaria emocionado, em mística levitação, ao passar, como hoje estou passando,  junto à Sé de Lisboa, na capela que lhe deu o título, lugar onde nasceu Santo António e, mais adiante, no Largo do Chiado, em cuja Igreja dos Mártires Joaquim de Seabra  Pessoa e D. Maria Magdalena Pinheiro baptizaram aquele que viria a ser “o mais universal dos poetas portugueses” e lhe puseram o nome original do santo taumaturgo – Fernando.     
Dois génios do pensamento, da palavra, das profundezas da condição humana! Mais que todos os monumentos, mausoléus, esculturas e altares, eles irrompem das pesadas lousas marmóreas e erguem-se, majestosos arcanjos tutelares da Pátria, abraçando no Atlântico todos os mares e continentes. Só em pensar que foram eles -  e continuam a ser – os inquebráveis satélites que hasteiam pelo mundo fora a bandeira de Portugal e vencem nebulosas seculares, só em pensar nisso, deixa-nos extasiados de prazer e poesia.
Qual deles o maior?- interrogo. E… qual deles o maior! – exclamo.
Hei-de dedicar algum dia o melhor esforço para descobrir em cada um deles traços de identidade mútua, porque neles se personifica o velho aforismo: muito mais é o que os une que aquilo que os separa.
Tal como o próprio Mensageiro Fernando cantou de D. Filipa de Lencastre – “que enigma havia no teu seio que só génios concebia”? – assim também, de Lisboa perguntarei: Que segredo houve no teu terro, que princípio activo, denominador comum, te fez produzir duas almas gémeas e gigantes, unidas pelo cordão umbilical de sete séculos de História?! 
Por hoje, além da coincidência de dois espíritos irrequietos, viajantes de continentes, apenas sintetizarei o percurso intelectual de Fernando de Bulhões e de Fernando Pessoa. Na obra do primeiro, António de Lisboa, cultor e investigador da natureza, desde os animais terrestres aos marinhos, vejo-o reproduzido no “Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro. Pelo conhecimento da antiguidade clássica, greco-romana, os seus filósofos e estetas, aproximo-o das Odes de Ricardo Reis. E pela visão emancipadora da nova sociedade medieval, em que António de Pádua combateu a prepotência especuladora dos mais ricos, saindo vigorosamente em defesa do campesinato, os proletários de então, descubro aí o mesmo verve  interventivo de Álvaro de Campos.
Irmanados pelo “13 de Junho” e aproximados na tumba (nenhum alcançou o meio-século de idade) a ambos agradeço esta celebração interior, em contraponto ao bulício superficial das Festas Populares, “com que o vulgo néscia se engana” ou, ao menos, deles se esquece.
O funeral do amigo Paquete de Oliveira protagonizou-me este reencontro com o outrora e o amanhã, pelas mãos dos dois Fernandos imortais.

 Lisboa, 13.Jun.16
  Martins Júnior  

sábado, 11 de junho de 2016

A VIAGEM SEM TERMO DE PAQUETE DE OLIVEIRA


Hoje,  não me sento agora à noite, como esperava,  na amurada do Senso&Consenso.
Vejo passar a Nau  e sigo viagem com o José Manuel à proa.
Gente  como ele nunca deita âncora, anda sempre em viagem.
Quantos portos, enseadas e nortadas, ventos cruzados,  depressões e naufrágios  à profundidade  dos fundos marinhos. Mas, à superfície,  apenas o rasto azul do leme seguro em águas mansas.  
Atravessava  cabos de Tormentas como quem  olha  promontórios de Esperança!
Melhor que na cédula do registo lhe quadra agora a marca de origem: Paquete em ferro forjado transportando vitoriosas  Oliveiras da Vida e da Paz.
Se o telefone tocar, outra vez, em 20 de Outubro, sou eu que navego à popa e canto parabéns às oitenta voltas. que a Nau deu ao mundo.
A Nau que, para nós, anda sempre em viagem…

11.Jun.16

Martins Júnior, mareante.  

quinta-feira, 9 de junho de 2016

“VEJAM AGORA OS SÁBIOS NA ESCRITURA, QUE SEGREDOS SÃO ESTES DE NATURA” – Breve passagem pela estação dos “milagres”

                          

