quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

TRÊS DIAS DA MADEIRA EM LISBOA!

 
Hoje saio à rua, prosaico e directo, despido de abafos, mesmo com estes doze graus celsius,  para constatar que quem vive adormecido, pior se for “à sombra da  bananeira”,  só  acorda  se  lhe  tocar algum tsunami  distante.  Refiro-me  ao  concerto  mundial  de  protestos  e  imprecações  que provocou  o ataque assassino  ao “Charlie  Hebdo”, em Paris.  E entre  mortos  e feridos, toda  a  gente  entrou  em  sobressalto  com  os  destroços  daquilo  que  enche os  lençóis de  jornais e  os meios  audiovisuais:  a Liberdade  de  Imprensa.  A Madeira do crude e das aluviões não foi excepção: também  acordou. E vai  daí, iça  a  bandeira e  lá  vai, mar  alto, discutir na  “capital do Império”  a liberdade de imprensa da  e  na  Madeira.  É  uma  coisa  assim parecida  como quem  perde  uma  agulha  num  palheiro  em Santana  e  vai procurá-la  num  hotel  de  Lisboa.
Achei  peregrina e  missionária  esta iluminação  de  levar  à  diáspora madeirense  o nosso  “estado  da nação” e, ainda por cima,  quando concebida  por  agentes  responsáveis da  informação na ilha.  Isto  traz-me à  memória  a  intervenção  que  fiz  em 1985  na Assembleia  Regional  a propósito  dos   atentados  do governo regional  contra  uma  propriedade, pertença de uma  comunidade  em  Machico,  os quais foram largamente difundidos na  imprensa  nacional  e  praticamente  silenciados na  Madeira: “Será que voltámos   ao  tempo  do salazarismo,  em  que  para  sabermos  notícias  de  Portugal,  tínhamos  de ler  os jornais  estrangeiros ?”.

E nós, por cá,  tudo  bem !
Se  os  directores e  os  correspondentes  entendem  engalanar  as  suas edições garrafais a favor  dos  apaniguados  e  esconder ou baralhar propositadamente  as iniciativas de  quem  é  “persona  non  grata”  ao  decisor-censor, tudo bem! Quando,  aereamente  sentado ao  microfone,  o  “radialista”  madrugador anuncia para esse  mesmo  dia  uma  iniciativa  que  já  tinha  ocorrido  três  dias  antes, tanto  melhor!  E se  um  jornalista de  televisão  faz  a reportagem,  entrevista  os  promotores,  monta  a  peça  e, ao depois,  o decisor-censor  fecha-a  “a  cadeado”  na  gaveta  do  seu  amurado  directório,  então  óptimo!
Terão  certos e determinados moderadores  e  doutos prelectores da ilha  manifestado à “diáspora” em Lisboa  estas poéticas  liberdades de expressão ---  vista, falada  ou escrita ---  de  que também  têm  sido  cúmplices,  embora  vítimas  do  medo  hereditário  do  regime insular?  Não  sei.  Só  falo  daquilo que vi, vejo e sei. “O que é  que quer que  lhe  diga?...  Isto  é  o  meu  ganha-pão” ---  foi com imensa  mágoa  e não  menos  compreensão  que  recebi  a  justificação  de  um  profissional  da informação face  a  uma    legítima  observação  crítica da minha  parte. Há  muitos  anos!
Já nem falo desse parto incestuoso dos dois poderes, o eclesiástico e o político, e que eu classifico como o “cardápio dos mortos”, onde o Paço Episcopal  (aqui tenho de fazer censura ao verbo mais adequado que me apetece aplicar)  se deixa mascarrar e manietar pela Quinta Vigia. Ainda assim, reconheço-lhe o papel de idiota útil para obrigar a que o “colega” rival lhe faça alguma diferença e não se contaminem os dois com a tinta da mesma rotativa em que ambos são impressos.
Quantos e tantos madeirenses gostariam de ver e participar no mesmo debate, mas aqui na ilha, como aquele que supostamente foi levado ontem e hoje à “diáspora” madeirense sediada em Lisboa!
Enquanto isso, foi-nos dada a tribuna das redes sociais que, apesar e descontados os excessos sem cotação, nos permitem alcançar uma parcela, ao menos, de um pensamento livre.
Ouvi dizer que, em breve, um punhado de corajosos madeirenses (alguns deles, por serem os melhores e mais honestos jornalistas, foram “aumentados” e despedidos) abrir-nos-ão em edição “on line”  o palco aberto onde se respire o ar  puro da Liberdade de Expressão!
Daqui lhes envio o abraço de feliz sucesso  na Ilha do Medo e da Mordaça.   

