terça-feira, 31 de março de 2015

ABSTENÇÃO: UM DIREITO OU UMA FRAUDE?


Foi um espectáculo original aquele que nos proporcionou  a eleição de domingo pp.. Desde logo, pelo cardápio de hipermercado com que se nos apresentou o “lençol-boletim de voto”,  revelador da fome de participação dos concorrentes e por onde se dava a volta ao mundo: cabia a social democracia ao lado do socialismo e do comunismo, coabitava o “Podemos” espanhol encostado ao Syrisa grego, a direita próxima do véu azul de Marine com o tique do “tiririca” brasileiro ou o Peppe Grillo italiano, enfim, a fartura  em traje eleitoral.
Mas faltou assinalar em seu alto cadeirão o grande Ausente, esse fantasma paradoxal, omnipresente em todos os actos eleitorais: a  “Rainha- Bruxa Abstenção”.
Muitos têm sido os estudos sobre este fenómeno que, tal como certos procedimentos que distorcem a verdade desportiva, também este desvirtua a verdade do Estado. Desde o método de Michigan e a sua análise psicológica até ao de Lister  Milbrath e M.L. Goel que lhe atribuem um carácter sociológico, quer seja ela presencial ou não presencial, técnica ou real, a abstenção defrauda a genuína vontade decisória de um povo. Num país que estatuiu o voto obrigatório, o ministro Marco Aurélio, presidente do STE (Tribunal Superior Eleitoral) proclamou que  “é preferível pecar por acto comissivo do que pecar por um acto omissivo”. E o sociólogo  Paul Bourdieu sublinha que o eleitor votante exprime um sentimento profundo em “discutir politicamente os assuntos políticos que  dizem respeito ao próprio e ao país”.
Ora, os dados estatísticos em Portugal e na Madeira acusam uma deprimente demissão do eleitorado. A título de exemplo: nas eleições legislativas de 1975,  a abstenção foi de 8,34%.  Em 2011 atingiu a soma de 41,93%.  Quanto às eleições reginais de domingo, informou a imprensa que a abstenção bruta ( denominada  abstenção técnica) foi de 50,3%, acabando por dizer que, descontados os não residentes, ou seja, a abstenção real somou menos de 40%. Sejam quais forem as atenuantes e dado o factor decisivo, consubstanciado no acto eleitoral, apraz-me trazer ao debate duas vertentes essenciais à verdade política, quer a nível nacional. quer a nível regional e local. E até europeu.
Primeira: Quando a votação não for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento deverá  considerar-se não vinculativa, portanto, sem efeitos jurídicos. Porquê? A CRP (Constituição da República Portuguesa) ao legislar sobre o instituto  do  Referendo  assim o determina (Artº 115, nº11) visto tratar-se de assuntos relevantes para o país.   Ora, por analogia e a fortiori deveria o legislador constituinte conferir idêntico tratamento ao Voto. E sublinho: Que há, numa nação,  de maior e mais relevante do que a eleição dos titulares dos  órgãos de soberania?  É verdade que a CRP define o acto eleitoral como um direito, mas logo a seguir qualifica-o de um dever cívico. (Artº49, nº 1-2)-  Exercer ou não um direito é algo que  permanece na esfera do seu titular, o cidadão eleitor.  Entretanto, o dever  cívico carece, no texto constitucional, da consequente cominação punitiva.
A segunda vertente  é o corolário da primeira: Deverá ou não conferir-se  o estatuto de obrigatoriedade ao dever de votar?... É uma velha questão, objecto de estudos, teses de doutoramento, manuais da ciência política. Mas é também uma questão necessariamente indissociável do cidadão, pois é ele o último destinatário de todas as assembleias de voto, cabendo-lhe, por isso, o direito de discutir, opinar e poder transportar o seu juízo acerca desta questão até às instâncias decisórias do seu país. Casos paradigmáticos há muitos, onde foi instaurado o Voto Compulsório: Bélgica, Austrália, Brasil, Luxemburgo, México, entre outros.
É verdade que o Voto e o seu oposto, a abstenção, apresentam-se de forma multidimensional, isto é, sob diversas vestes e interpretações, muitas delas legítimas e válidas..  Mas, de entre os três modelos de eleitor --- os “apáticos, os espectadores e os gladiadores”, como referem os supracitados autores ---  é possível, pela pedagogia política de um povo, transformar os “apáticos”  em “gladiadores”, enquanto participantes activos e construtivos na evolução do seu país. É que o laxismo crescente e impune,  traduzido na ausência às urnas, pode em toda a linha configurar uma fraude, uma vez que será uma minoria votante que, por desleixo de uma maioria, ou ignorância ou distanciamento territorial, determinará o rumo de toda a nação, ficando assim distorcida a sua verdade político-social. Seria um humilhante retrocesso ao segregacionismo do “voto censitário”  dos regimes tendencialmente totalitários de outros tempos.
À vossa consideração.

Na fronteira de dois dias ímpares, 31 de Março e 1 de Abril, semeio ao vento estas notas, afinadas ou não, mas interpelantes, depois deste limbo-sobe-e- desce  das contagens e recontagens eleitorais. Comecei por aludir à “Rainha-Bruxa” da abstenção e depois fiquei suspenso entre a noite do Halloween do Palácio de São Lourenço e o Dia das Petas. Faço votos (este é um outro voto) de que não seja um mau presságio para os futuros governadores das ilhas…

