segunda-feira, 31 de agosto de 2015

HOJE É DIA DE SER LIVRE! --- DIA MUNDIAL DO “BLOG”

 
    Hoje é Dia de Ser Livre!
 Há dias para tudo. Assim convencionaram os usos e costumes: o Dia de ser Bom (será o Natal), o Dia de Amar (será o 14 de Fevereiro), o Dia da Paz (1 de Janeiro), o antigamente designado “Dia da Raça” (10 de Junho) o Dia  da Criança, do Idoso e até do Direito à Preguiça,  tantos tantos que os 365 dias do ano ficam sobrelotados e obrigados a se desdobrar ou triplicar de apelidos, uns para bem, outros assim assim..
         Mas hoje é Dia de Ser Livre. É a liberdade reconquistada, um novo Abril, Revolução Global, em 1999, quando a Pyra Labs derrubou os monstruosos  fantasmas  “pré-históricos”  da Informação e abriu o Caminho da Liberdade a todos quantos se sentiam  aprisionados nas grades dos poderosos  manipuladores da opinião pública. Falo, como é evidente, do Dia Mundial do “Blog”, comemorado em  31.08, dizem que pela verossemelhança gráfica  entre os dois termos justapostos.
         Foi esse um histórico “Grito do Ipiranga” contra os magnatas das finanças, os banqueiros,  os regimes autoritários e austeritários, as instituições da Santa Aliança sacro-política, enfim, todo esse travestido “Estado Islâmico” de muita informação, que esconde criminosos, mata inocentes, fabrica ídolos  pés-de-barro,  depõe reinos e entroniza  sabujos serventuários  pela mão de muito escriba entregue ao sistema, a troco de  um “prato de lentilhas” e de “um par de sandálias”. É que, de outro modo, serão eles, os  sérios formadores do leitor,  quem figura à cabeça  da lista candidata ao desemprego. Não é preciso nadar fora do ilhéu para pescar  exemplares espécimens.
         A singular descoberta do “Blog” sobrevoou a mediocridade reinante no planeta dos anões e entregou aos mortais o fogo purificador, a arma higiénica  para  a desinfecção do pantanal informativo dos vários continentes.
         Dir-me-ão que o “Blog” serve também de húmus produtor de viroses, inutilidades infestantes, desmandos adúlteros da verdade. É certo. Mas, ao menos, tens na tua mão o poder de combatê-los em campo aberto, na praça pública, no átrio dos gentios. Ninguém te pode mais amordaçar. Já não tens de desembolsar somas vultuosas (como a mim me aconteceu, tantas vezes) para desmontar impropérios e calúnias que os órgãos oficiais e oficiosos do poder político-financeiro e eclesiástico tentaram  enxovalhar-me no bucho deste mafioso felino deitado, em que esses tais transformaram a ilha,   embebedando uma população indefesa, prisioneira atávica de 740 Km2 de terra e outras vezes mil milhas de obscurantismo forçado.
         E mesmo que certas  derivas do “Blog” resvalem para labirintos de duvidosa higiene mental,  eles acabarão por diluir-se, inanes,  no inelutável processo da selecção natural.. E aqui também há-de reconhecer-se o princípio geral da jurisprudência que “mais vale mandar absolvido um criminoso  do que condenar à cadeia um inocente”.  Haverá  sempre um atalho por onde possas alcançar  o alto da colina e  aí erguer, brilhante e liberto, o facho da Verdade.
         Tarde descobri este instrumento ímpar de comunicação. Talvez  por cepticismo ou inércia interpretativa. E por isso também decidi fazer jus  a tão singular instituição, lançando ao vento que passa  mensagens  em todos os “Dias Ímpares”,  pela sigla “SENSO&CONSENSO”. Mesmo que nem sempre consiga o  desejado “consenso”,  (o que tenho de aceitar e respeitar, em nome da liberdade constitutiva do “Blog”)  basta-me soltar a alma e a voz, sabendo que  mãos avaras e  olhos enviesados de certos censores internos  arranquem da múmia dos seus interesses pessoais o  pidesco “lápis azul” do ostracismo salazarento.
         Venham mais “blogers”,  juntemo-nos no vasto areópago gerador de discussão, verdadeira Assembleia dos Povos Unidos,  sem muros  cromados nem cadeirais  de veludo,  mas no terro comum da Praça da Liberdade, de onde sai a luz que ajuda a alumiar  os breves caminhos da nossa existência.

31.Ago.2015
Martins Júnior
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N.B -  Era outro o tema que me propusera para hoje. Imaginem: um funeral, há tanto desejado, onde em vez de pranto haverá foguetes a estralejar  na noite madeirense. Fica para amanhã, o primeiro Dia Ímpar de Setembro.

sábado, 29 de agosto de 2015

A ARMADA LUMINOSA DOS FACHOS DE MACHICO – Homenagem aos seus autores de ontem, de hoje e de amanhã


No princípio era a  lava
Sem rumo sem freio
Delírio marinho rasgava
O aquático seio
Da mátria-mária da criação primeira

Depois fez-se dinossauro vigilante
Guardador da fronteira
Da ilha

E o Povo seu
Maior feito fez que Prometeu
Roubou o lume novo
Não do Olimpo de Zeus
Mas das oceânicas magmas sem fundo

Voltou
Trazendo no porão
Tesouros e milagres
Mais que as caravelas
Do Infante de Sagres

Foram  de fogo virgem suas velas
De barbatanas vermelhas
O leme das naus
E de  cantantes  crepitantes  as centelhas
Com que o vento sul varou as quilhas
Até alcançar o dorso
Do dinossauro guardião das ilhas

Mãos rudes outrora já finadas
Sabendo a óleo bruto,  fumo, lama  e chama
Hoje mãos jovens e robustas
Ide correndo
“Per angustas ad augustas”
Compondo  sonata outra de Stravinsky
Que não do “Pássaro”
E sim  da nova, nocturna  e  alada
Armada de Fogo

 Jamais se quebrarão
 Os mastros altos  que a lua cheia
Viu e tocou nesta noite de Agosto

Mais doze  luas virão
E outras tantas marés:
Das cinzas caídas aos pés
Machico aceso, voltarás
Como a Fénix renascida
Da Filha de Tristão Vaz

29.Ago.2015
Martins Júnior

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Nesta noite, para nós, os veteranos, sempre memorável, não resisto ao apelo de outros tempos que sinto ecoar dentro de mim. São os versos que os poetas da Ribeira Seca fizeram, já lá vão quase 50 anos, os  quais tive o supremo gosto de musicar e o Grupo Folclórico de Machico quis incluir no seu reportório.
“Os fachos da nossa aldeia
Já vem dos nossos avós
Eles subiram aos montes
Agora subimos nós
         *
Os fachos na serra
Altos a brilhar
São a voz da terra
Que fala a cantar
 Cantigas de amor
Pão e vinho novo       
Bendito o Senhor
Pela voz do Povo”

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

OS CRUZEIROS-DE-NEGRO VÃO ABALROAR OS CRUZEIROS-DE- LUXO ?!...