Não sei que motivação maior levou a que mais de dois mil  leitores seguissem, ontem e hoje, o meu último SENSO&CONSENSO. Imagino que pelo tema nuclear – o “Mercado Quinhentista” – e, secundariamente, pelo subtítulo “Milagre” da Escola pública.
Diga-se, desde logo, que a fenomenologia do “milagre” está na moda, sobretudo a nível religioso, com a proximidade do centenário de Fátima, procissões e velórios nocturnos por cidades e aldeias. E também a nível psicológico, em que as actuais circunstância económicas, sociais, fragilizantes ( como classificou o autor da “Sociedade neurótica do nosso Tempo”) deixam parte do nosso colectivo mergulhado na impotência, quando não na depressão. É aí que suspiramos pelo “milagre”.
Pois é sobre o “Milagre” que hoje me debruço. Não o fenómeno aleatório, mítico, obsessivo que por aí se vende nas feiras da superstição. Falo do outro, o milagre da ciência, da investigação, da ousadia sublimada à conquista do lume dos deuses, como o Prometeu Agrilhoado de Ésquilo na mitologia grega ou da árvore da sabedoria do Paraíso Terreal. É desse milagre, dessas conquistas avassaladoras que o intelecto humano descobriu e continua, inebriado,  na espiral infinita do conhecimento.
Entro já e convido-vos a franquear os umbrais desse reino, desse Admirável Mundo Novo.
O primeiro, mais quente, tão quente que nos arde a mente e o coração: “Em Portugal, nasce uma criança perfeita, de dois quilos e trezentos e cinquenta gramas… nasce do ventre da sua mãe, morta há mais de três meses” .
Quem não estremece  de espanto?... Quem não grita de assombro e júbilo diante da Morte que desabrochou na Vida?... Quem não  procura o santo ou a santa milagreira para deitar no seu altar a promessa, a vela, a oferta?... Não está longe a ara do Grande Taumaturgo, está pertinho de nós: é  a cama de um hospital, apaixonadamente abraçada por uma equipa de médicos em redor de uma mulher em morte cerebral declarada! E agora digam que o Homem não tem o poder de ressuscitar, neste caso, de transformar em vida o pálido fruto da morte. Ou então, chamo aqui a voz de há quinhentos anos, Luiz Vaz de Camões: “Vejam agora  os sábios na Escritura, que segredos são estes da Natura?” (Canto V, 22)  E a equipa médica já esclareceu: “Não foi um milagre, mas um avanço da ciência e da capacidade de multidisciplinaridade e eficácia de uma equipa. Não são só os médicos, mas os enfermeiros, os nutricionistas, os farmacêuticos e todos os profissionais que contribuíram para este êxito”,
Estamos rodeados de milagres vivos à nossa beira. O que falta é quem abra os olhos e a mente para achá-los, identificá-los e pô-los ao serviço do Homem. Podia enumerar uma enciclopédia de casos, colhidos no quotidiano. Por isso que  a aposta no saber, a apetência suscitada desde os bancos da escola, enfim, a cultura  no seu sentido holístico devem  primar no topo dos programas escolares e na educação do Povo, em vez de o anestesiar com subterfúgios bentos, que mais não são que o culto  da lei do menor esforço.
Trago dois depoimentos insofismáveis. Um deles, do famoso neurocirurgião  britânico Henry Marsh, protagonista do documentário da BBC Your Life inthe Their Hands, o qual não sendo religioso e não crendo em milagres, reconhece e acusa a sociedade de hoje, com este veredicto: “Sabemos mais da lua do que do nosso cérebro”.  Na mesma linha, ontem, Dia dos Oceanos, uma equipa de especialistas em oceanografia, estimulava  a comunidade científica  a debruçar-se sobre a magnitude, ainda  desconhecida, da riqueza oceânica, nestes termos: “Lamentavelmente, conhecemos mais da crosta da lua que dos fundos dos nossos mares”.
Bem poderia voltar até nós  Alexis Carrel,  Prémio Nobel da Medicina, em 1912,   e reescrever o imortal testemunho do seu livro L’Homme, Cet Inconnu -“O Homem, esse Desconhecido” – para iluminar a imensa floresta do conhecimento, em cujo subsolo se encontra o segredo dos grandes milagres que o Criador colocou ao serviço da Humanidade – são  os “tais segredos da Natura” que os Sábios da Escritura  preguiçosamente não vêem nem sabem, porque não procuram decifrar. Bem a propósito foi a frase do Francisco Papa que reconheceu as muitas pessoas para quem “a natureza é uma igreja”.
Esta mensagem fica incompleta sem o seu reverso. Deixá-lo-ei  para outra altura.