31.Mar/1,Abr.2015
Martins Júnior

domingo, 29 de março de 2015

AS ELEIÇÕES VISTAS DO SOFÁ


Hoje, em fim de tarde, só vejo o filme. Sem paixões, nem sequer emoções de circunstância.  Ajeito apenas os binóculos da serenidade e da lógica, enquanto os ganhadores abrem garrafas de champanhe e os perdedores compram lenços de enxugar mágoas.
Primeiro grande plano: ao PSD foi-lhe oferecida a tal, para os madeirenses,  deficitária fasquia chamada Maioria Absoluta. Não de votos, mas de mandatos: 24. Não tanto pela apregoada “Renovação” , pois lá estão à sua ilharga pesos pesados (mas escondidinhos e tristonhos na foto da vitória)  os que estiveram no berçário do partido desde há 40 anos. Interpreto o triunfo alcançado como o prolongamento daquele tufão que saturou a Região e que até à véspera das eleições mais acentuou esse enjoo na vala comum das inaugurações, mal disfarçando os antigos resquícios de vingança contra o agora eleito presidente do GR. A ordenança ao Primeiro Ministro para não vir à Madeira em campanha completou o menu das ajudas. Tudo isto somado ao mérito dalguns quadros que compõem a equipa vencedora.
Aos jovens de Gaula só desejo que a euforia deste primeiro amor, preparado pelo trabalho sério nas autarquias do seu concelho, não esmoreça nem crie aqueles amuos palacianos que se agarram aos movimentos quando transformados em partidos. Cuidado com os “verdes anos”!
Ao Bloco de Esquerda, parabéns: a travessia de quatro anos fora do parlamento imprimiu-lhes vigor para recuparar o horizonte então perdido. O seu trabalho porfiado entre as populações e a  favorável divulgação pela comunicação social chegava a convencer-nos de que sempre gozavam do estatuto de representação parlamentar.
À CDU, “idem”, na pessoa do seu líder, cuja intemerata seriedade de acção não tem paralelo na história do Parlamento Regional.
Ao CDS, louva-se a capacidade de passar mais ou menos enxuto por entre as portas manhosas e as cristas de ondas salgadas onde se meteu na campanha eleitoral.
Ao PND, o bem merecido tributo pela frontalidade e persistência diante de muros e armadilhas que lhes passaram aos pés. Entendo que o seu humor, além de saudável e pedagógico, tornou-se mais corrosivo que muitos discursos tão inflamados quanto inúteis.
Relativamente ao PS, coro de vergonha por este ter deixado “entronizar” na sua sede aquilo que considero o paradoxo mais inconcebível da organização política: a junção obtusa  da infantilidade com a senilidade prematura. Há tanto tempo que vejo esta fita e, oportunamente, a denunciei. E não só eu. Não quiseram ouvir os pré-avisos da derrocada e aí a têm de presente amargo. A sociedade, os madeirenses têm de pedir contas à corte que o rodeia. Também ao anterior líder, actualmente na Assembleia da República que jogou fora das listas os três deputados de Santa Cruz. É ele também co-responsável pelo nascimento e pelo sucesso da JPP. Os erros de hoje pagam-se caro amanhã.
Finalmente, conforta-me o largo espectro do novo Parlamento: colorido, fresco, tocado por aquele timbre de que falava Goethe,  com “ânsias de subir, cobiças de transpor “ os obstáculos ao serviço dos seus constituintes, os eleitores. Faltou apenas a cereja em cima do bolo: uma maioria relativa, em vez da maioria absoluta, que refreasse os tiques hereditários de um passado, aparentemente enterrado neste dia 29 de Março.
A mudança da hora de inverno para a hora de verão seria um amistoso presságio, mas não foi. Os relógios adiantaram uma hora, mas a Maioria ficou parada no inverno do absolutismo. Assim ditou o Voto.
Termino da mesma forma como me dirigi aos autarcas vitoriosos de 29 de Setembro de 2013: Quatro anos passam-se depressa. E, parafraseando Sérgio Godinho, repito aos governantes e deputados eleitos: Lembrai-vos que hoje é o primeiro dia do resto do vosso mandato.  

29.Mar.2015

Martins Júnior

sexta-feira, 27 de março de 2015

PODEROSO DIA 29 DE MARÇO: O POVO ARMADO SAI À RUA!

Os dados estão lançados: depois de amanhã, 29 de Março, é um dia poderosíssimo  e, oxalá, o Dia D para a Madeira e Porto Santo. Está todo o povo em parada, vigilante, à espera do toque de clarim para avançar. O campo de guerra não chega a dois metros quadrados. A arma é uma esferográfica e as munições um papelinho silencioso e interpelante diante dos nossos lhos: o boletim de voto.
         Alguém duvidará da força desta arma e do peso da cruzinha desenhada no quadradinho?...São mais fortes que um batalhão de artilharia,  mais estremecedores que um furacão. Porque um quartel armado não pode, em regime democrático, destituir um presidente eleito, nem um tsunami pode retirar a legitimidade de um governo ou de uma autarquia. Mas o voto pode e faz. A atitude expectante e civilizada de cada votante na fila dos eleitores vale mais que todas as manifestações públicas diante da Assembleia da República ou da Quinta Vigia.  Quantas vozes, arruadas, tentativas de assalto se têm feito às instituições governativas, mas os seus titulares lá ficam bem sentados e guardados, talvez rindo-se dos manifestantes. Mas na mesa de voto, eles tremem como varas verdes e são postos na rua, sem ruído nem escaramuças. Nem é preciso chamar a polícia de choque. Eles saem humilhados e condenados …só com uma cruzinha bem desenhada no recôndito de uma câmara de voto.
         Foi o que sucedeu em 29 de Setembro de 2013: Quantos e quantos de nós estavam revoltados com a arrogância camaleónica das Câmaras da Madeira, todas da mesma cor e do mesmo dono. Mas, num instante, silenciosamente, sete Câmaras mudaram. Faço aqui um parêntesis para rejeitar as repugnantes afirmações de um candidato (que pede maioria absoluta) ao acusar de inacção as câmaras que mudaram de mãos. Nunca pensei que chegasse a tanta baixeza, ele que também foi presidente no Funchal (e eu em Machico) que foi vítima também do aperto da Quinta Vigia e que deixou 100 milhões de euros para a actual Câmara pagar! Cuidado: é o pré-aviso de que fará igual ou pior que o ditador da Vigia.
         Após esta breve deriva, insisto que domingo próximo é dia da plena igualdade: o voto do pobre vale tanto como o do milionário dos offshore; o voto do sem-abrigo vale o mesmo que o do inquilino do palácio de Belém, Cavaco Silva; até o voto do recluso vale tanto como o do juiz que o sentenciou. Ninguém se julgue menos importante que os senhores maiorais. 
        Domingo é o dia de perder o medo., é o dia em que o Povo está no pódio e os senhores futuros governantes estão no chão a pedir-lhe esmola.
         Que ninguém enjeite esta tão alta categoria de ser juiz desta Região. Ganhe quem ganhar, o povo tem de ensinar o ganhador que não pode ser capataz absoluto. Atenção: a herança hegemónica da maioria absoluta do governo madeirense não poderá produzir outros frutos  senão os mesmos de há 40 anos: arrogância, sadismo  e surdez  aos que os puseram no palanque.
         O Povo tem de dar educação democrática aos governantes. Isso só se consegue sem maiorias absolutas. Ainda bem que há muito por escolher. E depois, pensemos que quatro anos passam-se depressa. No fim, se não der certo, muda-se de caminho.
         Madeirenses e Potossantenses: que nenhum de nós perca a chave do poder. Domingo, ela está nas nossas mãos. O Voto é a nossa Arma!