Vamos continuar no mar de anteontem. Só que, desta vez, não é o mar suave da nossa baía. Trata-se de um outro, povoado de sereias e tubarões, adamastores e cruzeiros. Por falar em cruzeiros, fico-me a indagar por qual razão deram um cognome tão lustroso quão enigmático ---   um derivado de cruzes e crucíferos --- a essas majestosas  cidades flutuantes em que se passeiam e divertem, como em Las Vegas, turistas de todo o mundo e que enchem os olhos e as ruas da nossa capital.
Cruzeiros --- soa mal este nome a quem lá dentro, nem por sombra, sonha com espinhos e calvários, antes com galáxias no céu e neptuninas musas à borda de água.  Mas há outros cruzeiros que trazem no bojo suores frios, suores de sangue, braços ternos de crianças cujos vagidos podem tornar-se prenúncio de adamastores.
É um mar revolto que ingloriamente  marulha todos os dias dentro de mim. E agora, com  pesadas placas tectónicas à vista que ameaçam as estruturas da Europa, “jangada de pedra” ou madre da civilização.  Mais que subentendido está que é do drama  --- mais do que drama, é tragédia --- que hoje me ocupo e preocupo:  dos, por enquanto,  quatro milhões de refugiados que furam a Europa como túneis sem luz ao fundo, gente como nós, esses que vêm foragidos da guerra, da fome, da insegurança, para quem o preço da vida e da morte  é o mesmo, seja em terra própria,  seja no mar alheio. Ainda que nos apeteça tapar o rosto envergonhado face a tamanha barbárie humana, ela continua a marcha inexorável em direcção à nossa casa, ao sofá do nosso merecido remanso. Até os sumptuosos tronos dos “Cameron’s  e das “Rainhas” seculares, até a nova “raça ariana” que fez tremer o mundo sob o berros do Reich, todos eles  civilizados poderosos   que até há bem pouco tempo se apresentavam como sentinelas de ferro à entrada do Velho Continente, agora mendigam à França que detenha em Calais, as “hordas” dos famintos. E por mais implacável que se revele o ministro alemão das Finanças, vê-se a Senhora Merkel entre a espada dos neonazis e a parede dos “invasores”.
Não vou esquadrinhar novas versões ou perspectivas  --- os analistas encharcam as impressoras e os áudio-visuais de todas as horas --- mas tão só constatar, primeiro, o caldeirão de contradições nas propostas e estratégias possíveis, as quais vão desde a abertura dos países da EU (já está chegando a vez de Portugal),  a assistência humanitária, como corajosamente propôs o Papa Francisco em Lampedusa,  a quem consegue a bóia de salvação para atingir a costa europeia, outros entendem que essa ajuda deve ser prestada nas terras de origem e  ainda há quem considere que a integração dos migrantes na Europa deve ser considerada uma solução ao envelhecimento das nossas populações e uma excelente oportunidade,  porque precisamos de trabalhadores jovens. É o investigador sueco Ruben Andersson que o afirma, ao mesmo tempo que denuncia “ ter-se criado, em torno da crise,  uma indústria que vive do clima de pânico”. Um deputado português no Parlamento Europeu avançou mesmo a solução de estancar a tragédia, não cá, mas a montante, recorrendo à luta armada contra o “auro-proclamado Estado Islâmico”. Enfim, bem poderia Karen Horney    reescrever a sua obra de análise sociológica, “A Personalidade neurótica do nosso tempo”.
Ousaria eu perguntar aos meus amigos: “E qual é a sua posição neste fogo cruzado das mais díspares soluções?
Outro aspecto de série  ponderação é o “ataque” à Europa. São extractos de populações em idade activa, sobretudo jovens a que se juntam crianças, os que aqui desembarcam. Antigamente, falava-se do “perigo amarelo”, mas agora estamos confrontados com a “ameaça” afro-asiática. Será este o revivalismo do Império Muçulmano de séculos anteriores? Esta onda incomensurável, incontrolável, não consigo dissociá-la, mutatis mutandis, dessoutra  em que aqueles a quem os imperadores, senhores do mundo,  classificavam de “bárbaros”, foram esses que minaram e destruíram o inamovível Império de Roma.
A prova do perigo aí está: os países da EU, até então separados  por um centralismo financeiro desumanizante, começam a entender que não há lugar para a dicotomia norte-sul. Não esqueçamos que a nação “non-grata” da EU, a pobre e endividada Grécia, é ela que mais refugiados tem acolhido, em paralelo com a Itália, sendo estes países  a porta estratégica e a fronteira mais exposta à chegada dos migrantes. Serão estes que obrigarão os responsáveis a reencontrar a força semântica e operacional que fez nascer a autêntica União dos Povos Europeus, para que jamais nos assombrem os fantasmas do Holocausto.
Deixo aqui o pensamento de Sylvie Chalaye, antropóloga, Professora da Sorbonne Nouvelle, como paradigma e tentativa de interpretar este fenómeno, de forma optimista e construtiva: “A prova de que a imigração não é conjuntural, como querem fazer crer alguns políticos, está expressa nos movimentos migratórios que são fenómenos ontológicos inscritos na memória dos povos e participam na sua renovação e vitalidade”.
É inegável que, na hora presente,  movimentamo-nos num dos picos anormais, periclitantes, de todo este problema, fruto também de uma injusta globalização. Mas não há outro caminho. Sob pena de que algum dia os  “cruzeiros.de-negro” venham  abalroar  os “cruzeiros-de-luxo” em que os europeus têm a ilusão de navegar. É no abraço comum que se agiganta a bandeira global do Homem, forçoso migrante do Planeta.

27.Ago.2015

Martins Júnior

terça-feira, 25 de agosto de 2015

NAVEGANDO NA COSTA DO PORTO DA CRUZ…ATÉ AO MAR DA GALILEIA!




