domingo, 31 de janeiro de 2016

31 de JANEIRO -– 5 de OUTUBRO


Todos nascemos – os portugueses de hoje – debaixo desta ponte. A Ponte que começa em 31 de Janeiro e acaba em 5 de Outubro. Nove meses que duraram 19 anos. A Ponte que hoje completa 125 anos!
Trago esta reflexão, após a gratuita surpresa de ter ouvido de muita gente culta esta resposta: “Não faço ideia”. E a pergunta era a mais banal e inofensiva: “Sabes o porquê do nome 31 de Janeiro, dado à rua paralela à  5 de Outubro, no Funchal”?
         Pois é: a uma inofensiva curiosidade soltou-se uma crassa ignorância. Sempre que lá passamos  (e são muitos os dias ao ano) reconhecemos as lojas de roupa, os bares e cafés e, em frente, a casa das lotarias, as vitrinas de desporto,  tintas e ferragens, a nova canalização da ribeira.  E o BI da Rua? “Não faço ideia”. Seco e por favor.
         A Rua tem um nome maior do que ela. Estende-se por todas as cidades portuguesas, mais notoriamente em Aveiro, Braga, Sesimbra, Porto. Porque o “31 de Janeiro” constitui o berço primeiro da República. Um berço, incrustado no coração da cidade “Invicta”. Ele  ficou desfeito, logo na primeira hora,  à força de baionetas de guerra, cujas consequências foram mortes, prisões, deportações e  degredos nas costas de África. Assim fazem  os ditadores aos que se entregam de corpo e alma a uma causa que entendem justa e urgente. Salazar também inventou o “Tarrafal”, onde apodreceram, longe da Pátria, os que aspiravam restituir a liberdade à sua Mátria-Mãe.
         Destruíram o berço, mas não conseguiram afogar a criança que ali nascia. A criança, essa submergiu no rio Douro, mas numa manhã de Outono,  veio a renascer, pujante e sem retorno, nas margens do rio Tejo. Foi o 5 de Outubro de 1910, em Lisboa.  É que “não há machado que corte a raiz ao pensamento”!
          O entusiasmo fremente com que discorro sobre esta data faz-me supor que os meus amigos e amigas conhecem o significado enorme do “31 de Janeiro”. Foi no Porto. Um punhado de patriotas de várias classes sociais, desde médicos, engenheiros, lentes da Universidade, militares e até um chapeleiro da cidade, descontentes com o agonizar do regime monárquico à mão dos ingleses ( o famoso Mapa Cor-de-Rosa) decidiram no último dia do primeiro mês de 1891 avançar sobre o baluarte do poder e consumar  o derrube da monarquia, chegando mesmo a proclamar da varanda da Câmara  Municipal do Porto a instauração da República Portuguesa. Consequência da generosa  utopia  dos seus fautores que não mediram o risco de um sonho inquebrável, a Revolução morreu, pode dizer-se, à nascença. Ficou, no entanto, crescendo silenciosamente o seu gérmen no pensamento e na acção dos sobreviventes. Até que, em 5 de Outubro de 1910, também da varanda da Câmara Municipal, a de Lisboa, foi hasteada definitivamente a bandeira republicana.
         Quem conhece as duras passadas para alcançar o pico alto da vitória sentirá decerto  palpitar o coração neste dia perante o veredicto da História: a construção do sonho, até ao sucesso final, arrasta consigo mártires anónimos que irrigaram com o seu sangue o chão pedregoso que um dia cantará Vitória. Por isso, ouso afirmar: se foi grande e digno de registo pelos séculos fora o triunfo do “5 de Outubro”, não menos grande e solene foi o “31 de Janeiro”. Sem um, nunca haveria o outro. Tal qual aconteceu mais perto de nós,  com a investida, frustrada, de Beja e a marcha das Caldas sobre Lisboa, até chegar em plenitude a entronização da Democracia, no dia 25 de Abril de 1974. Assim aconteceu também neste nosso concelho, com tanta gente do Povo que sofreu persistentemente às mãos da ditadura regional, disfarçada de autonomia.
         É o axioma que vem de longe: “Um é o que semeia, outro é o que recolhe”! Mas vale a pena, porque quem luta por um ideal alevantado não olha o lucro individual, imediatista, no perímetro apertado do comum dos mortais. Vai mais além e vê no invisível a vitória de toda a comunidade futura --- a razão de ser da sua incondicional entrega. E batem-me na alma as ondulações do Mar Salgado:
“Quem quiser passar além do Bojador
Tem de passar além da dor”
Em nenhuma outra cidade ficou tão eloquente a simbiose das duas datas, estrategicamente concebidas  na geometria viária: as duas ruas são paralelas uma à outra, face a face, ligadas pela ponte sob a qual nasceram todos os herdeiros da República Portuguesa. De ontem, de  hoje, de sempre. Honra e mérito aos precursores da República!

31.Jan.16

Martins Júnior

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

NEGÓCIOS (de) “BÊBEDOS”