27.Mar.2015
Martins Junior

quarta-feira, 25 de março de 2015

QUAL ESTABILIDADE: DE CEMITÉRIO OU DE DITADURA?

Ao aproximar-se um grande dia, o 29  de Março, tem-me batido aos olhos e aos ouvidos um rap-rap tão insistente quanto indigesto à consciência de muitos com quem tenho trocado impressões sobre o mesmo tema: ”Maioria Absoluta, Maioria Absoluta. Queremo-la para assegurar paz e estabilidade”.
         Irritante esta lengalenga, viesse de onde viesse, mas sobretudo quando vem daqueles que comeram, beberam, banquetearam-se à mesa dessa “pseudo-estabilidade”, adulando o mordomo-mór e que, só no fim, quando o astuto mordomo se tornou velho e condenado a sair da távola redonda, é que se lembraram de “cuspir no prato em que comeram” (assim se lamentava o velho) e, depois, atirar-lhe os pratos e talheres à cara. Para quê?...Imaginem, para fazer exactamente o mesmo  que fez durante 40 anos e contra o qual, agora, se revoltam, nem querem que “ele” apareça. Mas, porque  “ele” é o mesmo, travestido embora com visual recauchutado, eis que lhe querem seguir as pegadas e clamam, aos brados como o outro, maioria absoluta para garantir estabilidade.
            Já me referi a este peditório em 17 e 19 de Março, mas agora volto a questionar-me sobre o conceito de estabilidade. E há, pelo menos, dois: a estabilidade mórbida como a paz dos cemitérios, onde tudo está bem, tudo se está dissolvendo em pó e ninguém levanta a voz. É caso para perguntar se os ditos pretendentes à maioria absoluta querem transformar a “Quinta Vigia” numa qualquer “Quinta dos Calados”? Seria recuar aos anos 50 do século passado, onde ali funcionava o Cemitério das Angústias”.
         Mas há outro conceito: a estabilidade férrea dos regimes totalitários, o de Salazar, de Hitler, o de Mussolini e outros que tais, o do velho mordomo, agora de saída forçada. Esta pseudo-estabilidade é bem pior que a primeira: é que nos cemitérios os encarcerados não reagem nem falam porque não têm força nem voz. Ao passo que, na segunda, os  seus constituintes, agora votantes, têm voz, mas o ditador amordaça-os; têm braços e pernas, mas o mordomo manda os capangas amarrá-los, de pés e mãos.
         Analisemos casos concretos: a estabilidade das setas espetadas para o céu foi a que depenou e espetou o povo madeirense com impostos mais pesados que no continente,  foi o mesmo que descapitalizou as Câmaras Municipais da Região, através de um contrato leonino, falaciosamente denominado Protocolo de Reequilíbrio Financeiro. Onde estavam os que agora bradam por estabilidade? Comendo e bebendo à mesa da “Quinta dos Calados”, felizes e caladinhos. E onde estavam estes mendigos da maioria absoluta quando o ditador, espumando raiva, porque derrotado nas urnas, devorava os ecrãs televisivos, vociferando como um louco: “Pra Machico nem um tostão”?! Até os próprios deputados eleitos por Machico, renegando a sua “pátria” e os seus conterrâneos, alambazavam-se de espasmo perante  o resfolgar paranóico do chefe. E onde estavam esses advogados da estabilidade quando o déspota fez sangue entre aqueles que, do mesmo partido, foram expulsos, saneados do seu posto de trabalho, só porque discordaram do poderoso absoluto? Cobardes, batendo palmas e beijando o pé do dominador, com medo que ele se voltasse para o mísero bajulador.
         Devo dizer que fiquei abismado quando o pretendente ao trono invectivou as Câmaras extra-regime absolutista vigente por não fazerem obras, sabendo a asfixia financeira a que estão sujeitas e, sobretudo, deixando ele mesmo uma dívida sua de 100 milhões de euros para os outros pagarem. 
Nesta altura, todo e qualquer partido que seja eleito tem de fazer uma cura anti-absolutista. Num país civilizado os cidadãos sabem conviver com a democracia, ou seja, com a alternativa ou, pelo menos, com a alternância do poder. Absolutismos hereditários (é o que estes querem) só em regimes afro-asiáticos com um régulo da mesma família ou um feiticeiro da mesma tribo. Sejamos civilizados. Ensinemos os nossos governantes a saberem ouvir-se uns aos outros, porque, lá diz o adágio, da discussão nasce a luz. E com toda a razão, como demonstra a descoberta da energia eléctrica produzida pela convergência do positivo e negativo. Quando nos habituamos ao debate divergente, a divisão transforma-se em multiplicação de iniciativas e sucessos.
         Por tudo isto, unamo-nos no combate às Maiorias Absolutas, para instaurarmos um regime onde todos possam viver e respirar, tal como os nossos antepassados lutaram pelo regime liberal contra o absolutismo miguelista. Qualquer semelhança é pura coincidência. Se bem que, no caso presente, a coincidência faz-se realidade. Seja como for, o emergir de novas representações parlamentares virá refrear o impulso açambarcador das maiorias. Será uma boa notícia.