Nascido no mar, é lá que navego. Em todos os mares. Mas evito navegar à bolina, terra à vista. Prefiro o largo, o vasto oceano, de onde se abarca a linha sempre mais longínqua do horizonte e nos dá a leitura multiforme e serena de toda a  envolvente. Isto, para repetir que não me movem os  relâmpagos da “Última Hora”, os  episódios fortuitos, presa fácil para quem lhe escasseia  a visão holística da realidade. Mas hoje, vou embarcar junto à falésia da nossa costa, mais precisamente, mais a norte, a terra  onde nasceu a “estrela” que neste dia ilumina a comunicação social, particularmente a madeirense. Trata-se de uma nova, Boa-Nova, não tanto para quem a  observa à vista desarmada, mas sobretudo pelo brilho invisível que ela transporta.
É a notícia de que um madeirense foi nomeado Bispo de Setúbal.  
Um troféu de pódio, com direito a hino e fanfarra de libré, dirão  os  que definem as festas pelo batente do foguetório. Ou os que interpretam os títulos hierárquicos da Igreja como os galões que separam os sargentos dos oficiais, ou as “estrelas” que deixam para trás os ombros dos coronéis e saltam para as mangas dos brigadeiros e generais. Mas tenho a certeza  que o tonsurado e simpático sacerdote, Prof. Dr. José Carvalho, agora promovido à mitra episcopal, não  adormece nesse “dolce  farniente”  com que o vulgo se habituou a ver as promoções a bispo, idênticas às “ordens de serviço” dos mundanos galardões militares.
Não vou referir-me ao ilustrado filho deste concelho, dada a minha insuficiência de meios nesta matéria. Apenas e tão-só reflectir sobre uma instituição que, ao longo dos séculos, tem sido um sinal de contradição,  tais as vicissitudes e as manipulações  com que a violentaram os negócios do poder,  travestidos de piedosos  vernizes sacros.
Remontando aos primórdios do Cristianismo, o bispo  ---  escreve o Grande Apóstolo   Paulo de Tarso ao seu colaborador Timóteo --- deve ser um homem irrepreensível, marido de uma só mulher, vigilante, sóbrio, hospitaleiro, apto a ensinar …não espancador, não cobiçoso de torpe ganância,  não avarento…Que governe bem a sua casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia…Porque se alguém não sabe governar a  própria casa, como  terá o  cuidado da igreja de Deus? “ (I Timóteo, 3, 2-5).
Eis o cartão de identidade, eis a mitra, eis o anel, eis a cruz peitoral e o báculo do verdadeiro bispo da Igreja. Ao sopesar cada qualificativo e ao cotejá-los com o figurino oficial dos  bispo de hoje , quão distantes e quão ridículos estes  se nos apresentam: solteiros, neles  a sobriedade é um palacete, a cruz peitoral não passa de um simulacro de cordão de noiva casadoira, o báculo de pastor ( que deveria ser “hospitaleiro“ …” não espancador”)  transforma-se num reluzente chicote castigador em cima das “ovelhas” que lhe cheiram a terra e a autenticidade… E em vez do crânio descoberto, iluminado, “apto a ensinar”, encaixam-lhe uns altos barretes cravejados de jóias e filigranas de ouro que, em bando, mais me parecem os indecifráveis capuzes dos KU Klux Klan.
A verdade é que são de uma eloquência retumbante as exigências identitárias que Paulo traça para o verdadeiro “episcopus”, o que não dorme ao relento, mas fica sempre “vigilante”  para trazer ao aprisco todo  o rebanho. Não há comparação possível. Qualquer dissemelhança é a pura e dura realidade!
Por isso que, até ao século V, os bispos e presbíteros eram escolhidos pela comunidade…”tomados de entre  os homens e constituídos  em favor deles ...e que possam compreender ternamente os ignorantes e errados, pois que eles mesmos também estão rodeados de fraqueza”  (Carta aos Hebreus, 1-2).  Que profundidade! E que genuíno reconhecimento da condição humana, gerador da mais  sã e transparente humildade”!
Recordo o vigoroso  Santo Ambrósio, bispo de Milão, que ao Imperador Teodósio proibiu de entrar na catedral por ter mandado o exército invadir e saquear uma população indefesa. Recordo,  por junto,  Inácio de Antioquia, Atanásio, João Crisóstomo, para quem era imperativo inadiável o pensamento  paulino:  “O que sobra na mesa dos ricos é o que falta   e pertence à mesa dos pobres”.
      Mas tudo se alterou, a partir do século V. Os papas rivalizaram em luxo e poder com os reinos do mundo: a Igreja tornou-se imperialista e, como diz o maior teólogo vivo, colega de Ratzinger na Universidade de Tubinga: “A Igreja, de perseguida passou a perseguidora” (“O Cristianismo: Essência e História”.).
         Nada tendo a ver com aquele que queria ser missionário e foi agora nomeado a Grande Missão em Setúbal, manda a verdade citar aqui a denúncia corajosa de um grupo  adstrito à Cúria Romana, sob o pseudónimo I MILLENARI: “a Igreja não pode continuar com o mesmo critério mesquinho e arbitrário de recorrer a certos sacerdotes, quase sempre carreiristas e intriguistas, considerando-os no dia seguinte habilitados e capazes de exercer a arte de ser bispo, tendo por trás a indicação e a complacência de quantos contratualizam o sucesso do seu benjamim” …(“Via col vento in Vaticano”, em tradução portuguesa “O Vaticano contra Cristo”, pág. 126).
         Até onde nos levaria este  caminhar por entre uma floresta de dois mil anos, enigmas, desvios, avanços e recuos?! Mas paro aqui, pressupondo que muitos amigos e colegas dos “Dias  Ímpares” já pararam  a meio deste escrito.  Hoje achei oportuno navegar à bolina, perto de nós, com os nossos.  Com o novo bispo que, assim esperamos, configurar-se-á, na parte aplicável,  com o protótipo do “episcopus” traçado por Paulo de Tarso. A garantia desta esperança não podia ser melhor: quem o nomeou foi um verdadeiro bispo, o de Roma, Francisco, um Papa Cristão, como sabiamente o classifica  o teólogo Anselmo Borges.

25.Ago.2015

Martins Júnior

domingo, 23 de agosto de 2015

CANTAR, CANTAR SEMPRE “GRACIAS A LA VIDA”





Em se aproximando Agosto do porto da amarração,  a ilha  baloiça, encanta e brilha, como caravela engalanada, da popa à proa, de bombordo a estibordo, como em dia do iniciático  baptismo marítimo. São as festas que cruzam a ilha, de lés-a-lés. No tanto que há para ver e sentir, hoje posto-me diante dos palcos, uns mais barrocos e vistosos, outros modestos,  mas todos comunicativos. E o comunicador aí está em grande angular, microfone em punho, distribuindo cordões de mimos e notas de funcho verde  por todo o anfiteatro que o envolve.
É para eles, os animadores musicais, que dirijo a minha atenção e o meu aplauso. Atenção para poder distinguir gato de lebre e aplauso genérico pelo empenho com que uns e outros se esforçam por alargar o perímetro do recinto festivo dando o melhor de si mesmos a quem vai buscar à festa um suplemento de optimismo e, por que não,  uma fuga às dissonâncias do  real quotidiano. Relevo aqui, portanto, não a chocarrice e a brejeirice de certos encartados do sistema arraialesco que, se não têm barbas, têm bigodes ( o povo gosta…) mas tão só a “oferta” militante dos que se apresentam em palco. É justo prestar-lhes audiência porque, além dos, muitas vezes, simbólicos  honorários auferidos, nunca se sabe o esforço que fazem para embandeirar a festa. Talvez que a euforia que transmitem cá fora não bata certo com a que trazem no peito.
Falo assim, ao constatar a notícia do grande artista madrileno  El Cigala, de  nome próprio Diego Ramon  Jimenez  Salazar,  no seu recente concerto em “Hollyood Bowl”, Los Angeles, e de que se fazem eco as redes sociais e, sobretudo, a imprensa espanhola. Antes de entrar em palco, murmurava  “No puedo, no puedo … qué barbaridad, qué barbaridad”. No entanto, recompõe-se, entra em palco. E a saudação eufórica: “Como estou feliz por compartilhar com tanta gente boa a boa música. Tanto eu como os meus companheiros estamos felizes por estar aqui, Thank you,  very much”.
Certamente perguntar-me-eis que há de extraordinário nesse comportamento bipolar?
Poucas palavras:  
A  esposa, Amparo Fernandez, com quem vivera 25 anos e lhe dera dois filhos, tinha morrido  poucas horas antes.  Durante os  seis meses  de luta fatal contra o cancro num hospital da Republica Dominicana,  Ela, Grande Mulher,  já lhe tinha pedido que não deixasse de cantar e,  passara lo que passara, nunca abandonasse  os  palcos, mesmo  no dia da  sua morte.
Comenta o autor da reportagem: “El Cigala portou-se como um profissional com letras maiúsculas. Não houve sequer o mínimo  desabafo final que desatasse em comoção. Deixou de lado a sua pena para dar sabor à vida dos demais. Entre linhas tinha escondido a sua dor.”  E a canção final, por sua opção, teve por título “Gracias a la vida”.  O público  aplaudiu sem que de nada se apercebesse. El Cigala, seguiu de imediato para a Republica Dominicana, onde será incinerada Amparo Fernandez,   na mais íntima  privacidade, em Punta Cana, “su paraíso de paz”.
É por episódios como este, que tenho muito respeito pelos profissionais do palco, pelo seu despojamento interior, pela incondicional fidelidade ao seu papel, passara lo que passara,  tendo de sufocar muitas vezes problemas e angústias pessoais para oferecer ao público a alegria de que, lá dentro, estão carentes. Em Portugal, conhecemos exemplares idênticos, com artistas de renome nacional.
Mas, para lá destes cenários dramáticos, rendo também a minha homenagem a todos esses grupos, profissionais ou amadores, bandas de garagem e afins que dão o seu melhor esforço para promover valores, dos bons,  dos promissores,  que  fazem  desabrochar  a canção inata que a terra tem.  Cabe aqui uma palavra  de apreço ao meu amigo, Professor José Alberto Reis, protótipo deste empenhamento, que através dos seus programas, entre os quais o saudável e desinibido “Musicas do Arco da Velha”,  tem levado  por toda a ilha   um apreciável  e diversificado elenco de artistas autodidactas, todos eles marcados  pelo voluntariado cultural, dirigido não às elites classistas mas aos mais recônditos espaços da Região, onde os esperam populações  anónimas, merecedoras da arte dos sons.
Nesta minha saudação envolvo sobremaneira os que põem o Povo a cantar, as suas romarias, o seu versejar, a sua coreografia original. Seria sumamente desejável e incentivável  (passe o neologismo) que as festas não fossem apenas um entreposto de importação acústica  mas também um filão da mais genuína criatividade popular.
Viva a festa!...
Festa do Povo
Do Povo que trabalha
E faz o mundo novo.