         Nada melhor que anedotas e caricaturas  para caracterizar estados de alma ou complexos atávicos. Vou dar quatro rápidos “anúncios”, para não dizer spots, suficientemente esclarecedores.
O primeiro, passado nesta nossa terrinha ilhoa, refere que um chorudo negócio de dois aldeões ficou marcado para o almoço, mas porque um deles só admitia à mesa  vinho seco e o outro  só vinho tinto, o negócio borrou.se… O segundo conta-nos que a secretária de trabalho  do competente notariado que registaria o contrato de compra e venda de um valioso prédio entre dois proprietários ricos, foi ela, a mesa, responsável pela frustração do negócio. Causa: o prometido comprador, educado por uma beata catequista, fugiu desabridamente  porque a dita mesa tinha um arranjo floral onde predominavam dois esbeltos antúrios ostentando garbosamente o seu natural “ex-libris”…  O terceiro caso diz respeito a um jogo de futebol feminino em que uma das equipas se apresentou de calções e a outra, que entrou em campo, de calça comprida  até aos pés e camisola afogada até ao pescoço, exigiu que todas se equipassem bem compostas, pois assim lhes ensinara uma púdica tia religiosa e solteirona. Lá se foi o campeonato…  O último caso fala-nos de dois compadres à roda de uma mesa, onde a garrafa de vinho  se encontrava numa situação tal que um deles dizia que ela estava meio-vazia e o outro teimava que estava meio-cheia. Foi tão acesa a discussão que nenhum quis provar o precioso conteúdo da  garrafa. No entanto, sempre lá concluíram o negócio aprazado.
         Mudem os nomes e os trajes e ponham em seu lugar o episódio grotesco do almoço protocolar entre Rouhani, o presidente do Irão, e François Hollande, de França, marcado para ontem, o qual acabou por ser cancelado devido à exigência dos muçulmanos que proibiram o seu presidente de sentar-se à mesa onde houvesse uma  garrafa de vinho, uma só que fosse. Ordens sagradas de Maomé!  Sem comentários. Aí é que se ouviram as paredes do Eliseu a rir, divertidas, enquanto ecoava o velho ditado: Ridicule mais charmant, ou então, encostando o caso às Précieuses Ridicules, de Molière. Apesar de tudo, fez-se o negócio de muitas dezenas de milhões, como de resto, um dia antes em Itália.
           É caso para dizer: a cada qual, o seu vinho e a cada qual a sua droga…
         Este pitoresco episódio levou-me até África, aquando da guerra colonial em Cabo Delgado,  extremo  norte de Moçambique, numa tarde em que o, aqui correspondente ao regedor da sanzala, veio ter comigo e balbuciou-me ao ouvido: “Tènenti, zungo (patrão), trá-me madji di lizebaua”. Perguntei a alguém o que era aquilo de ”água de Lisboa”, sendo então  informado que se tratava de vinho tinto. Lá comprei a garrafa na messe de oficiais, dirigi-me ao aldeamento (onde dava as chamadas “aulas regimentais” aos lindos  petizes negros… que saudades!), chamei à parte o dito “regedor” e pu-lo à prova: “Mas você é muçulmano e o Profeta proíbe você de beber vinho”, ao que ele, outra vez ao ouvido, depois de observar que ninguém topara a cena, respondeu baixinho: “Mas eu bebo de noite”.
         Percebi logo. Até neste esquelético cocuana (velho) se confirma a hipocrisia oficial dos quadros do poder --- lá e cá! --- em que  o mais importante é preservar as aparências, a letra da lei, enfim, o político-religiosamente correcto. Só queria saber  qual a marca do vinho e qual o éden em que  plantou Maomé as muçulmanas  parreiras, capitosas e fulminantes, que levam um homem a cinturar-se de granadas e fazê-las explodir, matando dezenas, centenas, milhares de vítimas inocentes…
         Até  onde é capaz de  levar-nos  o atavismo inquestionado! Voltando ao mesmo sítio, impressionava-me ver as crianças comer a feijoada que lhes levávamos do rancho geral e elas, escrupulosamente, separavam a dobrada e só comiam o feijão e a batata. Perguntei-lhes uma vez por que razão procediam assim. E a resposta veio directa: “O pai não deixa”. Lembrei-me do (já aqui  referido)  relato bíblico daquela mãe que se entregou à morte mais violenta, ela e os seus sete filhos Macabeus, só por se recusarem a comer a carne de porco que o rei Antíoco lhes oferecera. Há milhares de anos! A força cega das crenças não escrutinadas, diríamos, dos dogmas, também  impostos, mutatis mutandis, pela Igreja Vaticana!
         Há quem discuta se Hollande terá feito bem cancelar o almoço e o jantar. O Sim ou o Não  defensáveis são. Inclino-me, no entanto,  para o Sim: outro bem maior estava em jogo, ou seja, a histórica visita de presidente iraniano à Europa, após o acordo nuclear e o levantamento de sanções, prenúncio de um tempo novo na história das civilizações. Na senda da comprovada filosofia que fez escola, “ por vezes, é preciso dar um passo atrás para ganhar dois passos à frente”! Mas… sem tacticismos, apenas com vista à prossecução dos verdadeiros valores que dignificam a espécie humana.

         29.Jan.16
         Martins Júnior

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

QUE NOVAS NOS TRAZ O DIA QUE PASSA?