25.Mar.2015
Martins Júnior


segunda-feira, 23 de março de 2015

A HOMENAGEM A UM BENEMÉRITO DA HUMANIDADE


         Tal como sucede com os densímetros avaliadores dos homens (que não se medem aos palmos) assim também acontece com as homenagens, cuja densidade não se afere pela barafunda publicitária, quantas vezes falaciosa e subserviente ao poder e ao dinheiro. Valem as homenagens pela frescura transparente das emoções, fruto da lealdade eloquente da sensibilidade e da lógica, mais que as girândolas do palavrório  rotineiro.
         A exaltação do Pe. Mário Tavares Figueira, ontem, na Ribeira Seca --- para comemorar a terceira década vitoriosa contra as arremetidas tribais do poder religioso e do poder político em 1985 --- foi um perfeito momento do verdadeiro preito de homenagem prestada a alguém: Longe dos olhares turvos da imprensa local e das embaciadas lentes das câmaras televisivas, desenrolou-se um vasto cenário de intimismo, grandeza e profundeza de conceitos e sensações, digno de uma paisagem multicolor, quase mística.
         No templo da Ribeira Seca, os amigos sacerdotes  Pe. José Luís Rodrigues, o Prof. Dr. Pe. Anselmo Borges e eu próprio. À roda da mesa comum da ara sagrada, a comunidade local e os muitos amigos, uns daqui da ilha e outros, de mais longe, associaram-se a este júbilo colectivo, quer presencialmente quer através das muitas mensagens que ali foram lidas. Gente do povo, professores, intelectuais, políticos, poetas e até os titulares autárquicos, presidente da Câmara Municipal e presidente da Junta de Freguesia, a que se juntaram o genuíno canto popular religioso e as  primorosas vozes do Grupo Coral de Machico, todos confluíram no mesmo efusivo abraço ao Pe. Tavares. Dado o tempo chuvoso que caía sobre o adro, os brindes e o partir do bolo fizeram-se mesmo dentro do templo, prolongando o espírito da comunhão eucarística.
         Embora já lhe tenha dedicado a minha saudação no acróstico editado no anterior “dia ímpar”, aproveito o ensejo para, entre a vasta enciclopédia que é a trajectória do Pe. Tavares, destacar três momentos históricos que marcam a vida corajosa deste homem:
         1º - Aquando da ocupação da igreja da Ribeira Seca, enquanto o bispo Teodoro invocava o código canónico para dizer que o padre tem de estar com o bispo para poder estar com Cristo, pois o Pe. Tavares escreveu-lhe uma famosa carta aberta onde citava um outro normativo, este evangélico e universal: “Para que o padre esteja com o bispo, é necessário primeiro que o bispo esteja com Cristo”, significando que aquela ocupação  era a demonstração de que a atitude episcopal estava  do avesso do exemplo de Cristo.
         2º - Para que o povo tomasse consciência do seu poder comunitário, fundou na sua paróquia o cooperativismo que, como na cerimónia muito bem disse o Pe. Dr. Anselmo Borges, é este sistema --- o cooperativismo --- que melhor actualiza o autêntico padrão social do Evangelho.
         3º - Quando o bispo, o mesmo que mandou ocupar o citado templo, afirmou que o pederasta Pe. Frederico, seu secretário particular, (condenado a 17 anos de cadeia) era comparável a Jesus inocente na Cruz, aí o Pe. Tavares não suportou  uma blasfémia tão sacrílega, então rompeu abertamente e deu um outro rumo à sua vida, tornando-se deputado da CDU na tribuna da Assembleia Regional onde passou a defender uma sociedade limpa, combatendo vigorosamente a escandalosa aliança, até às raias da submissão da diocese ao governo da Madeira.
         Cada um destes momentos históricos, só por si, bastaria para assinalar e imortalizar a personalidade inquebrável de um Homem ao serviço de toda a Humanidade. A História escreve-se com gente desta estirpe.
         Obrigado, Pe. Tavares. Como afirmou um elemento da nossa comunidade, sem o Pe. Tavares a Ribeira Seca hoje não seria o que realmente é.

23.Mar.2015

Martins Júnior    

sábado, 21 de março de 2015

A UM SEMEADOR DE PRIMAVERAS

Padre Mário Tavares Figueira

Nesta noite ímpar do Inverno para a Primavera, associo-me à justa Homenagem que a comunidade da Ribeira Seca e os muitos amigos da Região e do Continente vão prestar-lhe neste domingo. Dedico-lhe, pois, este impulso de amizade e gratidão em forma de Acróstico:

Montanha agreste e bela foi
Aquela em que nasceste
Rebento moço de outras eras
Invicto semeador de primaveras
Onde antes só cardos cálidos havia



Tronco robusto que cresceu
Afrontando sois e chuvas e ventos
Venceste nortadas e tormentos
Apertando serpentes milenares
Rasgaste o claro Dia Novo
Eergueste o  facho olímpico Tavares
Sobre a noite funda que afunda o Povo



Filho de um deus maior
Incarnaste a armadura de Marte
Guerra, gritaste, aos tronos e aos mitos
Unindo a luta e a arte
Encheste a terra de sonhos infinitos
Inclito bandeirante, grande Mário
Recordaremos sempre Tavares Figueira
A honra de Machico e a glória da Madeira



21/22.Mar.2015

Martins Júnior

quinta-feira, 19 de março de 2015

ODE PEQUENA PARA UM POVO TÃO GRANDE







Tendo ocorrido ontem o 30º aniversário da vitória do Povo da Ribeira Seca sobre a bárbara ocupação do seu Templo pelas forças policiais, durante 18 dias e 18 noites, às ordens do Bispo da Diocese e do Governo da Madeira, dedico este Canto Pequeno a tão Grande Feito:

Vieram os lobos primeiro
Sangue de verniz
No pelo e nas unhas
Sem falas nenhumas
Devoraram num triz
Chaves, portas e gonzos
Do Templo do Povo
Mas a sua alma
NÃO!!


Vieram depois abutres
Beberam o pão
E o vinho novo
Do altar sagrado
Mas a sua fé
NÂO

 Vieram negrejandas garras
De bárbaros salteadores
Mais feros que uns etarras
Arrancaram as luzernas
Que alumiavam o chão
Do Povo sem luz
Mas o sol que havia dentro dele
NÂO!