23.Ago.2015

Martins Júnior

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

TURIFERÁRIOS = CAQUINHOS DE INCENSO = LAMBEBOTAS = SABUJOS


Há quanto tempo não via este estranho e divertido vocábulo: Turiferário!  Talvez há uns 50 ou 60 anos. Ao consultar a apreciação crítica do livro, fortemente polémico,  Le Travail et la Loi, de Robert Binter e Antoine Lyon-Caen, o analista enuncia a série de opositores, entre os quais, os próprios “turiferários”  do  seu, outrora,  professor na Faculdade e agora seus acérrimos críticos.
Não é do conteúdo do livro que me ocupo hoje, mas da curiosa designação dos “turiferários”. Quando muito jovem, era assim que se designavam os acólitos dos grandes cerimoniais e dos solenes cortejos processionais, os quais tinham por ofício transportar o turíbulo onde o presidente do ritual lançava o incenso, produto do arbusto classificado como “turífero”. E lá ia o turiferário abanando de um lado para outro o turíbulo que tilintava de encontro às “cordas” prateadas que o sustentavam.
E quem não observa,  presencialmente ou via TV, esta encenação primitiva nas solenidades litúrgicas dos nossos arraiais?... Pela minha parte, acho mais um resquício das míticas fórmulas orientais, espectáculo para os olhos e para as fossas nasais, lembrando a atmosfera onírica dos magos e feiticeiros, os cheiros inebriantes das ruelas indianas e, no limite, os perfumes afrodisíacos dos corredores de duvidosa frequência.
Passado este aparte interpretativo, volto ao ofício de turiferário, o portador do  turíbulo,, o incensador. E, mesmo em férias, chega-se  facilmente a esta hilariante conclusão: afinal, incensadores, bajuladores, oportunistas, lambe-botas, enfim, nunca os houve tantos como agora. Basta ler a voz do povo, habilmente compendiada no poeta algarvio António Aleixo: Engraxadores sem caixa/  Há aos centos  na  cidade/ Que só usam da tal graxa/ Que envenena a sociedade.
Na politica, eles acham o seu habitat natural: hoje, beijam os pés encardidos do “chefe” que lhes dá leite e mel, o posto, o cheque clandestino, envolvem-no em nuvens de incenso, (Yes, minister)  mas amanhã chutam-no à valeta, despem-no na praça pública e correm logo a segurar o cadeirão do poder. A Madeira é um  exímio exemplar da raça turiferária.
A hierarquia clerical é outro misterioso antro para turiferários hipócritas, rapa-sotainas, que vão comendo à mesa de Deus e do Diabo, para ascenderem ao ridículo canonicato, ao engordurado bispado, ao principesco  cardinalato e, daí, ao papa-léguas do império  papado. A história da “Santa Aliança”  e Le Rouge et le Noir, de Stendhal estão  aí  publicados, para quem quiser constatá-lo. Só “de séculos-a-séculos” lá aparece um desses purpurados, isento e transparente  (é o nosso tempo)  exposto mais cedo ou mais tarde  à maledicência  e à traição dos que lhe acariciavam o anel e o polvilhavam de incenso.
No jornalismo, nem falar: os que se dizem independentes, tão independentes como o “irrevogável” das feiras, bem retratados pelo  escritor-sociólogo Eça de Queirós na figura do Palma Cavalão, director da “Corneta do Diabo”, essa coisa sebácea e imunda como ele --- esses, cuja pena e papel são  feitos de alambiques de jorra e notas de cinco mil euros…
        Leia-se Molière, no seu Tartufo, para entendermos quão intemporal é  a geração dos corcundas do reino, dos mafiosos caninos, dos “toupeiras”, dos “lagartixas”, sedentos de chegar a jacarés, à custa dos mais vis estratagemas,  melífluos, afrodisíacos,  judas calculistas, de beijo armadilhado para  espetar o punhal  nas costas do seu mestre, do seu colega, do seu familiar… a troco de trinta dinheiros. Raça de víboras, chamou-lhes o Mestre.
É de tudo isto que  me lembro ( e também das vezes que, outrora,  me puseram  nas mãos um turíbulo  nos pontificados da Sé Catedral)  lembro-me de tudo,  ao ver esse, para mim, ridículo espanador de incenso com que os turiferários do templo vão perfumando ou profanando  os altares dos arraiais  nesta quadra  cerimoniosa  do nosso divertimento.
E viva a festa!  Queime-se incenso, como se queimam foguetes…
    