Sentemo-nos lado a lado. Ou se preferir, deambulemos sob alameda das memórias que trazem consigo momentos felizes e também pistas de reflexão. É que, ao dedilhar as teclas deste meu e seu comunicador, dei comigo a pensar nas 238 publicações do SENSO&CONSENSO, surgindo-se logo este puxão de orelhas: “tens a certeza de que os teus assuntos interessam às pessoas”?  Com isto deixei cair os braços e soltou-se-me  estoutra  pergunta: ”escreves para ti ou para os outros? E conheces tu o que os outros esperam que lhes transmitas”?
Parafraseando o velho ditado, escrever não custa. Custa é tocar o dentro de quem  lê, a sua mente e a sua psique, a sua expectativa e as suas apetências. É o drama de quem escreve. Sobretudo este portentoso mecanismo de comunicar à distância, como  bolas de sabão sopradas à brisa corrente. E é o que hoje vou ensaiar perante os meus amigos e amigas, dependurando no estendal desta varanda as muitas e tão diversificadas opções para o 27 de Janeiro de 2016.
 1-  Para os que estão atentos à História do quanto é capaz este arrumo de ossos que nós somos, lembraria o 71º aniversário da luta ingente que pôs fim ao mais bárbaro  genocídio do género humano que dá pelo nome de Auschwitz, perpetrado por um monstro em traje de gente, cujo nome recuso para não  manchar esta página. Surpreendo-me com a indiferença dos nossos jornais, dos homens que aí escrevem. Não apenas uma vez ao ano, mas todos os dias,  deveríamos olhar de frente para que os homens não esqueçam. E o mais horroroso é que, sob outros camuflados, andam por aí os facínoras de Auschwitz.
2 - Para quem se ocupa e preocupa com a asfixia  que os decisores europeus  “oferecem” a Portugal, rebobinaria aqui o passo cadenciado e grave, como cangalheiros que ajudaram a matar o defunto, entrando na Assembleia da República com o vergonhoso brasão ao peito, onde figura a pitonisa Troika que vem de palmatória em riste  embolachar as mãos de quem fez o plano do próximo Orçamento de Estado. Não menos abjecta, patrioticamente falando, é uma outra brigada do reumático (a mesma que pôs o país a pão e água) vir agora restabelecer a farsa de um país “de tanga”, como essa rapariga brancaça, substituta de  Paulo Portas (aquele que lhe pôs nos braços quatro ministérios, do mar à serra) e que sai à rua, com uma graçola de rapazinho imberbe, dizer na cara da Troika que “o OE/16 é candidato ao Óscar de Hollywood”. Ficarão os portugueses indiferentes aos mercados que emprestaram dinheiro para, agora, nos oferecerem um garrote ao pescoço de  pais, filhos e netos? “Bolsa ou vida”! E já!
3 - Para os aficionados da bola, perguntaria qual a sua opinião sobre o arquivamento, por parte da Comissão de Instrução e Inquérito da Liga,  do processo de difamação contra os árbitros, em que foi protagonista o presidente do Sporting. E daí, exigir à Justiça que investigue e não deixe a culpa solteira para sempre. E que não leve um ano e mais, noutro conhecido processo, a formular comprovada acusação. Ai, quem julga a Justiça?! E que dizer da mesa redonda da TVI24, agora à noite, em que a imagem dos quatro  comentadores desportivos foi escandalosamente abafada pela encenação gesticulada do dito presidente, numa reportagem de Outubro do ano transacto, exibindo repetidamente papéis baralhados ao repórter de então? O espectador não é propriamente um parvo.
4 - Aos que lhes toca mais dentro o problema das religiões, que belíssimo o frontispício desta peça, o encontro entre o presidente Rouhani, do Irão, com o Papa Francisco, prestimoso augúrio de outros compromissos europeus para a paz entre o Oriente e o Ocidente! Do lado oposto, a mancha negra, tão difundida  na comunicação social, do filme Spotlight, de Tom McCarthy, sobre os escândalos sexuais do clero católico de Boston, que tanto abalaram a América e o mundo. Ainda por cima, proposto para os Óscares da Academia. Na mesma linha, a humilhante posição em que ficou a Diocese do Funchal que, após sucessivos e dispendiosos processos judiciais pelo competente testamenteiro, foi obrigada na barra do tribunal  a mostrar os documentos relativos à “herança de D. Eugénia Bettencourt”, os quais passou tantos anos a ocultar. Já é voz corrente que o detentor do poder religioso regional outra coisa não faz senão esconder, encobrir e refugiar-se na sotaina cintada.
5 - Incontornável, impossível passar adiante sem evocar e reler Vergílio Ferreira, o talentoso romancista, ensaísta e filósofo português, cujo centenário o país está a comemorar. Que sabemos nós do Autor da Manhã Submersa, traduzida para a tela cinematográfica pelo realizador Lauro António? Ao constatar a irresistível superficialidade dos dias fugazes que nos absorvem, fica-me até ao fim esta mágoa: quanta gente escreveu para mim e para cada um de nós mensagens tão afectivas e eloquentes e nós nem abrimos o computador, nem sequer o telemóvel.     …………………………………………………………………………………………………………..............   
        Que mão cheia de lembranças para este 27 de Janeiro! E muitas outras deixei ficar para trás. Quanto me apeteceria e ajudaria saber a qual delas foi mais sensível quem me lê. Por onde se vê o drama interior que persegue aqueles que se predispõem a transmitir algo que interesse e não apenas gastar as  molas do teclado. E desculpem-me este extenso linguado, quando pretendia fosse mais sintético que os anteriores. Como no velho exemplo do estilo epistolar.  “não tive tempo de fazê-lo mais curto”.

27.Jan.16

Martins Júnior

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O PARTO DE DEZ GEMEOS: Uma interpretação alegorica da campanha eleitoral tal qual aconteceu


Ciclicamente e mais uma vez, a Mátria parturiente deu à luz um príncipe, o quinto do novo casamento de 1974. Príncipe, enquanto principal, porque a Mãe-Mátria, sendo republicana, não põe cá fora um produto monárquico.
         Desta vez, foram dez gémeos que mais de quatro milhões  ajudaram à gestação, sendo que só um viu a luz de Belém. Os outros nove ficaram no rol dos nascituros perpétuos. E porque foram tantos os progenitores, seria esclarecedor analisar a ecografia de cada um dos gémeos no próprio seio materno.
         Permitam-me esta alegoria encadeada para melhor entender a sua génese, agregando-os em linha. Assim por ser de natureza lampa o sémen ainda prematuro tentou romper o vestíbulo da vida mas não tinha consistência que lhe valesse. Ficaram no livro dos nados-mortos: Jorge Sequeira e Cândido Ferreira.
Os gâmetas mais sensíveis aos carinhos de mulher juntaram-se em Marisa Matias e Maria de Belém, embora com preferência para a pele macia e o brilho que só a juventude transmite.
Nos genes em que o atavismo telúrico falou mais alto irmanaram Edgar Silva e Vitorino da Silva que nas suas terras de origem bateram recordes, um na Madeira, o outro em Rans.
Mais maduros não para entrar nos corsos carnavalescos (o povo gosta disso) mas para sacudir os vernizes que escondem a podridão dos foliões, DDT, donos disto tudo, a esses corajosos nascituros a Mátria-Madrasta nem lhes deu hipótese de largar o cordão umbilical. Henrique Neto, Paulo Morais, Edgar Silva morreram no parto.
Marcelo e Tino (como os estremos se tocam!) receberam os gâmetas dos que se contentam com  jaquinzinhos comidos à mão, os bróculos da feira, a pá do forno (põe a pá, tira a pá do forno da padaria, à moda de Quim Barreiros) mais um copo de vinho talhado, na Madeira foi uma poncha – e o povo comove-se, ri e chora de afecto. Ideias, nada. Os dois saíram vencedores, embora disformes um do outro na proveniência social e cultural. Claro que nado-vivo agarrou-se à alcova do papel diário e dos écrans que o profetizaram e o trouxeram nos braços. Mais ainda: pegou-se, com redobradas juras de amor, ao suposto adversário sediado em São Bento. O Papa também lhe acudiu à boca com a unção baptismal. Por onde se vê que nascer não custa. Custa é saber viver.
Herdeiro de outra árvore genealógica independente prenhe de cultura seriedade, pensamento positivo precursor  de um tempo novo, Sampaio da Novoa,  não logrou a luz do dia porque a Mátria preferiu a marmita, a pá do forno, o folclore  que anestesia e diverte.
Da leitura  global  da campanha: Ideias, planos, compromissos do futuro “príncipe” perante o país, no estatuto que lhe é conferido – zero! Por isso mais de metade dos genes da nação deu o fora e não entrou no circo da feira. Lamentavelmente, porque assim fazem gerar, com a abstenção, os produtos de consumo imediato, descartável de cinco em cinco anos.
Sendo certo que o fenómeno eleitoral, espelhando a personalidade  individual dos candidatos, não é menos certo que ele significa  o espelho do colectivo nacional. É a radiografia da Nação. Reflexão imperiosa para todo um povo, a começar pelos que se apresentam como pais e tutores, dirigentes,  partidos, associações, clubes, religiões, sindicatos, escolas, nunca esquecendo que neste tablado imenso e vário nunca acabará a dialéctica de opções, interesses e ambições, umas gémeas,  outras contraditórias.
Expressamente para as hostes partidárias de bom gosto e bom senso, ouso formular a pergunta: De quantas camisolas diversas e luvas exclusivistas precisa a mão segura para erguer e prestigiar a bandeira nacional?
No entanto, acabada a vindima e consumado o parto a história continua. Faltam cinco anos para que a Mãe-Mátria deite de novo ao mundo dos portugueses o seu filho principal que lhe traga a mais luminosa estrela de Belém e que regresse às origens aquela canção que nos pertence:
 “ O Povo é Quem mais Ordena”!