Vieram padres da Inquisição
No corpo e nas armas
Da soldadesca sem culpa
Em tortura e de arrastão
Homens jovens mulheres
Atirados à prisão
Só pelo crime
Do amor sublime
Àquilo que é seu
A mim podes prender-me
Diziam
Mas o Povo com razão
Não vais prender
NÂO!


Romanos mercenários
De faixa vermelha
Estranguladores
Daquela materna centelha
Que amor se chama
Maldita raça da pérfida moirama
Não deixaram que a Mãe
Pudesse ver e beijar
Os filhos que tem
Na prisão injusta
Por Herodes e Anás
Por Pilatos e Caifás
Roubareis o beijo e o pão
Mas aquele brilho
Entre Mãe e Filho
Isso nunca
NÃO!


Trinta anos dobrados
Trinta cânticos moldados
De luta
E fogo novo
Bebendo a cicuta
Da taça peçonhenta
Que os facínoras preparam
Para afogar o Povo nessa tormenta
Mas nem Vigia nem Mitra
Nem Roma nem Meca
Apagarão a História
E o facho da Vitória
De um Povo – RIBEIRA SECA!

19.Mar.2015
Martins Júnior


terça-feira, 17 de março de 2015

FACE AO FUTURO GOVERNO, TODOS SÃO CALOIROS E APRENDIZES


Nesta altura de viragem do Cabo das Tormentas de 38 anos de mini-adamastores para o Cabo da Boa Esperança no mar largo que rodeia o nosso arquipélago, entendo que todo o cidadão tem uma ideia, um poema, um grito de trombeta vibrante e tem obrigação de proclamá-los neste que é um tempo novo e uma nova linha de horizonte. Agora mais do que nunca, o povo sente-se livre, livre, na manhã virgem de um novo dia. Acabaram-se os medos, quebraram-se as algemas, desapertaram-se as amarras que nos prendiam ao velho do restelo que ameaçava quem quisesse ir mais além da sua horta de sapos e répteis de veludo. Povo das ilhas, agora iça a vela e faz-te ao largo!
E nesta largada determinante --- como determinante e mal-aventurada foi a  partida eleitoral de 1976, que se apantanou durante quatro décadas --- o meu alerta e o meu poema continuo a defendê-los como um luzeiro na alta gávea do navio: construamos o futuro da Madeira chutando para longe o tubarão chamado Maioria Absoluta! Nem perco tempo com cartazes, com desordenadas “palavras de ordem” sempre iguais, muito menos com promessas por mais aliciantes que sejam. Pedindo desculpa se acaso vos maço com variações sobre o mesmo tema, acho que o importante é aprender a lição da história: entregar todo o poder nas mãos de um só jovem, passar procuração para mexer no nosso dinheiro a um único caloiro (como aconteceu desde o início, repito, até agora) significa o suicídio da nossa autonomia colectiva.
Digo caloiro, porque caloiros são todos os que agora se apresentam ao balcão do supermercado da Política. E eu pergunto: vamos dar a um novato  o diploma de doutoramento, apenas por causa de meia dúzia de fretes que fez ao “Prof” da cadeira? Lembremo-nos que são todos serventes, aprendizes. E vamos nós passar a carteira profissional de mestre ou arquitecto ao aprendiz que até agora só soube fazer massa grossa no prédio que pretende chamar seu? Não digo que lhes faltem engenho e arte, mas escasseia-lhes “o saber de experiência feito”, sendo que este “saber maior” é o de aprender com o colectivo, estar conectado com todas as redes comunicacionais que o povo lhes envia através de todos os seus legítimos representantes. Nesta altura, da reincarnação da autonomia popular, os eleitos têm de passar por um tirocínio, aquele estágio oficinal e tão forte e impressivo   que não lhes suba à cabeça a tentação da infalibilidade que, neste caso, mais não é senão tacanhez de espírito e cegueira de Nero.
         Ar fresco, vento norte, saudável e criativo é o que faz falta naquele amordaçado Parlamento. Isso só será possível sem maiorias absolutas.
Para que todos estejamos em pé de igualdade lá dentro --- igualdade de direitos e deveres, igualdade de respeito e convicções --- só há, em minha opinião, dois indicadores: Primeiro, não ficar em casa. É ditado antigo: quem desiste já está vencido. Segundo: estar atento às sondagens que, embora valendo o que valem, dão-nos informação aproximada. Aqui e agora, é preciso não apostar no mesmo cavalo, seja ele qual for.
Finalmente, consideremos que, com a criação de um único círculo eleitoral na Região, todos os votos convergem para uma mesma e única urna e todos são aproveitados, seja o das cidades, seja o do mais remoto lugarejo. É o que se pode chamar  a globalização dos votos. Ora, todos sabemos os efeitos desastrosos desse fenómeno sócio-económico, à escala global, em que o suposto “bem” da globalização tornou os fortes ainda mais fortes e os fracos muito mais fracos, inclusive, a destruição da classe média.
Na votação global de 29 de Março, não deixaremos que os adamastores fiquem mais ameaçadores e os frágeis nautas portugueses que somos nós se sintam mais ameaçados. Contribuamos, esclarecidos e vigilantes, para desta vez construir o ideal social mais justo: uma Assembleia igualitária, em direitos e deveres. Se Assembleia e Governo forem respeitadores, o Povo será  mais respeitado.

17.Mar.2015

Martins Júnior

domingo, 15 de março de 2015

CONTRA AS MAIORIAS ABSOLUTAS DA ILHA, MARCHAR, MARCHAR!