         21.Ago.2015

         Martins Júnior

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

QUANDO A COR DOS SONS ESCREVE AS PAUTAS DA HISTÓRIA …


“Vamos p’rá festa…P’rá  romaria”!
É o que está a dar nestes fins-de-semana de Agosto, com música  a rodos, ora embalando ora levantando ao rubro a ilha a, de lés-a-lés.. Umas vezes é ruído, outras é bálsamo, outras é saudade, romantismo e, nalguns casos, é verve, incitamento à rebeldia e à violência, senão na raiz, ao menos na  colheita final da vindima arraialesca.
Desde os mais remotos tempos, a música transmite o legado de um Povo: é o linguajar, á a dança, o ritmo, o conteúdo, enfim, aquilo a que costuma designar  pelo genérico de “folclore”. Diz-me qual a tua canção e eu dir-te-ei tal o teu coração, a tua sensibilidade, a tua génese e, tratando-se de um Povo, tal a sua história. Insisto naquela tecla que já aqui vos trouxe: cada povo tem a música e a letra que merece.
É neste registo que vou reafirmar a singularidade de um Povo nado e criado entre as franjas do suburbano e a ruralidade mais extrema. Um Povo que tem vivido as suas festas ao ritmo da linha evolutiva da sua história, fidelizando a tradição e , ao mesmo compasso, desenhando os “graves e agudos”, os “adágios” e os “pizzicatos”  que o quotidiano da  vida colectiva vai compondo. Pode, pois, dizer-se que a história de um Povo não é apanágio exclusivo dos narradores/historiadores. É também obra  incisiva, marcante, dos músicos. Assim se desenrolam   os estilos musicais, desde o primitivo visigótico, o gregoriano, o  românico, o clássico, o barroco, o modernista.
Nos quatro CD’s já editados e que reproduzo em epígrafe, estão plasmadas as páginas de um agregado populacional, denominado Ribeira Seca.  Sem quaisquer fumos publicitários, a verdade é que não conheço nenhuma outra comunidade na Madeira, ao menos, que tenha compendiado em verso, dança e som a trajectória do seu Povo, numa mensagem ecléctica que vai desde as origens, os dramas, as resiliências até às vitórias, alegrias e vivências religiosas do passado e do presente. Quem quiser estudar o historial da Ribeira Seca basta abrir os CD’s que logo terá uma visão panorâmica de teor informativo completo.
Não vou descrevê-los , um a um, exaustivamente,  mas tão-só abrir o pano de cena e mostrar em palco sonoro o MACHICO TERRA DE ABRIL, repositório dos antecedentes sociológicos e culturais que fomentaram o espírito dinamizador da Revolução dos Cravos em Machico. De seguida, o VIVA A VIDA  ( A Fé cantada na igreja da Ribeira Seca) onde se exprime a espiritualidade deste Povo, a sua interpretação pró-activa de uma crença amassada com  o suor do seu rosto, sublimada pelo apelo  de um Cristo, Irmão Libertador, que nos puxa urgentemente para a construção de um mundo justo. Depois, a TERRA DA MINHA SAUDADE  desbrava o património ancestral da terra, as vindimas, as levadas, os tecidos feitos ao tear, a emigração e, enfim, a jubilosa elevação a cidade daquela que foi a primeira capitania da Madeira. O mais recente, A IGREJA É DO POVO – O POVO É DE DEUS ,  o mais expressivo em termos históricos e o mais veemente concebido no rescaldo dos atentados  da hierarquia diocesana contra uma população indefesa, episódios vários, sobejamente conhecidos na Madeira e no continente, que envolveram forças policiais e outros requintes da  regional-inquisição político clerical, que não podem ficar na tumba do esquecimento. Não é por acaso que a comunicação social madeirense reteve e retém os conteúdos deste, por enquanto, último trabalho. Digo “por enquanto”,  porque outros já estão na forja prontos a ver a luz do dia.
Em tempos do arraial ilhéu que tinge toda a Madeira, convém esclarecer que todas estas produções musicais trazem a chancela  da população local, autora dos versos, as quais eram exibidas ( e ainda hoje o são) nas festas locais, constituindo o núcleo central do programa lúdico-cultural das atracções, a cargo de crianças, adolescentes, jovens e adultos que fazem do palco o livro aberto, o Manual-síntese da História da Ribeira Seca.
Apetece reproduzir aqui a belíssima composição de Pedro Barroso, cantada pelo próprio, nos alvores de Abril, em terras de Machico:  :

Lutas velhas,
Canto novo
Que a resistência de um Povo
Também se cria  a cantar.

19.Ago.2015

Martins Júnior

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O DIA DAS “SETE SENHORAS” – SETE HETERÓNIMOS – SETE FIGURINOS:


Podia perfeitamente multiplicar todos os sete títulos por “setenta vezes sete” que não chegariam para pintar as variadíssimas maquilhagens com que a devoção popular pretende “ver” a mesma e única Senhora. E são tantas e de tantas sensibilidades que nos transportam ao mítico Olimpo dos deuses. Uma das mais pitorescas metamorfoses da Senhora tem direitos de autor no Funchal e dava pelo nome de “Nossa Senhora do Calhau”, por ter sido  a sua capelinha edificada, já lá vão cinco séculos, no “calhau” da nossa cidade, a qual, destruída pelo mar,  veio a ser substituída pela igreja do Socorro ou, primitivamente, de Santa Maria Maior.
Não sei se suscitará algum interesse esta minha digressão à volta da Madeira e Porto Santo, anteontem, 15 de Agosto, cognominado popularmente o “Dia das Sete Senhoras”. É um tema que tem tanto de lúdico como de sério. Tanto de mágico como de ridículo.  É tal a torrente de  elucubrações  e derivas as que jorram desta nascente de inspiração popular, que não conseguirei catalogá-las nesta breve missiva. Sendo, desde sempre, uma preocupação minha, o que me levou a partilhá-la convosco, nesta época de veraneio, foi o artigo do antropólogo e teólogo  Manuel  Mandianes, em “El Mundo”, intitulado: Fiesta, entre el rito y la provoción.

Para mim, enquanto espectador, é uma insistente dor-de-cabeça entrar neste intrincado labirinto de Creta e descobrir o como e o porquê de tantas roupagens atribuídas à mesma e única Senhora, como se fora actriz de novela, sobretudo quando me concentro na personalidade (humana e excelsa)  dessa humilde Mulher palestiniana.
Na minha declaração de interesses, juro que respeito todas as criações imaginativas da interpretação popular, sendo certo, porém,  em primeira mão, que a mentalidade nativa tem uma apetência incontrolável para a novidade, o estranho, o mágico. E corre desabridamente atrás da notícia, quanto mais mítica mais apetecível. Tenho a impressão de que se se propalasse a “notícia” que Nossa Senhora tinha aparecido nas serras do Caramujo, pois as gentes deixariam no deserto as noventa e nove ou as setenta vezes sete devoções e saltariam por aí fora em demanda de outra Senhora milagreira., que, para tal chamar-se-ia Nossa Senhora do Caramujo, ao lado de Nossa Senhora do Calhau.     
É para mim motivo de sérias incógnitas a particularidade ínsita no “nacionalismo religioso” que leva cada país e  cada lugarejo a descobrir  e colocar no mastro alto da sua bandeira um ícone específico da terra a que pertencem  E quando, logo depressa, acode o “nacionalismo político”, aí temos o grande trono onde se espelha a matriz patriótico-religiosa de uma nação. Em França, Lourdes;  no México, a de Guadalupe; em Itália, a do Loreto; no Brasil, a da Aparecida e, entre nós, Fátima, originariamente nome da filha de Maomé, transformada em “Altar do Mundo”.
Falo assim, dando o benefício da boa-fé a quem a tem,  mas também com a convicção de que o Magistério da Igreja nunca considerou as aparições como conteúdo dogmático em que devamos acreditar, mesmo sem compreender.  Mais me toma e domina o facto histórico de que a Mãe de Jesus é só uma --- MARIA --- e mais nenhuma. Vê-la, reconstituir os seus passos, a sua identidade, estimá-la e amá-la, tal qual Ela  é, isso me basta. Mesmo que não me faça nenhum milagre eu gosto dela, curvo-me perante a beleza e a dignidade do testemunho que nos deixou.  Não troco a realidade pela ficção. E quanto aos heterónimos, chegam-me os de Fernando Pessoa. Quem me dera perguntar a quem soubesse responder: no Além, quantos altares terá a Mãe de Cristo para lhe acendermos uma vela?
E sobre as velas, queria eu saber com quantas toneladas de cera se sente a Senhora feliz? Cinco mil por dia,  com  dizem os noticiários  ter ocorrido em Fátima?... Voltaremos à pré-história dos holocaustos em desagravo da Divindade?... A perna de cera que o crente, na foto, lança à fogueira, confesso que me arrepia, pelo que de traumático me traz à memória de outros tempos!  
Desculpem-me o desabafo, mas não consigo prosseguir mais nesta viagem por entre a densa floresta de crenças, superstições, exageros, que redundam em  ofensas àquela  Mulher, fonte da Grande Causa e seio progenitor de um Mundo esclarecido, exigente e reprodutivo de outros mundos futuros!