25.Jan.16
Martins Junior

sábado, 23 de janeiro de 2016

SEMENTES DE UM TEMPO NOVO


Puxar do saco estes grãos de esperança a abrir um tempo novo, recorro àqueles programas de agricultura que prescrevem a primeira poda das árvores nos fins de janeiro princípios de fevereiro, tendo por objectivo uma floração consistente, promissora de uma viçosa produção. É também este o percurso de todo o gesto que sai da mão humana: cobrir de verde a paisagem por onde circula a seiva da alegria e do progresso.
Neste curso da vida que desagua em delta entre janeiro e fevereiro – e  em tempo de acalmia eleitoral – semeio ao vento que passa um par de cravos mensageiros da liberdade e da paz, plantados em dois continentes tão diversos, mas que abraçam todo o mundo. Quando digo continentes tão diversos quero significar não apenas a distancia geográfica mas a própria natureza sócio-ideológica onde fluíram os cravos: a politica e a religião, os dois secretos canais por onde correm os motores fatais do capitalismo financeiro.
Refiro-me, primeiramente, ao encontro de credos que deixaram na história europeia sequelas sangrentas ainda por sarar: o catolicismo e o judaísmo. O abraço entre o Papa Francisco e o Rabino de Roma apaga o rasto criminoso que o Vaticano deixou no dorso e nos genes do “pérfido”   (assim foi classificado) povo judeu. O próprio local do encontro não é menos eloquente: a sinagoga de Roma. Foi Francisco que lhe deu o primeiro passo. Desceu do trono “imperial”, abandonou a tríplice tiara do poder e,  no modesto traje  de branco e como um franciscano descalço, selaram os dois uma aliança que redime séculos de tortura e cumpre o avisado imperativo do maior teólogo do nosso tempo, Hans Kung: “Não haverá paz entre as nações enquanto não houver paz entre as religiões”.
Ditosas mãos que abrem cortinas de luz por sobre os tenebrosos paióis  das crenças, mormente sobre aqueles que matam “em nome de Deus”. É este um tempo novo!
         Longe da Europa, já em terras armadilhadas de ódios fratricidas parece ter chegado o sopro da paz judaico-romana. E eis que surge, alto e brilhante, o cravo da esperança, através do acordo  que extinguirá medos e fantasmas que não deixam dormir em paz crianças, adultos e idosos. O compromisso firmado pelo irão sobre  o uso de armas nucleares constitui uma porta aberta para aquele mundo, onde outrora fora o Paraíso terreal e hoje reproduz o chão do assassínio Caim, ensopado ainda no sangue do irmão Abel – do irmão Iraque, da irmã Síria, do irmão Afeganistão.
         Aplaudamos e congratulemo-nos com a alvorada que desponta.

         Europa, Israel,  Irão, Estados Unidos, eis a quadratura exemplar, ao menos nestes acordos oásis no deserto e caminho para um tempo novo! No meio da tormenta que nos cerca, seja pronta a nossa parte, respiremos o ar puro da Vida que janeiro nascente prenuncia e generosamente oferece.



 23.Jan.16
Martins Júnior

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O MELHOR ENTRE OS MELHORES!