Aprecio os teorizadores, venero os filósofos mas, acima de todos, curvo-me e acompanho os fazedores, os operacionais. O mais poderoso alicerce do pensamento não passa de um fraco, quase inútil construtor se não produzir a acção. Na tradução da sabedoria popular: “Por agora, não quero quem saiba, quero é quem faça”.
         Trago este axioma de Lineu precisamente no início de mais uma campanha eleitoral. E aqui chamo à mesa do debate o povo, os eleitores, convocando-os (melhor, convocando-nos todos)  não para o ruminar cansativo de programas e promessas sempre iguais, mas para um acto prático e eminentemente produtivo nesta estação.
Parto do velho princípio da literatura latina Natura non facit saltus, “a natureza não se constrói aos saltos, querendo com isto significar que a verdadeira evolução e o crescimento sustentável não se fazem abruptamente, mas gradativamente, tal como o pomar ressequido não volta a produzir com os caudais da  aluvião mas com a serena e regular pressão da chuva miudinha.
Ora, o que têm vindo a apregoar os filhotes da “Madeira Nova”  --- e todos os outros querem o mesmo, embora não se atrevam a dizer --- é a conquista  da maioria absoluta. Pois bem, feitas as contas e as retrospectivas, concluo que  a oferta dos  madeirenses a uma nova maioria absoluta é o que há de mais pernicioso para a educação política de um povo ilhéu que acaba de sair de uma anacrónica e carunchosa  maioria absoluta de 38 anos de canga em cima da gente. A mãe de todos os abusos, recalcamentos e embustes, tanto a nível social, como nas áreas da cultura e da economia só têm um nome: maioria absoluta. “Se queres conhecer vilão mete-lhe a vara na mão”. É isto que os meus olhos têm constatado no pós-25 de Abril regional. A maioria absoluta nas mãos do vilão torna-o cego e surdo aos clamores dos ofendidos e humilhados que lhe deram o voto. Já vem de longe o veredicto irrefragável: “O Poder corrompe sempre e o Poder absoluto corrompe absolutamente”.
         Temos de convencer-nos que só haverá políticos sérios quando eles temerem o povo. Ora, se o povo lhes dá a maioria absoluta, eles deixam de temer o povo. Admitiria, porventura, uma maioria absoluta para os melhores se vivêssemos num regime de democracia participativa, em que os eleitores possuíssem instrumentos legais para intervir directa e prontamente nas propostas dos decisores, como acontece com o instituto do referendo e consultas populares, situação que nunca foi aceite pelos nossos governantes.
Como o nosso regime é tão-só uma democracia representativa, em que os eleitores ao darem o voto aos deputados perdem toda a sua força durante quatro anos (na Madeira, repito, foram 38 anos) então adeus soberania popular, adeus direitos de cidadania. Ao triste e enfezado povo só lhe chega a força de quatro em quatro anos. E para quê? Para apertarem ainda mais a corda ao próprio pescoço.
Abramos os olhos e eduquemos a nossa intuição reactiva. Os madeirenses, escaldados de quase quatro décadas de pontapés e escarros que lhe atiraram da Quinta Vigia, terão coragem de lá pôr um suplente absoluto que salta do banco para desatar outra vez aos pontapés e aos canivetes de calhau?... Tenham juízo!  Fujam dele como o diabo da cruz” . Seja de que partido for.
         O povo e os políticos madeirenses precisam de uma cura de autêntica democracia representativa, enquanto não ganham a tão suspirada e adulta democracia participativa. Todos temos de fazer esta catarse (esta limpeza) ideológica e pô-la em acção. Hão-de ver os poderosos senhores andar todos os dias  (e não de quatro em quatro anos) de chapéu na mão mendigando o nosso voto. Ai, quando é que os meus conterrâneos acordam para a arma mais potente e silenciosa que têm na mão: o VOTO?... Haveríeis de passar, como eu passei, pelos bancos de uma câmara ou de um parlamento e ser humilhado como eu fui, só porque o povo deu de graça  a maioria absoluta a um partido, repito, seja ele qual for!!!
         É tempo de acção. Aqui e agora.
         Na Madeira, aqui e agora, contra as maiorias absolutas, marchar, marchar! 

15.Mar,2015
Martins Júnior

sexta-feira, 13 de março de 2015

OS ADEUSES AMANTES E SIAMESES


         Não é com prazer que perco tempo e gás voltando ao mesmo tema, pelo contrário, é com desgosto, contragosto e “des-fado” ocupar-me de cenas que mais são de esquecer que de lembrar. Mas seria uma “enorme perda” para a memória futura este teatrinho de cordel, espécie de cinema mudo,”não há declarações”, do impagável Charlot e que dá pelo nome de despedida do rei, mesmo que saia nu.
         Depois do bispo (e com toda a justiça, porque o homem deve tudo à Igreja que o pôs e impôs no trono) foi a vez do sisudo e “mal amado” Representante da República e, ainda, do, agora anafado e almofadado,  Presidente da Assembleia Legislativa Regional. Que macieza e que hipocrisia o abraço derradeiro de dois amantes siameses! Foi este último que, já lá vão alguns anos, jurara publicamente: “Quando o presidente do governo sair eu também saio”. Mal se percebe, pois, esta liturgia fúnebre para com alguém que, mais dia menos dia, também estará na rua ou nas ilhas Seichelles gozando as “justas” mordomias adquiridas em 37 anos  de fidelíssima companhia. Fidelíssima, ma no tropo, dado que o ainda ocupante do cadeirão da ALR entrou no Parlamento pela mão do Partido Socialista, como simples deputado: eram os tempos do PREC e da Constituição para o socialismo, mas depois,  com a subtileza do réptil, foi-se deixando deslizar  para o PSD e ali ficou embalsamado e perfumado em  secretário regional e, mais tarde,  presidente parlamentar. “Viver não custa, o que custa é saber viver”, já o avisou a filosofia popular.
         Sei lá o que, no recôndito do gabinete, disseram a fome e a vontade de comer. Nem me interessa. Agora, o que me obriga a consciência cívica e política é uma saudação ao futuro Presidente da Assembleia Legislativa Regional. E faço-o, em contra-luz, para que o público, ao  revelar o negativo da fotografia, veja o negrume que durante anos manchou o assento da primeira jila dos órgãos autonomia insular:
         Que o futuro Presidente da ALR não seja:

1. Uma marionete invertebrada nas mãos do inquilino da Quinta Vigia.
2.    Um joguete de um qualquer anão, físico ou mental, mesmo que investido nas funções de líder parlamentar do partido mais votado.
3.    Um corrupto político, de satisfação alarve, que se delicia com os dislates dos deputados do seu partido contra as minorias da Oposição indefesa.
4.    Um cobarde vira-casacas que se faz forte com os fracos e fraco com os fortes.
5.    Um vilão “rural e autoritário” que interpreta como fraqueza a educação comportamental de um deputado da Oposição.
6.    Um enfatuado simulacro da autoridade que precisa de um valente abanão quando um deputado da Oposição o afronta e responde à-letra com a mesma agressividade da Maioria protegida.
7. Um subserviente acocorado que jura fidelidade canina aos desmandos da segunda figura da Autonomia.