29.Jan.2015

Martins Júnior

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

AUSCHWITZ DE ONTEM E DE HOJE

No turbilhão frenético de notícias tão diversas e controversas que nos puxam nestes dias, desde a vitória do Syrisa até a morte (mau presságio!) de Demis Roussos e do F-16 grego  que se despenhou em Albacete, Espanha, causando 10 mortos, torna-se difícil uma síntese que pacifique e harmonize o nosso sistema neuro-vegetativo. Por mim, ficar-me-ei pela comemoração do 70º aniversário da destruição positiva do inferno de Auschwitz e suas “sucursais” europeias, as de ontem e as de hoje.      
         Quanto aos de ontem, já todos sabemos da barbárie de que foi capaz um medíocre sargento do exército alemão. Todavia, o que nos sobeja em conhecimento talvez nos escasseie em aprofundamento e séria interiorização dos factos. Como foi possível que a chamada civilização cristã e ocidental deixasse crescer um monstro tentacular, de sete esporas e sete cabeças, sem um pingo de sensibilidade de gente e capaz de cevar nos humanos aquilo que nem os animais selvagens seriam capazes de o fazer?!

         Devo dizer que bastou-me ver a olho-nú uma dessas “sucursais” de Auschwitz, para ficar com vergonha de pertencer à condição humana. Aconteceu em 1995, na visita  ao campo de extermínio de Natzweiler-Struthof,  a 50 Km de Estrasburgo. A planura verde que circundava o perímetro das instalações fatais em nada ajudava a suavizar o estremeção interior que percorria o rosto de quantos ali estávamos. Muito sumariamente, nestas fotos de há 20 anos, ver os beliches de troncos atravessados que serviam de cama aos condenados antes de entrarem para aquele forno crematório, deixando fora, como tétricos testemunhos, os sapatos e as roupas; contemplar em arrepio os enormes triângulos da forca fatídica onde dependuravam os inocentes, enfim, mais abaixo o armazém das câmaras de gaz onde  agonizaram homens e mulheres --- toda esta prisão em que voluntariamente entrámos como turistas fazia-nos estalar este grito, feito de silêncio e raiva: “Tirem-me daqui”!  
Sob a ampla designação de “Aliados”,  europeus e, sobretudo, americanos e russos libertaram a Europa e o mundo do inferno nazi. No entanto, os mesmos americanos libertadores da Europa foram os mesmos que em 6 de Agosto do mesmo ano, 1945,  descarregaram um "Boeing-29 Superfortress" sobre alvos humanos em Hiroshima e NagasaKi, mais tarde o Vietnam, o Iraque, o fedor de Guantánamo… Foi o mesmo Exército Vermelho, vencedor do nazismo, que substituiu os fornos crematórios de Auschwitz pelo “inferno” gélido da Sibéria, onde secavam mirrados os corpos dos opositores ao regime estalinista. Insuperável maldição: Parece que os humanos, fabricantes de  humanos, condenam-se, eles mesmos, ao genocídio suicida! E se foi para isto que foi criado o mundo, mais valera nunca ter sido povoado pela “raça” humana.
E não há forma de estancar esta sangria congénita que se transmite com o sémen dos procriadores,  seja por armamento bélico, seja por terrorismo financeiro dos países ricos sobre os mais pobres, dos offshores predadores do sangue, suor e lágrimas dos explorados, seja do Norte contra o Sul, a desvergonha de uma Alemanha que, não satisfeita com os 550.000 mortos infligidos em território grego, continuam a querer matá-los com redobradas ameaças político-económicas.
Enfim, exausto deste masoquismo em que mergulho face à auto e anti-humanidade, concluo que a barbárie não tem idade nem rosto nem cor. De quem dependerá um novo mundo? Dos poderosos é que não, nem dos parlamentos formais. Sim, da força do povo organizado, não apenas do povo votante mas do povo vigilante. Quando um país ou uma região começam a vacilar quando censuram, dia por dia, mês por mês, os erros dos que governam e estes vociferam: ”Estão ofendendo o país, estão contra a região” , quando tal acontece, aí começa a repressão, a ditadura e, no limite, a destruição total. É preciso não esquecer que o Todo-poderoso Fuhrer começou como um vulgar sargento da tropa, abençoado pelo Papa Pio XII que mais tarde lhe enviou a seguinte mensagem: “Ao Ilustre Herr Adolf Hitler, Furher e Chanceler do Reich alemão, queremos garantir-lhe que continuamos devotados ao bem-estar espiritual do povo alemão que foi confiado à sua liderança”(…). Já nos alertava o grande filósofo Tomás de Aquino que um pequeno desvio no início transforma-se num monstruoso erro no fim.