       
    Na dinâmica do jogo – e chegados que estamos à pequena área, mesmo no ponto critico da grande penalidade – é inadiável fazer “ a leitura do jogo”, tirar as medidas ao ferro e acertar na baliza que é, como quem diz, no quadradinho do voto.
         Não posso furtar-me  a esse exame das personagens – a minha leitura do jogo – e faço-o neste ultimo e útil dia impar antes do vinte e quatro de Janeiro .
         E já que entrei nesta metáfora do relvado rectangular permitam-me recorrer ao mesmo método das instancias internacionais para, entre todos os planteis nacionais, escolher a selecção ideal, em cujo pódio figuram os melhores.
         Ora, estou eu, estamos nós diante de dez concorrentes ao troféu de Belém. A quantidade neste caso, não belisca a qualidade democrática, ou, mais precisamente, as qualidades de cada um deles. É que todos possuem, se não o carisma, ao menos o cariz para a investidura de Supremo Magistrado da Nação.
Cada qual tem o seu dom diferente do outro. Sendo diverso, não se lhe opõe,  antes o complementa. E o melhor desejo é  repescar os atributos de cada um, monitoriza-los e depois cuidadosamente, à mesa do laboratório, num rigoroso trabalho de pinças,  isolar os melhores genes particulares para cloná-los  até conseguir o produto final, ou seja, o candidato ideal.
         Assim:
 De Edgar Silva, escolheria o ardor patriótico  do combate à pobreza, complementado com a férrea seriedade de Paulo Morais no combate à corrupção.
         De Rebelo de Sousa, recolheria com a inesgotável capacidade  de configurar-se com todas as cores do arco iris – apimentada com a ruralidade sertaneja, fresca e transparente do riso de Vitorino Silva, “ Tino de Rãs”.
         De Maria de Belém, seleccionaria a diáfana feminilidade do seu trato – e doseá-la-ia  com a sisudez aristocrática de Cândido Ferreira.
 De Marisa Matias, ficaria com aquele abraço da mulher camponesa com o internacionalismo operário, que ela bem encarna – e juntar-lhe-ia o contraponto do persistente empresário, personificado em Henrique Neto. No meio enxertaria as células da saudável psicologia de Jorge Sequeira.
          Que excelente puzele   (perdoem-me o anglicismo)  para compor o melhor e o maior de todos os Presidentes de Portugal!
          Mas a verdade é que não se pode ter tudo. Verdade insofismável, confirmada pela geologia, é que às grandes altitudes correspondem grandes abismos. As melhores virtudes, levadas ao estremo, podem redundar em péssimos defeitos. Qui veut faire l’ange fait la bête, já nos advertira Blaise Pascal  ( “quem quer fazer um anjo acaba fazendo um monstro”).
         Por isso que a todas as qualidades do candidato, o que mais importa é o sábio principio de quanto baste:
         Ardor patriótico, q.b. – para não resultar em fanatismo.
         Capacidade adaptativa, q.b. – para não cair em hipocrisia.
         Gentileza, q.b.  - que não signifique debilidade governativa.
         Compostura, q.b.  – para não chegar à arrogância.
         Europeísmo, q.b. – para não perder a soberania.
         Psicologia das multidões, q.b. – para que não se confunda com a massificação demagógica.
         Respeitando os juízes de valor e as opções de quem me lê, uso identificar os q.b., referidos, num único candidato: Sampaio da Novoa. Para o sucesso ou insucesso da minha proposta ela aí fica:
         Sampaio da Novoa é culto, mas não arrogante.
         Sampaio da Novoa é consensual, mas não contraditório.
          Sampaio da Novoa é gentil, mas não subserviente.
          Sampaio da Nevoa é nobre, mas não dominador.
         O feito histórico da fusão da Universidade Clássica com a Universidade Técnica atesta a sua vertente de inteligente negociador, sempre em ordem ao bem comum. Os seus apoiantes não são beneficiários de favores/facturas vencidas ou vincendas.
         A sua missão de educador da juventude universitária  (o capital de um Tempo Novo) confere-lhe o titulo de pedagogo das gentes e “Magnifico Reitor” da Nação Portuguesa.   O melhor entre os melhores.
          Eu sou SNAP!.
         SAMPAIO DA NOVOA À PRESIDENCIA!

21.Jan.16
Martins Junior

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

CANTO PERENE JUNTO AO PORTÃO ENTREABERTO…



Do Portão Grande da Saída só se lhe conhece o ranger dos gonzos  com que se entretêm os que, aguardam a sua vez na sala de espera a que chamamos vida .
São lembranças doces, atributos, metáforas, hipérboles, missas, ofícios e discursos – o ruido da praxe que ao viageiro finado já não interessa. Também acompanho o “Coro dos anciãos”, recordando os tempos moçambicanos quando os dois – António advogado e João Juiz, meu irmão -   conviveram na vetusta Lourenço Marques, hoje Maputo.
Recordo o “Padrão Constitucional” que foi   António de Almeida Santos, simultaneamente autor do Estatuto Político administrativo  Provisório da RAM que vigorou entre 1976 e 1991.
Eles partiram, sobraçando  a história que fizeram.
Nós, os candidatos, ficamos com a saudade. E a saudade é a pedra, o tijolo – ou livro ou filho ou  arvore – que ajuntámos ao grande monumento que, por enquanto, habitamos.
Cinco luas passarão cinco décadas rolarão… e da pedra ou do bloco que colocamos nem o nosso nome restará. Mas lá estarão transfigurados, como degraus de uma escada, o livro, o filho, a arvore, a pedra  o tijolo que deixámos antes de transpor o Grande Portão da Saída.
Por isso ficará sempre connosco António de Almeida Santos!

19.Jan.16

Martins Júnior

domingo, 17 de janeiro de 2016

OS ANIMAIS DE SANTO ANTÃO: de diabolizados a protegidos


Tivesse eu o engenho narrativo de Eça de Queiroz e ficaríamos aqui largo tempo a decifrar o enigma do subtítulo deste escrito de fim-de-semana. É que hoje decidi entrar nas dunas do deserto e surpreender os animais de Santo Antão ,  precisamente neste dia 17 de Janeiro, a festa do nosso eremita, também chamado de padroeiro dos anacoretas, isto é, daquelas figuras do hagiológio cristão que fugiram do mundo para esconder-se nos desertos ou nas mais inóspitas  montanhas, num desígnio de alcançar a ascese plena  e conquistar a perfeição cristã.
Por isso, é também o dia em  que as pessoas mais crédulas e, por que não dizê-lo, mais supersticiosas, trazem os seus bichinhos ao adro das igrejas para tomarem, uma vez ao ano, um mini-duche de água benta, ou seja, para receberem a bênção divina que, assim crêem, o abade Santo Antão lhes prodigaliza por meio do sacro hissope.
Falei no nosso Eça, naquela inimitável sátira que dá pelo nome de A Relíquia,  porque a interpretação da devoção deste dia 17 tem tanto de pitoresco quanto de divertido. Ridicule mais charmant, diriam os  franceses. Trata-se de um daqueles fenómenos de prestidigitação recorrentes na história dos costumes em que uma determinada realidade se transforma no seu contrário, em virtude das versões sucessivamente recontadas e, por via disso, capciosamente adulteradas.
Vamos ao caso.
Dizem os cronistas do séculos IV-V (entre os quais Santo Atanásio,  o biógrafo de Santo Antão) que este eremita (viveu entre 251-356) tendo-se evadido para o deserto, era acometido, dia e noite, pelo demónio, que se disfarçava aos seus olhos, umas vezes  em traje de mulher nua, outras vezes em temerosos animais --- leões, ursos, panteras, porcos bravos, serpentes --- numa campanha obsessiva para  desassossegar o nosso santinho e impedi-lo de entregar-se à oração.
Eram, portanto, os animais a configuração do diabo provocador  das mais vis tentações mundanas e às quais o atormentado anacoreta esconjurava com o sinal da cruz, mergulhando cada vez mais  em cilícios e penitências.  Esta é a versão que percorreu toda a Idade Média, chegando a inspirar, já perto de nós, o romancista Gustave Flaubert (1821-1880) a escrever “As Tentações de Santo Antão”. É também este o motivo pelo qual Santo Antão é representado com um cerco de animais em seu redor.
Mas --- oh potentíssimo fenómeno de transfiguração (para não dizer,
de manipulação) que levou o devocionismo popular, alimentado por pregadores especiosos, a transformar os inimputáveis animais diabolizados em mansos cordeiros aconchegados à manta rota do monge do deserto! É obra. É o que poderá classificar-se habilmente  de “o enigma saltou o muro”, saíu por cima e conseguiu branquear a imagem primitiva.
         Tudo certo, hilariante e optimista.  All is well when ends well -- -tudo está bem quando acaba bem. E viva a festa!  Mas (e aqui é que entraria a veia sarcástica do autor  d’ A Relíquia) as pessoas continuam a levar à frente de Santo Antão porcos, vacas, galinhas, cães e gatos, cuidando que lhe fazem homenagem, quando, a crer nas crónicas originais, isso seria castigo redobrado à sua ascese de salvação, trazendo-lhe à memória traumas demoníacos, abafados durante 18 longos séculos. Por outras palavras, os positivos de hoje revelam o contrário dos negativos de ontem.
Fiquemos  hoje por aqui. Mas não esqueçamos que este episódio inofensivo é-o também paradigmático de tantos desvios e deturpações a que foram violentados nobres ideais e sublimes propostas de líderes espirituais, a começar pelo nosso J:Cristo, os quais assistem, impotentes, à safra dos vendilhões da alma humana que “viram o bico ao prego”, sabendo que o fazem por traição à Verdade e em aumento do seu pecúlio.  Nestes casos, porém,  não há nada de hilariante, pelo contrário, tudo é criminoso.    
Acarinhemos os bichinhos do Santo Antão do Egipto. É o seu dia.