         Finalmente, agora pela positiva, que seja vertical, justo, imparcial e julgador em caso de prevaricação de qualquer deputado, quer da Maioria quer da Oposição e faça da Assembleia aquilo que ela constitucionalmente representa: o Primeiro Órgão do governo próprio da Região Autónoma da Madeira.
Se me for permitido, deixo aqui um alvitre ao ora despedinte e futuro ex-ocupante da Quinta: leve consigo ao beija-mão  os seus rapazes, os antigos e os modernos, a quem sempre tratou por “pequenos”, embora de vez em quando os alcunhasse de “delfins” para contentá-los e, depois, queimá-los em lume brando até ao churrasco final. É a vida…
         Caros amigos e amigas, entendamo-nos: o tédio que ressuma deste meu dia ímpar tem o mesmo tamanho que o imenso desejo de ver, a partir de 29 de Março, uma Autonomia renovada, uma vitória de Domingo de Palmas e o prenuncio de uma verdadeira Páscoa sócio-política, económica e cultural para a nossa Região.

13.Mar.2015
Martins Júnior

quarta-feira, 11 de março de 2015

DESPEDIDAS SEM ENCANTO


Devem ter notado já os meus interlocutores que não me apraz debruçar sobre a casuística caseira e rasteira, protagonizada pelos olheiros e (mal) feitores cá da horta política ilhoa. Para esse peditório já dei. E muito. Prefiro agora abarcar as sínteses, o planisfério global em que se movimentam e armadilham as ideias, os artistas prestidigitadores e as marionetes deste palco breve que é a vida.
         Mas abro excepção neste fim de tarde, porque não é todos os dias nem todos os anos --- aliás, nunca se viu  nos últimos supra-salazarentos 37 anos --- assistir “ao vivo” a um espectáculo tão comovente: o inamovível inquilino da Quinta das Angústias andar, de corrico em corrico, batendo à porta dos seus comparsas, afilhados e padrinhos, no beija-mão da despedida. Ternurento e trágico: agora todas as portas se abrem, não para entrar mas para sair.
         Hoje foi a vez do Prelado Madeirense. Esta cena merecia bem a pena mefistofélica de um Eça ou a paleta pontiaguda de um “Charlie Hebdo”.  Aqueles suspiros de amados e amantes, aqueles olhos multifacetados confundindo o soalho com o tecto, gestos embrulhados em toucinho desde o pescoço até à cinta… Que terão dito aqueles corpos, que de juras de saudade eterna, que de prantos incontidos naquele palácio, que até os passos fugitivos não deixaram fazer declarações extra-muros?! “Graças vos dou, Senhor Bispo,  pelas sacro-profanas cerimónias em que fostes o mestre e patrono”, foi sem dúvida o lamento que ficou lá dentro, acordes lentos de um funeral anunciado.
         Mas o caso é muito mais sério. O gesto de gratidão não se dirigiu apenas ao actual inquilino do Paço, mas ao todo que aquela casa representou de cumplicidade, ambiguidade, roçando mesmo a criminalidade, na troca de inconciliáveis enriquecimentos. Desde a oferta dos altares aos pés do trono  político-partidário, em que as igrejas da Madeira tiveram de ajoelhar-se perante um herdeiro do fascismo português. Desde o abandono da cerimónia dos Crismas para juntar-se ao governo na inauguração de um hotel. Desde o envio da polícia armada para ocupar uma modesta igreja rural e, na mesma altura, ter comparado um pederasta brasileiro a Jesus Cristo pregado na cruz. Desde o pedido ao presidente regional para instaurar processo judicial (que veio a perder) contra um padre anti-regime. Desde a  traição de Judas na entrega do Jornal da Diocese ao partido e ao governo regional.  E o muito mais que um dia será descoberto e contado.
         As mãos que mutuamente se apertaram à despedida não estão limpas. Há nelas muito da  peçonha que aliou  Herodes e Anás. Pilatos e Caifás.  Nunca seria tão audível e maléfico o grito de um se não fosse o silêncio cobarde do outro!
          O pontífice da cruz dourada e cinta vermelha já não será mais o primeiro a chegar à mesa de honra e esperar pelo presidente para indicar-lhe o lugar central, como se revelou eloquente e reverentemente no primeiro acto oficial conjunto, a sessão do Dia do Concelho em Porto Santo, 24 de Junho de 2007.
         Nenhum deles se lembrou do esforço gigante que, no futuro, terão de fazer os titulares do Paço Episcopal e da Quinta Vigia para apagar o rasto viscoso e cúmplice que deixaram. Tal como o Papa Francisco para libertar-se dos “lobos” sem escrúpulo da Cúria vaticana.