Por isso , deixei ficar escrito pelo meu próprio punho no Livro de Visitas de Natzweiler-Struthof este anseio que agora transcrevo:
“Que je souhaite que des cendres de la haine humaine puisse refleurir défintivement la joie de vivre”! (Quanto desejo eu que das cinzas do ódio humano possa florescer definitivamente a alegria de viver). 

27.Jan.2015
Martins Júnior

domingo, 25 de janeiro de 2015

OUTRO 25 UNITÁRIO NA MADEIRA UM CASO A REPENSAR


Neste fim de dia, 25 de Janeiro, eu sei que os olhos e os ouvidos de todos os media e, por  consequência, de todos os bloguers estão voltados para um outro 25, aquele que os gregos aguardam ansiosamente como nós ansiámos em 1974: o seu “25 de Abril”.
Entretanto, da minha parte, vou concluir a sequência histórico-narrativa que me ocupou durante a semana que hoje termina: O “Oitavário para a Unidade das Igrejas Cristãs”. É de outro “25 de Abril” que se trata, quiçá, mais determinativo, se fosse vivido a sério, o qual se sintetiza naquela máxima de Hans Kung: “Nunca haverá paz entre as nações enquanto não houver paz entre as religiões”. E quem seguiu as reflexões dos dias ímpares desta semana com um mínimo senso hermenêutico, terá verificado que foi sob a máscara das religiões  que se ensanguentaram e assassinaram impérios e nações.
Na Madeira, participei, como de resto faço todos os anos, numa celebração comunitária, intra-cristã, na igreja de São Pedro, Funchal. Na ara do mesmo templo, arvoravam-se os mastaréus de  quatro igrejas cultuais cá da ilha: o bispo católico, a presidir sempre, o pastor da igreja presbiteriana, o da igreja anglicana e, para colorir o prosaico quarteto, a elegância loira de uma mulher, a pastora representante da igreja luterana.  Eu disse “prosaico quarteto” porquanto o que se viu foi um repetido, artificialmente formatado mosaico de há dez, quinze, vinte anos, no mesmo templo. Para ser breve e explícito, devo confessar que aquilo só me lembrava as coligações partidárias, em vésperas de eleições,  que se reúnem em assembleia regimental para falar muito e ficar-se cada uma na sua. Foi interessante ver cada “deputado” religioso vender o seu “peixe” (digo, vender, porque até nem faltaram os saquinhos de dinheiro no ofertório, por iniciativa do anfitrião católico!) perante uma escassa plateia, o que vem provar que tudo não passa de uma “feirinha de vaidades” para delícia dos actores em cena.
Exceptuando uma ou outra frase desgarrada, devo dizer que fiquei com a sensação de estar a cumprir-se mais uma jornada do calendário, dito religioso.
Como me comentava, dias antes, um dos intervenientes, este sim, consciente da importância do acto, o “diálogo inter-religioso deveria fazer-se com a comunidade e pela comunidade” e deixar-se deste mini-espectáculo de revista caseira que não revigora  nem convoca ninguém para um verdadeiro senso e consenso do fenómeno religioso, apenas servindo de camarim e vestiário dos respectivos titulares de cargos eclesiásticos.
Melhor andaram, em Lisboa, as comunidades islâmica, judaica e cristã que se uniram sucessivamente em cada santuário da sua crença --- na mesquita, na sinagoga e na igreja --- dando assim um perfeito exemplo de respeito mútuo pelo tríplice culto, sem qualquer laivo de vã supremacia unilateral.
Mas além da feira de vaidades, mais uma vez confirmei a hipocrisia reinante, sobretudo na Igreja Católica, ao ver “com olhos vistos” um bispo que se apressa e solenemente se atavia para ficar na fotografia de quatro religiões diferentes num altar do centro da cidade e  se recusa a visitar e dialogar com os cristãos católicos de uma humilde igreja sub-urbana em Machico! Mais: uma Igreja Oficial, dita Católica,  que manda 70 agentes policiais armados atacar de madrugada os fiéis  cujo crime era e ainda é invocar J:Cristo no templo que eles próprios construíram, com o seu braço de trabalho. Isto passou-se entre 27 de Fevereiro e 18 de Março de 1985, perfazem agora 30 anos!
Teremos tempo de reavivar a memória.
Teremos tempo de meditar a Unidade das Igrejas, dentro da nossa casa primeiro,  para só depois haver credibilidade de celebrar a Vida e a Comunhão Fraterna com as comunidades vizinhas.   
É por isso, creiam, que todos os anos acompanho, emocionado e condoído, a comemoração litúrgica da igreja de São Pedro.