17.Jan.16

Martins Júnior

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

QUE MAIS QUEREM DO PAPA FRANCISCO?


Querem que o Papa se atire da cúpula do Vaticano abaixo até cair na Praça de São Pedro?... Querem que ele se jogue, em dia de tempestade, desde o alto do Castelo de Sant’Ângelo para a torrente do grande rio Tibre?... Ou estão à espera que ele corra sobre as ondas como em terra seca?...
         Vêm estas absurdas perguntas a propósito do último livro-entrevista  do Papa Francisco, em cujas páginas mais uma vez se transfigura na pele do J:Cristo, humilde, sensível, generoso, todo ele compreensão e misericórdia. Em cada dia e em cada passo, Giorgio Bergoglio surpreende e abala sobretudo os não católicos pela palavra e pela acção. O seu palco não tem bastidores e a sua veste não tem pregas nem matizes: tudo é branco, transparente, inclusivo e conclusivo. Saneou grande parte dos cardeais instalados na Cúria vaticana, aos quais apelidou de lobos e corvos; com os azorragues da coerência sacudiu as máquinas de lavar dinheiro escondidas nos cofres  do, hipocritamente chamado, Banco do “dinheiro de São Pedro”.
         Os não crentes irmanam-se fraternalmente e seguem as pegadas do Papa Francisco. E os católicos, a começar pelas hierarquias, cardeais, monsenhores, bispos e arcebispos? Uns rangem os dentes contra o argentino, tal como os partidários religiosos contra o proto-mártir Estêvão, nos primórdios do cristianismo. Outros assistem, incrédulos calculistas e fazem garbo de reproduzir nos púlpitos das catedrais citações avulsas do Papa, numa maquiavélica estratégia do hierarquicamente correcto. Até já abriram tão solene quão mecanicamente as Portas do Jubileu da Misericórdia neste ano de 2016. Mas agir em conformidade, fazer suas as atitudes de Francisco, isso é que não, nunca. Precisamente nos antípodas do Papa estão os pés e as cabeças deles.
         Ano da Misericórdia, Ano do “coração-dado-aos pobres”, assim se traduz na sua etimologia. Mas onde a Misericórdia?... Todos vemos a olho nu que a Igreja-Instituição nem a Justiça pratica. Tudo camufla, tudo esconde debaixo das túnicas vermelhas ou das sotainas pretas. Aí estão casos recentes, aqui mesmo à nossa beira, no cristianíssimo Portugal e na marianíssima Madeira. Se não  fosse a investigação da Polícia Judiciária, como seriam punidos  os escândalos do seminário do Fundão e os da sacrilegamente chamada congregação “Cristo Jovem” e o do escabroso pederasta  “padre” Frederico tão amantissimamente  protegido do penúltimo bispo da Madeira?... Se não fossem os tribunais civis, como e quando a diocese seria obrigada a destapar esse misterioso tráfico com que tem sido tratada, desde 1983, a herança que Dona Eugénia Bettencourt doou à causa dos doentes cancerosos?... E o espaçoso imóvel destinado por uma outra benemérita para os sacerdotes doentes e anciãos acabarem os seus dias, mas até hoje  ocupada pelo mesmo bispo,  sem pingo de remorso?... Na Madeira, só um único sacerdote --- o consequente e corajoso Padre José Luís Rodrigues --- se fez eco do caso “Dona Eugénia”.
                                                

              
 Qual Misericórdia, se não há Justiça?... Primeiro a Justiça, depois a Misericórdia. Além do direito natural, inúmeras são as directivas bíblicas. Mas a Instituição não lhes presta atenção. Nem às atitudes do Papa Francisco. Querem fazer dele o que ele mais detesta: uma vedeta para consumo pessoal e premeditado oportunismo. Apetece soltar o grito explosivo de Gandhi: “Adoro Cristo, mas odeio os cristãos”. Aqui, por cristãos,  leia-se: hierarquias institucionais.
          Depois de amanhã,  Francisco Papa, num sincero gesto de humildade e diálogo inter-religioso, visitará a principal sinagoga de Roma mas --- diz claramente --- “sem a pretensão de converter os judeus ao cristianismo”.  Entre nós, três bispos da Madeira voltaram as costas, já lá vão mais de 40 anos, a uma comunidade que continua firme na sua crença cristã e católica. Como é possível dar crédito a gente desta que, por usar cinta vermelha em redor de adiposa cintura, se comporta como monárquicos reizinhos… em nome do Cristo pobre, “sem uma pedra onde reclinar a cabeça”?
         Só os cristãos de base poderão fazer andar o Papa Francisco pelos caminhos da nossa terra, porque, está visto, das hierarquias autoritárias nada há a esperar. Será preciso regressar às fontes do cristianismo original, tal como nos tempos de Hilário, o santo bispo de Poitiers (315-368) cuja história constitui um eloquente testemunho: de pagão exemplar  que era, converteu-se, depois de casado, ao cristianismo e no mesmo dia foi nomeado, por aclamação dos cristãos de Poitiers, bispo da sua diocese. Foi ontem, nem de propósito, o seu dia no calendário litúrgico.
Só os cristãos, enquanto células vivas do cristianismo, transformarão em corpo e alma o sonho genuinamente evangélico de Francisco Papa.