11.Mar.2015
Martins Júnior

segunda-feira, 9 de março de 2015

O CHICOTE EM CIMA DOS BANQUEIROS


         Pegou num azorrague improvisado e, furiosamente, correu com os negociantes, escorraçou o gado que vendiam, tombou as mesas dos banqueiros que ali trocavam moeda e bradou em alta voz:”Fora daqui! Fizestes da Casa do meu Pai uma casa de comércio!
         O sujeito activo deste sobressalto não foi um polícia nem um centurião romano nem um fanático jihadista. Foi, nem mais nem menos, o protótipo da tolerância, do diálogo, do perdão, o nosso J:Cristo, conforme vem narrado no texto de Marcos, ontem difundido nas cerimónias dominicais para todo o mundo. O cenário foi o Templo de Jerusalém. Mas poderia sê-lo hoje, aqui e agora.
         Hoje! Traz  o  “Le Monde”, em 1ª página, a notícia de cidadão francês  emigrado na Alemanha Thomas Bores  a quem o fisco cativou um montante de 550 € , ao abrigo do acordo entre  o governo e as  Igrejas, por força do qual o cidadão tem de descontar para o culto.  Não obstante ter-se declarado actualmente  sem religião, o bispo de Berlim mandou pedir ao episcopado francês que lhe mandasse a certidão de Baptismo do homem. O caso envolveu o deputado francês Pierre-Yves le Borgn que contestou a pretensão do berlinense com base na directiva europeia 95/46 CE que proíbe a divulgação de tal informação para fins de ordem tributária. Enquanto o litígio continua, refere o matutino que “o episcopado alemão, em confronto com  Roma, nega os sacramentos aos católicos incumpridores do dito imposto. Diz ainda que para “desvincular-se  da sua religião  será penalizado  numa coima de 30€”. Ninguém, por certo, deixará de censurar este estranho conúbio entre os dois poderes, degradante e contra-natura, de constituir-se o Estado em cobrador dos impostos que depois entregará às Igrejas.
Estamos perante o grave escândalo de uma religião, seja ela qual for,  que, em nome de um Cristo proletário, se apresenta majestosa e opulenta, quer na magnificência dos templos, quer no fausto dos seus “príncipes”,  dos seus palacetes residenciais e, pasme-se, na simoníaca invenção das suas instituições bancárias, o sacrílego Banco do Vaticano, onde os sacrifícios de muitos milhões de cristãos pobres se misturam com o dinheiro  sujo  das máfias. Que luta titânica tem enfrentado Francisco Papa para exterminar os corvos peçonhentos da Cúria financeira!
Neste  entretenimento fraterno com os meus amigos, fico-me bordejando em volta  da mensagem --- actualíssima ! --- do domingo, alargando para o  magno problema que a Igreja Romana ( e todas as outras, salvo raríssimas excepções particulares) tem de resolver e que a torna tão vulnerável e subserviente aos magnatas das finança, aos governos e seus apaniguados. Determinados templos madeirenses, afrontosamente alteados no meio de gente pobre, mais não foram que o passaporte para manter no poder os mesmos de sempre. Que será feito desses  garbosos monumentos daqui a  tempos? A quem leu hoje o DN de Lisboa não terá sido indiferente a manchete: “Livraria, cinema, Museu do Dinheiro: a segunda vida das igrejas”.  Citam-se, entre outras, a igreja de Santiago, em Óbidos, e a de S.Julião, em Lisboa.
Em conclusão: “Uma Igreja pobre para os pobres”, lema de Francisco, não pode habitar sob o mesmo tecto onde se chocalham sacos de esmolas em horas sagradas, onde se vendem (alugam-se) velas, caveiras e braços e pernas de cera pela mãos de funcionários que têm o desplante de autocognominar-se “funcionários de Deus”.

Não podia deixar de situar estes considerandos na comemoração dos 30 anos da ocupação da igreja da Ribeira Seca. É que este foi também mais um forte pretexto que levou o poder religioso a  ostracizar aquela  comunidade: a recusa em levar dinheiro ao Paço Episcopal. Para apoiar causas nobres, como foi o caso de Timor, de Moçambique, da Luta contra o cancro e similares, ela esteve  e está sempre presente. Para o mafioso Banco do Vaticano e suas sucursais nas dioceses, nem um cêntimo.  Pensamos estar na Verdade.

Martins Júnior
03/Mar/2015

sábado, 7 de março de 2015

NOITE E DIA DA MULHER/2015


       Acaso ou não, o certo é que o DIA INTERNACIONAL DA MULHER, em 8 de Março de 1985, intercalou-se no mais aceso da luta da comunidade da Ribeira Seca, tendo sido as mulheres uma força decisiva na construção da vitória contra as hostes invasoras ao serviço do governo e da diocese. Aliás, é consabido que ao longo da história elas ocuparam a vanguarda de muitas lutas, sobretudo, nas zonas rurais e nas vilas piscatórias, visto que os homens constituíam a única fonte de rendimento capital para os seus agregados familiares, enquanto às mulheres ficava reservado o papel de mães, educadoras, programadoras dos trabalhos domésticos, estatuto este que lhes conferia  uma posição de charneira no plano colectivo das comunidades. Lembremo-nos, em Portugal, da chamada revolução da “Maria da Fonte” e da corajosa ceifeira alentejana Catarina Eufémia.
         Neste dia ímpar que estende o seu manto sobre todo o dia de amanhã, quero homenagear as mulheres todas do mundo e, com particular afecto as mulheres da Ribeira Seca, umas ainda vivas, outras já falecidas,  que afrontaram perigos e ameaças, processos e prisões, de que saíram vitoriosas nesta página, a um tempo dolorosa e gloriosa, da história desta comunidade. Ei-las a bordar, na foto, guardando a igreja que construíram. Isto aconteceu quando a organização bombista “FLAMA” ameaçava fazer explodir o referido templo,
         À MULHER UNIVERSAL E INTEMPORAL dedico este poema, onde pretendo radiografar o cenário claro-escuro e o sabor agridoce da condição feminina, não só na vertente Mulher-Mulher, mas também na sua transfiguração soberana esparsa nos três reinos da natureza: o animal, o vegetal e o mineral. Em tudo mora o feminino.    
  

DONA DOS TRÊS REINOS


Mulher-águia imperadora dos ares
Prendada e predadora
Mulher-leão sentinela de juba armada
Ciosa e devoradora
Mulher-víbora onde o abraço é um sufoco
E onde a noite se abre em branca aurora


Mulher-pétala perfume
E embondeiro bravo
Que umas vezes é terna sombra-mãe
Outras ruim ferro que sorve em lume
O verde que a terra tem


Mulher-água, mar e mária
Pauta stradivária
E promontório, magma,
Que tanto rebenta
Quanto sustém
Os fantasmas da tormenta

Mulher-Mulher
Contradição e oráculo
De enigmática Pitonisa
No teu seio-receptáculo
Da vida
Outros mundos dás ao mundo
Milagre eterno que faz
Teu ser de mãos frágeis  imperfeitas
Que é sempre mais o que dás
Que tudo quanto aceitas

Nos três reinos naturais
Há sempre
Um coração de mulher
Dona e patrona dos mortais
Ou pedra ou voo ou malmequer
Cobiçada fémina Fénix
Nome doce de Mulher


7/8.Março,2015

Martins Júnior