25.Jan.2015

Martins Júnior     

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

SEMPRE O CESAROPAPISMO -- O VÍRUS DESTRUIDOR DA UNIDADE



Em chegando ao fim da Semana da Unidade, ficou assente para quem me acompanhou que o apelo à unidade pressupõe a existência de um vírus exterminador: Por muitos meandros que se  cruzem na história das religiões e na consciência das pessoas, ou por mais etéreas e sublimes as emoções, lá estará sempre o factor humano, o deus Leviatão, a dominar o curso dos acontecimentos até tomar as rédeas do poder e dirigir a carruagem dos tempos. E é, precisamente, no instinto religioso que ele vai buscar o fogo propulsor da sua locomotiva. Desde sempre: a entronização, seja ela discreta ou espaventosa, do faraó no altar dos deuses, até à divinização dos caudilhos, dos fuhrer’s, dos carismáticos soberanos! Prender numa só mão os dois poderes --- o temporal e o espiritual --- eis o apogeu da dominação dos povos.
 O que anteontem ficou dito acerca da divisão entre católicos e ortodoxos em 1054, já ocorrera entre 2000 e 1788 A.C., na tumultuosa transição entre o Antigo e o Médio Império: “O centro da gravidade política deslocou-se de Mênfis, ao Norte, para Tebas, ao sul; e é por esta razão que o deus da nova capital do Império, Amon de Tebas, que até então não era mais que uma insignificante divindade local, se transforma em Amon-Ré, por estar à altura do seu novo significado político”. É o mesmo autor, Eric Voegelin; que o afirma na sua obra “As Religiões Políticas” ( proibida desde a ascensão de Hitler) que o sublinha: ”O colectivismo político não é somente uma manifestação política e moral: é a sua componente religiosa que me parece muito mais importante”.
Seja por onde for que se lhe pegue, a tessitura das rivalidades religiosas nasce e robustece-se com a auto-cefalia do Poder. Assim, em Inglaterra, com Henrique VIII, assim com a doutrina galicana em França (lembram-se dos dois papas: um Roma e outro em Avinhão?), assim em Pequim, na China comunista, onde há duas igrejas católicas com sacerdotes: ali se prega, ali se reza e se canta em chinês, mas essa igreja oficial não tem nenhuma ligação com o papa de Roma. Sem uma escolha dos bispos no próprio país, dificilmente se há-de chegar a um entendimento em Roma. E sem a aceitação, por Roma, destes três pontos --- auto-sustentação, auto-administração e auto-difusão da igreja --- não será possível uma reconciliação entre a igreja oficial e a igreja subterrânea”. (Hans Kung, Religiões do Mundo).
 Propositadamente (decerto já reparastes) preferi a  diacronia  dos acontecimentos, justamente para demonstrar que é pelo pipe-line das religiões que as ditaduras ou as autonomias musculadas vão abrindo caminho, sem esquecer que, no mundo ocidental, o cesaropapismo seguiu rumos diversos, após o declínio do decrépito Império Romano: foram os Papas que impuseram o seu domínio absoluto na esfera dos dois poderes, o temporal e o espiritual, para escândalo de toda a Igreja.
É o movimento circular da História, numa comprometida osmose de interesses conflituantes que, se bem analisarmos, tem passado por cá até ao momento presente.  
Na Semana da Unidade, com términus a 25 de Janeiro, sirvam estas considerações para ajudarmos a neutralizar os vírus que minam esse tão desejado sonho unitário do nosso J:Cristo!
23.Jan.2015