15.Jan.16

Martins Júnior

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

HETERÓNIMOS EM CARNE VIVA! Lembrando David Bowie



É tremendamente exaltante ver passar diante dos nossos olhos  as mil sombras de David Bowie. Toda a sua vida foi um desfile perturbador e, ao mesmo tempo, repousante, em que perpassam as infinitas hipóteses  de que é capaz a condição humana  do estar aqui e agora. Perturbador e repousante, digo, porque nele tudo é disperso e tudo é inteiro. Uno e múltiplo. Inesgotáveis são as definições para qualificar  uma vida-mistério e alma desnuda. De tantas e tão eloquentes --- desde génio musical, artista total (como lhe chamam criativos e jornalistas) mestre da invenção (assim classificou David Cameron o seu compatriota britânico) --- destaco o título do colunista de Le Monde: “a lenda viva” e o “extraterrestre”.  
         Dispenso-me de elencar a sua multiforme criação musical, com as mais talentosas canções, todas diferentes e todas iguais, por que inspiradas na mais genuína música popular, passando pelos mais diversos géneros, o music-hall, o folk hippie, o glam-rock, a canção soul, a funk, a pop, a música electrónica.  Dou também  por adquirida do conhecimento público a sua versatilidade artística, como actor  e produtor no teatro e no cinema,  estrela nos desfiles da moda, visionário do futuro quando antecipou a queda do Muro de Berlim, na chamada trilogia berlinense  Low (1977) Heroes (1978) e Lodger (1979). Homem de causas, bateu-se pela igualdade de género, no desconcertante desempenho de Ziggy Standurt /1972).

                       

 Mais que Cidadão do Mundo, ele foi o Caminheiro da História, pois que nele se condensa, sob diversos cambiantes, o mistério do Homem e os seus fantasmas. Até no próprio leito da morte, ele incarnou a incomensurável dimensão da alma humana. Durante 18 meses arrastou consigo o ferrete da morte anunciada pelo cancro que manteve sempre no mais secreto sigilo até aquele dia em que editou o seu último álbum premonitório Blackstar,  8 de Janeiro, vindo a falecer em 10, mas a morte, só anteontem, 11, foi dada a conhecer ao mundo. A força anímica com que gravou o videoclip em que aparece na figura bíblica de Lazzarus, redivivo na “tumba” de uma cama de hospital, evidencia a síntese do homem-espectáculo (com 50 anos de carreira e mais de 140 milhões de álbuns vendidos) envolto no sudário do homem-mistério, a definição que revestiu toda a sua vida.

Três dias após a sua morte, aos 69 anos de idade, aqui presto aminha homenagem e o preito de gratidão pela esteira de luz que nos deixou. “Nunca mais vai haver David Bowie, escreveu um seu admirador. Mas vai haver sempre quem aprenda com ele a ser não só aquilo que é mas aquilo que gostaria de ser”. Levaram-no aos braços dois geniais companheiros de jornada, Paul Bley, pianista e compositor, e Pierre Boulez, compositor e maestro, que recentemente nos deixaram
  Envolvo na mesma homenagem duas memórias eternas da cultura portuguesa: Antero de Quental e Fernando Pessoa. Do primeiro, escreveu Eça de Queiroz: “Antero tinha alma para sete famílias”. Embora noutro registo, bem poderia escrever-se igual epitáfio sobre a lápide de David Bowie.
De Pessoa, conhecemos a genialidade --- diria também “extraterrestre” --- dos seus heterónimos. Descobrindo o misterioso caleidoscópio a que se reconduzem  a vida e a obra de David Bowie, estamos seguros de afirmar que  ele corporizou em carne viva --- e não só em páginas de laboratório --- a abissal heteronímia da condição humana.

13.Jan.16
Martins Júnior

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Apagaram-se as luzes das cidades…


                                                                  COMEÇA AGORA


                 O


         ANO NOVO
               

E tudo a noite varreu. Quando digo “noite” quero significar esta mesma noite de 11 de Janeiro de 2016. Quem assomar à varanda  do Funchal  não poderá deixar de bradar  às portas da cidade: “Que vendaval passou por aqui, que monstruoso avejão veio apagar com asas negras a beleza estonteante que milhares de lâmpadas projectavam desde o dorso das encostas até  ao seio largo da nossa baía?... Onde a magia multicolor que vestia os braços das árvores, onde os anjos opulentos de brancura imaculada, onde o véu de filigrana que pendia do alto das nossas ruas?... E para chegar mais perto do sonho, onde pairam as volutas inebriantes  de fogo  em catadupa que iluminaram a ponte móvel traçada na amplidão do firmamento entre 2015 e 2016?...
Hoje, tanto no Funchal como nas restantes sedes de concelho da ilha, bem poderia dizer-se que, após a prolongada terça-feira do carnaval natalício, apresentou-se mais depressa a antecipada quarta-feira das cinzas.. Acabaram-se os foguetes nas ruas e as máscaras dançantes das “Boas Festas, Feliz Ano” que, à falta de assunto, serviam de senha entre conhecidos e desconhecidos em cada esquina da cidade. Tudo voltou à penumbra, tudo como que se rendeu à solidão prosaica do quotidiano sem côr. Cabe aqui voltar a ouvir Sérgio Godinho na transição da terça-feira para a quarta-feira dos trapos e cacos e contradições.