09.Jun.16

Martins Júnior

terça-feira, 7 de junho de 2016

MERCADO QUINHENTISTA EM MACHICO: “Milagre” da Escola Pública



“Alvíssaras! Arraial, Arraial  Por El-Rei de Portugal”.
É o eco que irrompe das velas enfunadas dessoutra  “Nau Catrineta” que aportou a Machico e reboou por todo o extenso vale. Em três dias, seiscentos anos perpassaram no Ancoradouro das Terras de Tristão Vaz.
Para quem viveu, há 38 anos, a evocação miniatural mas ambiciosa, da chegada dos marinheiros do Senhor Infante às penedias da enseada de São Roque  não pode deixar de emocionar-se com a portentosa gesta que a Escola de Machico levou a cabo, neste XI “Mercado Quinhentista”. Recordo com saudade esse, também memorável porque inédito, “Espectáculo de Luz e Som”  em que os cronistas da época – Zurara, Gaspar Frutuoso, João de Barros, Damião de Góis – apareceram ditando o relato das suas crónicas sobre o Achamento da Ilha. A representação cénica de excertos do “Infante de Sagres”, de Jaime Cortesão, no Largo de São Roque,  coroou a noite branca na baía de Machico. A obra então publicada – “Aquele Espesso Negrume”  -  reproduz um apontamento fotográfico do evento. Ainda soa aos meus ouvidos a “voz” de Zargo ao gritar a palavra de ordem “Oh São Lourenço, chega”! Era a nau que temia aproximar-se da ponta que “mais tarde tomou o seu nome”.
Os organizadores do “Mercado Quinhentista” desculpar-me-ão  este retorno a um passado recente, mas saibam, por isso, quanto louvo e enalteço a iniciativa actual, pelo que contém de beleza, de verdade histórica, de pedagogia ao vivo, enfim, da mais ampla integração geracional. É, sem sombra de dúvida, o maior ex-libris de uma cidade que abarca cultura, nobreza e povo, senhores e oficiais dos mesteres, a terra e o mar, numa palavra a aventura da ciência, aliada à força braçal do homem.
Ao contemplar o magnífico desfile, primoroso e abrangente, transpu-lo para os dias de hoje e, com mais acuidade, incutiu no meu consciente uma clara convicção adaptada ao dilema que domina todo o país. E concluí: Só uma Escola Pública seria capaz de levar a bom termo tamanha iniciativa. Precisamente porque é Pública, ela torna-se igualitária, aberta, interclassista e universalista, aglutinadora de gerações e dos vários contextos civilizacionais da população circundante. Duvido se uma escola privada, de índole elitista e naturalmente selecctiva, teria vocação para abarcar o vasto mundo integrativo, não só do concelho de Machico, mas de outros cenários mais distantes, entre os quais Portugal Continental e o Arquipélago dos Açores, convidados presentes na gloriosa efeméride.
                                                    


As maiores congratulações para professores e alunos, grupos e associações locais. E se algum desejo me for permitido exibir, seja este apenas: Que nunca o “Mercado Quinhentista” saia da vossa mão. Quero dizer, que seja sempre o filão sócio-cultural  nascido da sua fonte originária – a Escola. Quem quiser que venha. Mas venha por bem, para associar-se e ajudar, nunca para oficializar, regionalizar ou  municipalizar. Sob pena de perder a sua força anímica, a seiva telúrica que lhe deu o ser.       
Bem hajam!   

07.Jun.16

Martins Júnior

domingo, 5 de junho de 2016

HOJE HÁ SOL NA PAISAGEM


Hoje entronizo o sol no meu acampamento. Quero-o, livre e dominador, cada hora das vinte e quatro do alto da torre-de-menagem. Eu sei que sombras letais povoam, como aves agoirentas, os pulmões do planeta. Eu vejo os monstros do Apocalipse atravessar os meridianos que nos comprimem, vejo-os esmagar vítimas inocentes, aqui, acolá, mais além.
Mas hoje tenho de abrir as portas e janelas da minha tenda e deixar entrar toda a luz que dança à minha porta.
Porque hoje é o dia de respirar o verde, o Dia do Ambiente, entender a melopeia serena do ribeiro que corre, mergulhar na água agridoce que inunda a terra e os corpos. Imagino-me mais um entre os pássaros volitantes, mais um entre os peixes multicolores, meus braços feitos barbatanas iguais a esse reino oceânico, na sua nudez azul  que me chega de graça ao portal do meu terreiro. E, tal como  o “Guardador de Rebanhos”, estiro-me ao longo da relva e sinto-me irmão de todos os seres que contemplam o mesmo sol.
Porque hoje, o 5 de Junho estende  a cândida alcatifa que as mãos e as vozes das Crianças prepararam desde o seu Dia, 1 de Junho, em defesa das Crianças  inocentes Vítimas da Agressão que todo o mundo assinalou ontem, 4 de Junho. O protesto de ontem quero vê-lo, hoje,  mudado em palmas e cânticos.
Porque hoje, nesta capitania primeira, viveu-se em pleno o nascer do sol  para a história desta ilha, no Mercado Quinhentista. Mais uma vez, a escola, mais uma vez as crianças e os seus mestres, ensinando sempre a respirar as brisas de outrora.
Porque hoje guardo as novas vidas de jovens, homens e mulheres, que nasceram dos  que há quase cinquenta anos venceram as minas e as injustiças para que foram arremessados. Guardo comigo as emoções do convívio de ontem, sábado, em terras continentais. O sol das plainas orientais voltou a deitar filhos e netos em solo pátrio.
Porque hoje,  Crianças de alma pura tiveram o seu Dia Novo da Comunhão Infantil, a Primeira,  juntamente com os colegas que se lhes associaram,  realizando a Comunhão da Adolescência, no ambiente franco e aberto do templo da sua Ribeira - Seca, de nome, mas alagada de sol e alegria.
Deixem entrar a luz e só ela na minha tenda, onde acampo e luto todos os dias para que a noite se faça manhã.
Hoje ficarei vigilante, de pé, esperando a aurora boreal que me sustenta e me conduz!

05.Jun.16
Martins Júnior