quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A MORTE E O AMOR! --- as profundezas da condição humana


                   

Era minha intenção debruçar-me sobre aquela criança que, numa igreja em Nova York,  foi abandonada no presépio  por uma jovem mãe, mesmo ao lado da imagem do Menino. Olho o bébé, tento descobrir no chão do templo  as pegadas dos passos daquela mãe que fugiu furtivamente entre a luz baça dos bancos vazios. E mesmo sem vê-la, face a face, encho-me de coragem e ouso perguntar-lhe o porquê daquele gesto chocante, envolto entre o cruel e o sagrado. Só o silêncio me responde --- um silêncio que faz escorrer dois rosários de lágrimas dos olhos da rapariga.
Ainda bem que há o vazio da palavra, porque só ele é capaz de conter e contar o abismo das perguntas e respostas entrecortadas pelos soluços de alma sem termo…
         Mas, desde a manhã de ontem, uma outra mãe bateu-me à porta  trazendo nos braços um filho morto aos onze anos de idade. Tétrica visão aquela quando vi que a progenitora também  era cadáver, ainda quente,  com o menino louro  de olhos azuis  apertado ao peito. Aqui, nesta ilha romântica e bela, aqui à porta de cada um de nós! Toda  a Madeira o soube, todos os jornais e audiovisuais do continente o publicaram.
         Se, no primeiro caso, havia pernas e ânimo para chegar à fala daquela rapariga,  já  na tragédia dentro do nosso terreiro ilhéu, um gélido pavor prega-se-nos a língua ao céu da boca. Não há perguntas, não há respostas. Apenas o alongamento da nossa mágoa acrescentado ao desespero e ao amor daquela mãe desfeita pelo cancro e pelo suicídio recente do seu homem. Que olhar doce e profundo não terá lançado sobre o seu menino?... Que palavras ternas de carinho sem fim?... Que turbilhão oceânico revolveu todo o seu íntimo,  amansado à  tona do seu rosto sereno e forte, como as ondas alterosas quando chegam à superfície!
         Oh, as abissais profundezas do coração humano!
         Quantos e tantos casos do mistério de um  coração materno… Viajo ao passado longínquo de milénios e encontro essoutra mulher, a mãe dos sete irmãos macabeus (Livro dos Macabeus). Perante o rei tirano que queria obrigar os filhos a renegar o Deus Iahveh, ameaçando-os com as chamas e as mutilações dos membros e  da própria língua, ela como um arcanjo dominador estimulava os jovens, do maior ao mais pequeno, a que enfrentassem o tirano e não recuassem,  assistindo, impávida e corajosa, ao macabro assassinato dos filhos, um após o outro, até que, chegada a sua vez, entregou-se sem soltar um ai aos algozes do rei, para ser degolada e queimada. A tanto chega o enigma de um coração de mãe…
         Que intermináveis, contraditórias, enigmáticas, as interpretações a dar a cada caso e a todos os casos!  Desde o Livro Cântico dos Cânticos --- “O amor é mais forte que a morte” --- até à metáfora do corcel e do cavaleiro --- “Tenebroso e sublime” --- de Antero de Quental, permanece de pé esse misterioso  binómio que atravessa o tempo e o espaço:  MORS-AMOR – O amor e a morte, a morte e o amor”.      
         Tragédia, desespero, heroísmo --- o coração tem razões que a razão não entende,  já sentenciara  Blaise Pascal. Libertemo-nos da escuridão, do labirinto, da depressão. E então brotarão sobre a terra as flores e os frutos de um outro binómio: Amor é Vida. Libertemo-nos. Quem se liberta --- liberta o mundo!

    07.Jan.16
Martins júnior

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