terça-feira, 17 de maio de 2016

REMINISCENCIAS DE ONTEM E DE HOJE - Ao Amigo Sacerdote José Manuel de Freitas

                                                    
 Palavras gastas são as que se oferecem aos mortos.
Gastas e inúteis, sobretudo  se não  lhas  deram em vida. Os olhos já não as lêem e os ouvidos já não as  escutam. Tem razão e coração a balada coimbrã:

                               Quando eu morrer rosas brancas
                          Para mim ninguém as corte
                         Quem as não teve na vida
De que lhes servem na morte

Por isso, as palavras de hoje são bálsamo para quem as escreve,  mais do  que para quem delas não precisa.
Vejo-nos,  a ele e a mim,  colados ao chão, lado a lado, há cinquenta e cinco anos no supedâneo do altar-mór da  Sé Catedral, quinze de Agosto, dia longínquo da nossa Ordenação Sacerdotal.
 Hoje, no chão da igreja de São Martinho, vejo-o, “pó deitado”, ele que foi “pó erguido”, durante toda a sua vida. E vejo-me, também a mim, hoje “pó erguido”, amanhã “pó deitado”.
Lado a lado, no Seminário Diocesano,  ensinando jovens seminaristas… E ainda, lado a lado, na radiodifusão regional, ele aos microfones da Estação Rádio da Madeira, eu no Posto Emissor do Funchal, emitindo semanalmente a mensagem bíblica nos verdes anos do nosso sacerdócio.                              
         Abraçámo-nos mais tarde em Quelimane, Zambézia, ele no nobre roteiro de transportar mais luz ao oriente moçambicano e eu na forçada e indigna “missão” da guerra colonial.
         Depois, a vida separou-nos. Lá foi ele, novo “Paulo de Tarso”  dos tempos modernos, cavaleiro andante por esse mundo fora , levando saudades da terra e, com elas, Espírito vital  e rajadas de optimismo aos emigrados em terra alheia.
         Finalmente, voltámos a encontrar-nos, três décadas volvidas, aqui, onde eu ficara. Revê-lo foi reencontrar a ponte no meio do rio. Ele não precisa – porque nunca precisou – que lhe enalteça  a seiva profundamente espiritualista e saudável que punha na palavra dita, no gesto claro, no silêncio cativante da sua presença. Digam-no quantos com ele privaram na intimidade construtiva de cada dia, aqui e no estrangeiro. Jamais esquecerei os discursos e os escritos, cuidadosamente moldados num estilo original, entrelaçando  o neo-clássico  e o pré-romântico, em que a palavra cintilava em múltiplas radiações, ricas de simbolismo estético. Muito ganharíamos com a sua publicação.
         Pelo que se viu e pelo que conversámos, a diocese não lhe permitiu chegar mais longe e mais alto, como era o seu lugar, de onde pudéssemos ouvir a sua mensagem e beneficiar da sua larga experiência apostólica. “No Hospital, deram-me apenas a função de  um simples tarefeiro” – desabafou-me um dia, ele que nunca se queixava das mágoas, interiormente curtidas.
         Por isso, são gastas e inúteis, para ele, as palavras que lhe deitam  no caixão, bem como o abraço que, tendo-lho dado em vida, reforço-o, depois da morte.
Sou eu que preciso desse abraço, enquanto me ecoa na alma o veredicto  do grandíloquo Padre António Vieira: “Lembra-te que hoje és pó erguido, amanhã serás pó caído”.
O que nunca cairá é a estatura intelectual e mística do Irmão Zé Manel! Adeus e até quando!

17.Mai.16
Martins Júnior


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