Mas eu é que não vou por aí. Bem ao contrário. Ao bater com o rosto nas rugas da nocturna velhice da cidade, descubro que é agora a minha vez de abrir o verdadeiro Ano Novo. Até ontem, não era minha mas alheia a magia que me inundava a vista. Não era vivo o sonho, era breu pintado de estranho verniz. A nenhum de nós pertencia  a brancura  esvoaçante dos arcanjos luminosos.
Mas agora chegou a minha, a nossa vez. Todo o verde que germinar à beira do caminho será fruto  do  que  semearei na prosa dos ventos. Toda a beleza escrita no graviti  da minha estrada terá a marca do sangue das minhas veias. E todas as espirais do sonho a haver  sairão do meu suor e do meu talento, tenha ele a medida que tiver. Agora é a minha… a nossa vez!
Gosto de viajar no fio desta noite que me desperta para a madrugada que eu próprio abrirei na ponta da escuridão. Até agora, era forçoso recorrer às geradoras mecânicas, inacessíveis às minhas mãos, para acender lanternas fátuas na cintura das cidades. Doravante, sou eu mesmo a central viva, inesgotável, produtora da energia que fará reviver paisagens e corações. Sobretudo, nesta hora em que outras mãos iguais às minhas já começaram a abrir clareiras de um “tempo novo”. Chegou a tua, a minha, a nossa Hora!
  Apraz-me transcrever aqui as estrofes finais do inspirado poema desse imorredoiro monumento da poesia brasileira, MANUEL BANDEIRA,  quando descreve os ritmos alucinantes das figurantes nos corsos carnavalescos e termina com a interiorização da verdadeira alegria, a qual aqui pretendo corporizar no Ano Novo de 2016. Ei-lo:
………………………………………    
“A turba, ávida de promiscuidade,
Acotevelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.

Nós caminhávamos de mãos dadas…
Dentro em nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
— A profunda, a silenciosa alegria...”

11.Jan.16

Martins Júnior

sábado, 9 de janeiro de 2016

PARA QUE NÃO SE DISSOLVA O CASAMENTO DE HÁ TRINTA ANOS

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A festa do nascimento quão diversa foi  da do trigésimo aniversário!
Aquela, toda ela feita de sonho e misticismo, sob as ogivas do mosteiro quinhentista erguido em honra das Descobertas, com discursos apologéticos de primeiro dia de núpcias. Esta, mais cautelosa, talvez doída de sofrimento por se achar traída e  amachucada ao longo de 30 anos de percurso…
Refiro-me à comemoração, ontem, das três décadas de adesão à Europa, no mesmo histórico Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Assisti à primeira  (a assinatura do contrato de adesão em 12 de junho/1985, com entrada em vigor no dia 1 de janeiro/1986) e ainda guardo o cheiro a incenso que se evolava das timbradas vozes do septeto gregoriano deambulando sob as arcadas do velho convento que, então se me assemelhavam às caravelas de outrora na conquista de novos mundos.
Mas ontem os panegíricos transformaram-se em ondas suficientemente batidas na falésia europeia  para se perceber que a canção era outra: de repúdio pela invasão da nossa soberania, de protesto contra o confisco do pão a que temos direito. Que outro sentido tem a proclamação clara e sonora do Primeiro Ministro de Portugal: “Pertencer à Europa não significa estar subjugado ao pensamento único”?!
Esta subjugação tem um nome: austeridade. Austeridade que é desumanidade.  Crueldade. São muitos os economistas de renome, um deles Paul Krugman, Prémio Nobel; sociólogos da estirpe de Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni (no seu livro escrito a quatro mãos  Estado de Crise) todos a apostrofar o capitalismo financeiro dominante no planeta e, por consequência, na casa comum da Europa, onde o “poder está globalizado mas continua a aplicar políticas locais, individualistas, ‘paroquiais’, como dantes”, em vez de tornar global a política que a todos deve servir equitativamente.
Na lua-de-mel europeia em que os especuladores carreavam toneladas de sacos de  euros para os países mais frágeis (e pensavam estes que se tratava de uma generosa dádiva) um amigo meu observava: a estratégia é maquiavélica e consiste, primeiro, em empresar, dar às gavelas, engordar a rês, para mais tarde caçá-la à mão, tal como os bancos que facilitam a compra de casa para, depois, absorver casa e dinheiro”.  Malditos agiotas, piratas dos offshores, sem escrúpulos, que “bebem o sangue fresco da manada”,  comem às dentadas a carne mirrada de um povo carente. Essa gente consegue ser mais assassina que os jihadistas de rosto coberto. Escondidos nos antros da banca clandestina (legal, mas visceralmente imoral) amontoam paióis de armamento sofisticado, o dinheiro, com que matam os pobres indefesos. Mas cuidem-se (!) porque se os seus cofres estão blindados, as suas vidas não estão seguras! Sinais dos tempos…
Foi assinada a união territorial, tenuemente política, mas onde está firmada a união económica, a união bancária, a justiça distributiva? Chegou-se até ao cúmulo de serem os próprios campeões da agiotagem, o FMI, a reconhecer que a austeridade foi longe demais e nada resolveu.  Pelo contrário, agravou a catástrofe iminente. Empobrecemos. Perdemos a dignidade.  É a “sociedade líquida”, de que fala Zygmunt Bauman: “dos que vivem nesta precariedade continuada, sem saber se a sua empresa vai funcionar ou se vai comprar outra, sem saber se amanhã vai para o desemprego, saber se lhes pertence o que tanto lhe custou”.
Estas turbulentas incógnitas não têm outro intento senão o de alertar-nos a todos para a contida veemência do discurso do Primeiro Ministro contra uma “Europa de pensamento único”, possessiva, asfixiante, sem dar um palmo de pertença aos países membros afogados pelo garrote financeiro. É preciso deixar de ser o “bom aluno”, o boi-mudo, subserviente, à espera de um lugar na cúpula do poder central, como ignobilmente fizeram conhecidos malfeitores políticos deste país. Em boa hora, Portugal mudou de rumo. Oxalá que Espanha, Itália, Grécia (e outros que ainda estão na primavera falaciosa das dádivas europeias) despertem para a dignidade da sua soberania e lutem arduamente sob a tarja imponente que a todos deve mobilizar: NÃO ESTAMOS À VENDA!
Antes que todo o edifício venha a ruir.

9.Jan.16

Martins Júnior