Martins Júnior

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

EM GUERRA: O ORIENTE E O OCIDENTE

Na “boa Noite” de hoje, retomo e esclareço o objectivo que formulei no final do encontro anterior: “separar o trigo do joio”. Refiro-me com esta designação a toda a religião-instituição ou, melhor, a todas as religiões-instituições. Agrada-me navegar no tempo, sobretudo nesta altura, a única no ano inteiro, entre 18 e 25 de Janeiro, em que nos é proposto um exame e nos toca um convite, sob o titulo genérico “Oitavário para a unidade da Igrejas Cristãs”. Nesta viagem há uma constatação cíclica no oceano da história: São os homens que fazem e desfazem as religiões, são os mais hábeis e poderosos que capturam, torcem, distorcem e contorcem as crenças inatas no coração humano para transformá-las em muralhas, tronos e até masmorras de tortura.
De entre as múltiplas variantes da crença cristã, descrevo hoje uma daquelas que melhor atestam  o enunciado: a Igreja Ortodoxa, praticada por cerca de 250 milhões de fiéis, estendida pela Grécia, Arménia, Síria, Jordânia, Jerusalém, Grécia, Rússia e restante Europa de Leste. Tem-se na conta de única e legítima herdeira da tradição cristã, autoproclamando-se, por isso, igreja ortodoxa, orthos,  a justa, certa e  verdadeira. Como foi possível que a “Igreja indivisa” --- desde Roma a Bizâncio e a Jerusalém --- estourasse tão drasticamente e se guerreasse até à exaustão?
E aqui entra a mão do homem, do mais poderoso e mais hábil. O Imperador Constantino Magno, que concedeu a paz aos cristãos no ano de 313, enquanto manteve em Roma a sede imperial,  realizou o ideal da “Igreja indivisa”. Mais tarde, porém, mercê do enfraquecimento político de Roma, mudou a sede imperial para Bizâncio, que passou a designar-se por Constantinopla, a cidade de Constantino.  E aqui começaram as dissensões: umas de ordem cultural e geográfica (Roma latina, Constantinopla helenista), outras de índole teológica e, tinha de ser, as de supremacia política. Nesta tríplice conjuntura, deram-se as mãos os corifeus religiosos e o poder imperial, este o mais interessado na hegemonia do Oriente contra o Ocidente. Instaurou-se o “princípio da acomodação”,  que preceituava a adaptação eclesiástica à organização política do Império. Constantinopla, capital do Império, ditava a lei e a religião, em detrimento de Roma, segundo F.Dvornik:
“O helenismo cristão via no Imperador o representante de Deus na terra, um vice-gerente de Cristo, que, por isso, tinha não só o direito como também o dever de vigiar a Igreja, defender a Fé Ortodoxa e conduzir os seus súbditos a Deus, assistindo-lhe ainda a jurisdição para convocar e presidir ao Concílio”.       
Comentários,  para quê?... A Igreja, cúmplice e empregada subserviente do Poder Político! E a isto chamamos Religião?!
Mas como as vicissitudes do poder passam de mão em mão, de cidade em cidade, conforme a proporção das forças nos (ridiculamente) chamados “teatros de guerra”, sobrevieram as invasões --- dos povos bárbaros sobre Roma (séc.V), a dos muçulmanos sobre grande parte do Oriente (séc.VII) e o saque de Constantinopla pelos cristãos venezianos, por ocasião da 4ª Cruzada, patrocinada pelo Papa Inocêncio III --- até que o Imperador Constantino IX  Monomakos, após a excomunhão do patriarca Miguel Cerulário , entrega as insígnias  do Império ao Príncipe Vladimir de Kiev. Inaudita trama neste nó de víboras (parafraseando François Mauriac): a Igreja, dita de Cristo, passou da “Primeira Roma”, em Itália, para a “Segunda Roma” em Bizâncio ou Constantinopla e, finalmente, para a “Terceira Roma” em Moscou, na Rússia!!!
Cena verdadeiramente fantasmagórica foi aquela, ocorrida nesse ano definitivo de 1054, em que o cardeal Humberto, legado de Roma, foi depositar no altar da basílica de Haghios Sophia (Santa Sofia ou Santa Sabedoria) o decreto papal de excomunhão do citado Patriarca Miguel Cerulário, tendo este, em resposta, queimado publicamente o documento condenatório e atirando a mesma excomunhão sobre o Papa de Roma!!!
Eis os jogos políticos a que os homens da Igreja se sujeitaram, responsáveis pela separação de 250 milhões de crentes em J:Cristo!
Sirva a presente síntese para separarmos, mais uma vez, “o trigo do joio”. De ontem e de hoje. De fora e de dentro da nossa casa!
Por outras palavras palavras, separar a Religião das religiões.