17.Ago.2015
Martins Júnior

sábado, 15 de agosto de 2015

CEREJAS VERMELHAS NUM BOLO CINQUENTENÁRIO – ACEITO E AGRADEÇO

(Na entrada para a Missa Nova)

Era bem outro o tema  que me havia proposto trazer hoje à nossa roda de amigos: o popularmente designado por “Dia das Sete Senhoras”, com todo o polivalente recheio que ele sintetiza. Fica para outra oportunidade.
Porque, sem nada fazer por isso, ao fim da tarde  vi-me inundado nesta rede de comunicação pelas muitas saudações e abraços endereçados a propósito dos 53 anos do meu percurso sacerdotal.  Registo e agradeço: entram como ar puro, inebriante, dentro de mim  e saem, enternecidos e calorosos, ao encontro de quem, imprevistamente, mos enviou.
Olhando em retrospectiva, nada de excepcional realizei: foi o amor com que  os meus pais me trouxeram ao mundo  e foi Mestre Tempo --- foi e continua a ser  esta dupla afectiva e cronológica que merece brilhar no vértice da pirâmide que constitui a vida, a minha e a de cada um de nós.
Coube-me ainda  o supremo conforto de encontrar, ao fim de tantos anos, um  novo “Pedro, Pescador” em Francisco Papa, cujos ideais e cujas lutas sempre nortearam os meus passos, desde a primeira hora.
“O caminho faz-se caminhando”, não no vácuo indefinido, mas na mira de um horizonte, sempre mais próximo e sempre mais distante, com a convicção de que sozinhos nunca lá chegaremos. São as palavras e os gestos --- os vossos --- que me acompanham ao longo da picada e são também os espinhos e as armadilhas que outros tecem no percurso --- é neste dialéctico binómio que se arrumam e consolidam os nossos ossos, as nossas veias, as emoções, os sonhos, enfim,  o composto neurovegetativo --- embrulho ou tesouro? --- dos 20, 40, 70, 90 ou mais anos desta viagem datada no calendário da história.
Tal como sucede com os mestres concertistas do piano, a nossa realização pessoal é sempre um concerto a-várias-mãos, tantas quantas nos surgem na partitura breve da vida.
Entrelaço, pois, as minhas nas vossas mãos pela melodia com que me quisestes brindar no meio desta ponte que une o 15 de Agosto de 1962 ao 15 de Agosto de 2015.

15.Ago.2015

Martins Júnior 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

FESTAS DO OUTRO MUNDO: QUANDO A REALIDADE ULTRAPASSA A FICÇÃO


     Quem, ao meio da semana, se dá ao gosto de andar  à roda da ilha fica de olhos cheios de cor e som. De dois a três quilómetros de distância, lá surgem os mastaréus embandeirados, calçados de verde, os policromos plásticos  esticados ao longo das estradas ou abertos em pavilhão envolvente em todo o perímetro do adro e, ainda, o timbre das campânulas sonoras que chegam até  à  paróquia vizinha. Aqui, ainda o cheiro da festa que se despe, acolá o verde tenro da festa que se prepara. E o panfleto pregado às paredes, anunciando as procissões, as girândolas do meio dia, os conjuntos, os artistas lá de fora, quase sempre pimba, os palhaços, as bandas filarmónicas que farão o acompanhamento “às semilhas para a igreja e às ofertas para o bazar”.  Embora   com figurinos ligeiramente paralelos, cada freguesia celebra o orago imprimindo a sua marca  característica também ligeiramente distinta, podendo aplicar-se-lhes o velho ditado, “cada roca com seu fuso e cada terra com seu uso”. O certo é que cada Povo tem a festa que merece . E as festas --- todas elas respeitáveis --- revelam a identidade das suas gentes.
Mas há festas com estórias e, sobretudo, com história. Sumariamente satisfarei a vossa curiosidade pintando nesta tela breve a silhueta das festas profano-religiosas ( são assim quase todas  aquelas a que me estou referindo)   localizadas num meio, antes estruturalmente ruralizado, hoje semi-urbanizado, a Ribeira Seca. Estou certo que nunca ninguém vos contou uma --- esta --- realidade que ultrapassa a ficção.
Antes de 1973-74, quando não tínhamos iluminação pública,  as nossas festas eram alimentadas com geradoras, uma delas do famoso “Soares de Câmara de Lobos”.  Lembro-me de quando chegavam os velhos  motores: miúdos e graúdos acorriam curiosos à volta  das majestosas máquinas,  hoje diríamos as “bombas”, que prenunciavam o arraial.
Com o aparecimento  da energia pública, fruto também do esforço que os moradores fizeram para construir o transformador, tudo se alterou. Foi a magia da luz que se espalhava por caminhos e veredas, num abraço triunfal à aldeia inteira.
No entanto, foi sol de pouco brilho. A partir de certa altura, mercê dos acontecimentos ocorridos com as reivindicações do Povo da Ribeira Seca  (contra o regime da colonia, contra a exploração dos donos dos engenhos, depois, a minha suspensão “a divinis” pela diocese)   nunca mais a EEM deferiu os nossos requerimentos, alegando que a Câmara se recusava a passar a licença do arraial. Esta recusa implicava a proibição de qualquer mastro ou bandeira em caminhos públicos. Mais: os próprios comandos local e regional da PSP também denegavam o policiamento protocolar dos arraiais, apesar dos requerimentos feitos pela comissão de festas. Foguetes, nem pensar. Até eram censuradas as cantigas, as quais tinham de ser apresentadas previamente ao delegado da Inspecção de Espectáculos, sediada na Câmara. A própria “Pide” veio fiscalizar as canções e os bailados dos jovens e adultos.
Então, não havia festa ? --- perguntareis vós. Puro engano! O espírito da festa dava asas à imaginação popular: os mastros eram colocados na berma dos caminhos, mas em terrenos particulares. A luz eléctrica, fomos busca-la às empresas. Primeiro, ao velho “Soares”, depois (não há dinheiro que pague esse favor) por ex. às que operavam no vale do Porto Novo e na ribeira do  Faial. Nunca a Ribeira Seca ficou tão cheia, tão iluminada, em todo o perímetro da  paróquia. Era a apoteose do Povo e o ranger de dentes dos que juraram acabar com as festas da Ribeira Seca. Recordo o ano de 1985, o ano em que a igreja foi invadida  pela polícia. Fez-se na montanha do Barreiro, junto à Levada Nova, a mais alta de Machico, a perfeita silhueta da igreja da Ribeira Seca. Ai!, o esforço denodado dos jovens e  homens fortes que foram transportando, a pulso e durante a noite,  a enorme geradora até ao cimo, onde ficou a brilhar, feerico e altaneiro, o ex-libris do histórico templo. As pessoas choravam, comovidas mas felizes, por verem o que nunca tinham visto.


