domingo, 7 de junho de 2015

ÀS CRIANÇAS QUE SÃO E ÀS CRIANÇAS QUE FORAM

No imenso anfiteatro multicolor em que se abre hoje a nossa ilha  ---  vistosas procissões, tipo paradas de realeza eclesiástica, fogos de artifício parisiense rasgando os céus do Funchal, ecos retumbantes de um passado quinhentista em Machico --- destaco, enterneço-me e faz-me vibrar as cordas da emoção e do pensamento vigilante um episódio tão singelo quanto avassalador que, à semelhança de outras locais, tive a felicidade de viver por dentro: a Primeira Comunhão na Ribeira Seca.
É verdade que, por toda a parte, a festa de certos sacramentos (baptizados, crismas, casamentos) foram-se deixando resvalar para a ribalta do espectáculo de variedades  sociais. A Primeira Comunhão também não escapa a esta deriva tentadora.
Mas, descontada esta tendência já estandardizada, o dia de hoje é um livro aberto onde podem ler-se as múltiplas dimensões da sensibilidade doméstica, o carinho com que todos lá em casa se aprestam para brindar à pureza original daquele “pequeno-grande ser” que hoje é protagonista. É ver a azáfama no atavio do menino e da menina, um quase stress que mobiliza a casa inteira, desde o ramo de flores ao diploma decorado pelo próprio neo-comungante, a preparação dos cânticos à sua conta, a tuna dos pequeninos,  enfim, uma agitação buliçosa mas tão aliciante. Depois, a envolvente familiar, com pais, avós, tios, primos, o cordão de gerações que se entrelaçam no templo cheio de luz, no palco, no salão de convívio em que todos partilham do pão e dos bolos que trouxeram de casa.
Para mim (aceitem esta abertura de alma) ganha um sabor e um pendor particularmente tocantes o facto de estar diante de pais e mães que há cerca de vinte/trinta anos  eram exactamente crianças que comigo, neste mesmo templo,  fizeram a sua Primeira Comunhão. Quem diria que tal viesse a acontecer. É esta, pois, a grande (re)descoberta, ali “ao vivo”, de que a criança de hoje será infalivelmente o mundo de amanhã. Bem dizia Louis Pasteur; “Diante de uma criança sinto-me cheio de ternura por aquilo que ela é, mas cheio de respeito por aquilo que poderá vir a ser mais tarde”!
Outro batimento interno que preocupa quem prepara crianças para este dia: Que ideias vamos transmitir à criança?  Que ensinar? Sabendo que a alma da criança é comparável à tabuinha de cera mole que grava indelevelmente os caracteres que nela se inscrevem, os monitores/catequistas deverão ponderar seriamente que conteúdos vão imprimir nessa folha intacta, expectante. Quantas palavras ocas, fórmulas estereotipadas, inalcançáveis para a mentalidade infantil, quantos temores vãos, como esse imperdoável atrevimento de forçar a criança a confessar-se. Permitam-me (mesmo com risco de ficar desacompanhado nesta minha convicção)  compartilho convosco a oração do perdão que as crianças formularam diante de toda a assembleia presente: “Meu Deus, peço perdão a quem ofendi em casa, na escola ou na rua. Ajudai-me a não tornar a ofender. De hoje em diante, quero ser melhor”.
Nesta matéria da pedagogia e da didáctica, tenho sempre comigo aquele aviso que um dia li em Antero de Quental, “santo Antero”. como lhe chamava Eça de Queirós:  “Não há nada mais terrível que o olhar de uma criança”.  Na singeleza do seu olhar assoma, por vezes,  a profundeza de perguntas tais que nos desarmam as prateleiras cheias de pó onde comodamente arrumámos  as nossas ideias e preconceitos. Pagam-se caro o embuste e as falácias com que empapelamos as nossas respostas. É este um tema muito sério para quem ministra a educação religiosa das crianças. Por isso, aqui me despeço neste dia de intensa vivência comunitária.
E ofereço-vos as duas quadras, em forma de oração e compromisso, que as crianças da Ribeira Seca hoje proclamaram em alta voz:

                                   Na Primeira Comunhão
                                   Nós desejamos, Senhor,
                                   Que no mundo haja mais pão
                                   Mais respeito e mais amor


                                   Por isso agora prometo
                                   Para quando for maior
                                   Lutar pela Eucaristia
                                   Fazer o Mundo melhor

7.Jun.2015
Martins Júnior

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