Quanto ao policiamento, tudo resolvido: homens de idade, os “homens bons” do sítio, de braçadeira vermelha, iam passeando entre as barracas e bares e bastava só a sua presença com a gentileza pura das gentes rurais para que todos se sentissem bem e seguros. Os foguetes, também  houve solução: substituímo-los por milhares de balões coloridos lançados ao meio dia de sábado. E no domingo, um helicóptero veio encher de milhões de pétalas todo o percurso da procissão. As romarias de cada um dos seis sítios saíam do seu lugar de origem cantando marcha própria e duas canções originais (perfaziam dezoito músicas) em direcção ao palco. Outros sítios circunvizinhos (e até um deles, do Caniçal) juntaram-se nesse ano à festa. Dias fabulosos, noites inenarráveis, expressas em quadras como esta, que faz parte de um dos CD´s já editados.

Na festa que o Povo organiza
Há mais alegria e verdade
Por isso trazemos a estrela
A estrela da Felicidade

  Fica, no entanto, uma amarga reminiscência. Foi no Ano Internacional da Juventude. Os rapazes e raparigas, com a ajuda dos pais, construíram um triplo arco monumental na entrada que dá acesso directo ao adro. Eis senão quando, estando tudo pronto e engalanado, surgem duas viaturas policiais  e um camião da Câmara de onde saltaram trabalhadores municipais para abater aquela obra-prima. Os jovens opuseram-se mas, perante a ofensiva repentina da força policial, tipo operação de guerrilha na mata africana, sentiram-se impotentes. Os gritos de revolta ecoavam no vale. E dos gritos passaram às lágrimas visto que --- maquiavélico cinismo! --- os destruidores, forçados pelo presidente da Câmara, eram precisamente familiares dos jovens que tinham construído aquele monumento verde. A esperança fez-se raiva incontida.
         Mas a festa fez-se! Com mais gana, com mais brilho e, sobretudo, com mais união. E cantavam, a plenos pulmões:

Quanto mais afastam a gente
Mais forte e unido
O Povo se sente

É tal o encanto que inunda a memória deste Povo que até nos dispensamos de comentar esse retorno à pré-história,  que os senhores da ilha nos queriam impor. E os senhores da diocese? --- indagará alguém. Bom, esses também fizeram a sua parte de especialidade: proibiram-nos a compra de hóstias. E também de qualquer sacerdote que viesse pregar à Ribeira Seca. Mas, mesmo assim, as hóstias fizeram-se e a Eucaristia cantou vitória.
E digam lá se é verdade ou não que a realidade ultrapassa a ficção?!

13.Ago.2015

Martins Júnior

terça-feira, 11 de agosto de 2015

ALEGRIAS DOMÉSTICAS QUE ESCONDEM “CRIMES PÚBLICOS”

Volto hoje a um daqueles temas que jogam bem com a feliz aragem da silly season (deixem passar esta brincadeira  do anglicismo) embora, confesso, não me agradem  particularmente as “ocorrências do dia” ou as esparrelas da casuística  bisbilhoteira. Mas este é um verdadeiro “caso” que merece a atenção do mais anónimo cidadão, pelo singular conteúdo que traz lá dentro.
Fiquei surpreendido, um dia destes, com dois simpáticos trabalhadores da Empresa de Electricidade da Madeira (EEM) que me apareceram logo de manhã na igreja e queriam saber onde estava o contador geral que alimentava a energia eléctrica do adro da Ribeira Seca. Perante a minha natural e embaraçada estupefacção (tínhamos os pagamentos em dia) responderam: “São ordens lá de baixo”. Mas… E antes que continuasse com outros “mas”… logo esclareceram: “É que recebemos ordem para ligar os projectores à iluminação pública”.
Para muitos,  para todos vós certamente, nada de extraordinário, visto tratar-se de um local público. Mas para nós, foi decididamente um momento de alegria. Doméstica, é verdade. Mas enorme, por tudo o que essa luz, paradoxalmente, esconde no dentro dos postes.
Explico, sem demora, este mini-melodrama, cenas de um teatrinho herói-cómico, em quatro actos:

PRIMEIRO ACTO:
O exterior do templo da Ribeira Seca foi sempre iluminado pelos holofotes que a EEM veio colocar, em 1998, certamente em compensação pelo esforço que o Povo desta localidade  generosamente tinha  despendido na construção do  transformador, sob orientação e com os materiais cedidos pela referida empresa. Como é da praxis normal em toda a Região, os encargos com o consumo de energia do espaço exterior ao templo, neste caso, da Ribeira Seca, por onde passam todos os dias numerosos transeuntes, sempre foi da responsabilidade dos poderes públicos municipais.

SEGUNDO ACTO:
Numa segunda-feira, tristemente famosa, estava eu no gabinete do meu grupo parlamentar no Funchal e atendo  o telefone:” Sabe, os homens da Casa da Luz já rebentaram os cabos do adro e levaram agora mesmo todos os holofotes”. Tudo feito em tempo-relâmpago e numa hora, a do almoço, em que no adro não havia  ninguém. Os “assaltantes” (forçados!) só foram vistos quando se puseram em fuga. A revolta subiu de tom quando as pessoas se deram conta dos motivos: é que na véspera, domingo, 17 de Outubro de 2004, tinha havido eleições regionais e o partido maioritário levou a maior derrota de sempre nas duas mesas da escola da Ribeira Seca. A democracia “joanina” no seu melhor!!!!
TERCEIRO ACTO:
Indignação quase incontrolável da população, não só da Ribeira Seca, mas sítios circunvizinhos perante tamanha agressão ao Povo! A comissão reúne-se, pede reunião ao presidente da EEM, sem êxito. Vigilas à noite,  iluminadas por velas transportadas nas mãos das pessoas por entre a escuridão. Nova reunião, desta vez, pedida por mim ao dito presidente, visivelmente agastado --- eu diria, pelo semblante, intimamente envergonhado e enxovalhado, por “esta ordem vinda de cima “ --- o qual, temendo o pior, faz-me a proposta: “O sr. padre compra-me os holofotes, vendo-lhe por metade do preço e acaba-se com isto. Por favor”. Suponho que não estou a cometer nenhuma inconfidência --- o senhor está vivo e pode confirmá-lo. Aliás, registei o seu tacto diplomático em resolver um conflito que ameaçava tomar  formas extremas. Reuni a população, em mais uma noite de vigília, tendo quase toda a assembleia popular aceitado  a proposta. Assim se fez. Foi com visível orgulho e não menos ironia que as pessoas  comentavam  aos funcionários: “Os mesmos que levaram os holofotes  vieram hoje repor a luz no seu lugar”.  E até os próprios agradeciam: “Vocês tinham toda a razão”. Este Terceiro Acto terminou com uma festa, em 7 de Novembro do mesmo ano ( data histórica,  evocativa do clamoroso dia 7 de Novembro de 1974, a contar noutra altura). A  impressionante cerimónia    começou com a vigília habitual, seguindo-se o reacender dos projectores e, no palco, canções e bailados pelos jovens e crianças da Ribeira Seca.  Por ofício formal, a Comissão da igreja convidou para o acto o presidente da EEM que, naturalmente, não compareceu.

QUARTO ACTO
Vencido na sua ânsia  de reduzir este agregado populacional à escuridão de outros tempos, o autor da cena,  cobardemente refugiado  na Quinta,   impôs à sua subserviente  Câmara  laranja  ordem para não assumir os encargos  e obrigou-nos a pagar à EEM a iluminação daquele espaço público, excepção única que se conheça na Região. Fizemo-lo, sob protesto, mas  sempre firmes em viver na transparência e na luz que outrem queria subtrair-nos, em degradante represália pelas derrotas que até  hoje este Povo sempre lhe infligiu.
Finalmente, fez-se justiça! Ao fim de 11 anos de taxas injustas que exigiriam corresponde indemnização.
Ao fechar do pano, os aplausos para quem não desiste: quem luta vencerá sempre. Tarde ou cedo. Aplausos também e agradecimentos à actual gestão do Município de Machico. E ainda a grande conclusão: agora vejo em plena luz que, se “a memória é a faculdade de esquecer”, então torna-se urgente deixar escrito na dureza da  pedra ou num espelho de água todo um passado que só honra os valorosos e condena os criminosos.
Pairam ainda no ar e na alma das pessoas os versos que então cantaram nessa noite memorável:
“Nosso adro  está de verde
São de amor suas canções
Está tudo iluminado
Como os nossos corações”

11.Ago.2015
Martins Júnior




domingo, 9 de agosto de 2015

UMA ESTRANHA FESTA DE CASAMENTO E UM MILIONÁRIO NAVIO SALVA-VIDAS

Em pleno verão, falemos de optimismo, gastronomia, de serra e mar. São os consumíveis da estação, feita precisamente para  alargar pulmões e emoções positivas, algo que nos faça, após as férias,  rever com outros olhos a monótona paisagem do quotidiano e nos permita tomar as ferramentas do nosso trabalho --- escola ou oficina ---  com aquela frescura e perspectiva como se fosse o primeiro dia em que lá entrámos.
Só que este mar e esta areia não têm o azul afago das nossas baías. Os pratos típicos desta gastronomia estão longe das aprazíveis esplanadas, bem pelo contrário, trazem o cheiro agridoce (mais amargo que doce) de outras paragens.  No entanto há um  sublime interface, quase mágico, que faz da contraditória ementa de hoje um cântico de optimismo esperançoso de dias melhores.
Tem duas páginas o “poema épico” que vos venho contar. Digo “épico”,  porque a sua datada e localizada mensagem abre as clareiras desse “Maravilhoso Mundo Novo” onde todos temos o direito a viver.
A primeira página  faz parte dos noticiários de 4 de Agosto pp..
Os noivos Ali Uzumcuoglu, oriundos de famílias abastadas, no dia de casamento,  prescindiram da sumptuosa festa que todos os noivos almejam e, em seu lugar,  decidiram oferecer e sentar-se  à mesa com 4.000 refugiados, na  cidade de kili,  região sul da Turquia. Eles próprios ajudaram a servir a refeição aos acampados sírios, agregados pela organização humanitária KIMSE YOK UM. Dos pormenores, sabe-se que a iniciativa desta estranha festa  --- muito mais que gastronómica --- pertenceu ao pai do noivo, com a imediata anuência do jovem casal. Não consta, sequer, que se tratasse de um casamento católico, a avaliar pelo ritual da boda.  Comentários, para quê? É certo que nenhum de nós se ilude com este gesto, datado e localizado, repito, para resolver a tragédia de milhares de refugiados. Mas ampliemos  a objectiva particular e imaginemos que a mesma opção dos noivos turcos transformar-se-ia, não na refeição de um dia, mas no código de conduta dos parlamentos e dos executivos mundiais!
A segunda página, tão ou mais impressiva que a primeira, sabe a mar, mas àquele mar, mais duro e salgado que o de Pessoa --- “Quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal”. O mar-cemitério é também datado e localizado: o Mediterrâneo.. Ei-lo aqui, o “poema épico”, colhida na edição de hoje do jornal “EL Mundo”:

Christopher Catambrone, 34 anos,  norte-americano, Regina;  italiana da Calábria, 39;  e a filha  Maria Luisa , 19 anos, possuidores de uma enorme fortuna, foram de viagem, oceano fora, no seu super-iate de luxo. Em vez da romântica paisagem marinha, depararam-se com peças de vestuário à tona das águas e aí aperceberam-se “in loco” do que se passava.  Apavorados com o mísero espectáculo que se repete, dia-a-dia, diante dos nossos olhos parados, decidiram investir a sua fortuna numa “guerra sem tréguas” a tamanha maldição. Tocados pela pesada denúncia do Papa Francisco --- confessam os próprios --- contra a “indiferença globalizada”, compraram por cinco milhões de euros um antigo  barco militar nos EUA , o único no mundo pago por particulares para o salvamento marítimo, apetrecharam-no com “drones” e a mais moderna tecnologia e  ao qual deram o inspirador baptismo de “Phoenix”, a ave mítica que renascia sempre das próprias cinzas.  Contrataram uma tripulação especializada de 23 elementos, entre engenheiros navais, enfermeiros e médicos, capitaneados por um experiente conhecedor dos mares, o espanhol Gonçalo Calderon. A partir do Centro de Coordenação de Salvamento Marítimo, sediado em Roma, a esposa Regina controla, por informação dos “drones”,  e localiza as embarcações carregadas de africanos. A filha Maria Luisa  pediu um ano sabático na Faculdade para poder aliar-se inteiramente a esta causa. E declara-se “afortunada” por isso. São comoventes os testemunhos de toda esta gente, sobretudo perante bebés que encontram condenados precocemente à morte por afogamento! Só em dois anos,  já  salvaram   no Mediterrâneo  8.910 pessoas, sobretudo, da Nigéria, do Sudão e da Eritreia.
Tudo, a expensas suas, exclusivamente! Para operacionalizar mais  eficazmente a campanha, criaram uma ONG, da sua inteira responsabilidade, denominada MOAS (Estação de Ajuda ao Migrante por Mar)  articulando-a com a dos “Médicos Sem Fronteiras”.
“ Milhares de pessoas estão morrendo diariamente às nossas portas. Temos de fazer algo por elas …Salvamo-las no mar  e depois  encaminhamo-las para outras ONG’s  que as acolhem em terra. O que mais nos entristece --- desabafam ---  é ver a Europa a olhar para outro lado, à espera que o mar faça o trabalho sujo… E fatiga-nos quando alguém nos chama “milionários salva-vidas”. Tão pouco que nos chamem heróis”.
Dois marcos eloquentes, arvorando a confiança, o optimismo, o tal “Maravilhoso Mundo Novo” que vaticinou Aldous Huxley!
Não me canso de afrontar os FMI’s, os BCE’s, os  “offshores”, esses carniceiros do jogo sujo, que não temem apelidar de loucos os jovens noivos da Turquia e o casal Catrambone.
Quem nos dera que, à nossa porta, fizéssemos algo de transformador, ultrapassando as louváveis, mas insuficientes, chancelas do voluntarismo caritativo. É preciso educar as mentalidades. É preciso indignar-nos! Mesmo de longe, algo podemos fazer.
Consta que brevemente, numa das mais pobres freguesias da ilha, andam emigrantes (não se esqueçam que já foram imigrantes) preparados para repetir os ostentatórios e atentatórios arraiais religiosos com as ruidosas manifestações profanas do mais faraónico desperdício perante a miséria do seu Povo. Tudo (ofensivamente, em minha opinião) à sombra da religião. Não haverá  por aí  alguém que lhes proponha, em nome da mesma religião, algo que perdure a favor de idosos, crianças, doentes, enfim, náufragos neste mar em que navegamos?!
Quem estará disposto a seguir as pegadas dos noivos turcos  e do casal Catrambone?

9.Ago.2015

Martins Júnior