21.Jan.2015
Martins Júnior

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A RELIGIÃO, O PODER E O GRANDE CAPITAL

 
Reconheço e reconhecereis vós que não é de fácil digestão este menu que me propus apresentar durante a Semana do Oitavário para a Unidade das Igrejas Cristãs, entre 18 e 25 de Janeiro de cada ano. São muitas e escaldantes não só as coincidências mas as conclusões deste acto cultural, qual seja o de investigar a fonte, os afluentes, as aluviões que formaram o tão nobre --- assim devia ser, mas não é --- fenómeno das religiões.
Passando da segunda para a terceira coincidência, como anteontem referi, recordo o  enunciado: as religiões, tais como as conhecemos,  mais não são que reféns e suportes, para não dizer, bengalas  do poder e do capital. O barómetro religioso oficial movimenta-se no mesmo sistema de vasos comunicantes do poder e do dinheiro.
Por isso, estamos tão longe do horizonte de J:Cristo
É por isso que todos os credos de notoriedade mundana têm sempre a segurá-los o mesmo cordão umbilical: Foi o que demonstrei, evocando a chacina de Paris, na redacção do Charlie  Hebdo  em 7 de Janeiro de 2015 e a carnificina de São Bartolomeu em 24 de Agosto de 1572.
Sob a bandeira patriótica de uma pseudo-divindade esconde-se um outro satânico patriotismo: o do poder e do dinheiro.  Nesta semana da unidade é estação obrigatória avistar de perto uma das derivas, talvez a mais determinativa no divisionismo das igrejas cristãs, ou seja, o protestantismo, fruto directo do luteranismo. Porque sei que os meus amigos e amigas conhecem ou desejam conhecer as fontes e os desenvolvimentos deste dobrar do Cabo das Tormentas, apenas lanço à mesa as cartas de um jogo labiríntico, nos seus métodos, e sujo, ao mesmo tempo, na sua leitura religiosa.
Tudo começou pela denúncia, por parte de um talentoso monge agostiniano, Lutero, contra o comércio, leia-se venda,  de entidades sagradas, chamadas indulgências: quem mais dinheiro desse para a construção da basílica monumental de Roma menos chicotadas de lume ou menos dias de Purgatório sofreria no outro mundo.  Porque o Papa não quis receber nem ouvir Lutero sobre o assunto, excomungou-o.  Até aqui, nada de trágico, senão a condenação  e a exclusão do monge. Mas --- agora começa a cauda  da serpente exterminadora --- ocorria um conflito insanável entre os principados e ducados alemães contra o domínio de Roma. A nível de poder territorial e de supremacia cultural, ao ponto de, a propósito das competências dos estudos universitários, citar-se o histórico adágio: doctor romanus, asinus germanus (“um doutor romano equivale  a um burro germânico”). A luta férrea pelo domínio dos príncipes e ducados contra o poder imperial conheceu episódios de bradar aos céus e aos mares! Por mais esforços que fizesse o próprio Carlos V, o que mais se conseguiu para estabelecer a paz foi a promulgação deste normativo :Cujus regio ejus religio” (a cada região, a sua religião), o qual ficou conhecido pela Paz de Augsbourg, em 1555. Estava instaurada a Religião de Estado: era o soberano que detinha toda a jurisdição  eclesiástica do seu território, nomeava bispos e padres, confiscava os bens que antes pertenciam ao Papado de Roma e quem não professasse este credo teria de emigrar. Não será caso de espanto, até porque em Portugal, a história do episcopado entre 1498 e 1828 regista que era bispo quem o rei designava, restando apenas ao Papa o “agrément” formal.
Apenas como aperitivo, sublinho que se passou o mesmo em França, a partir de Meaux, através de um grande intelectual, eminente cultor greco-romano, o humanista Lefèbre d’Étaples (1455-1537) cujo sucesso muito ficou  a  dever-se  à princesa Marguerite dÁngoulême, irmã de Francisco I.
O mesmo se verifica com o líder  protestante Calvino que, passando por Genève, conhece a poderosa princesa Renée de Ferrare, protectora das novas ideias, estabelecendo-se por fim em Strasbourg, de onde difundiu largamente o pensamento anti-romano, em cuja profissão de fé figurava o princípio sagrado de que o “Estado é o Vigário de Cristo”, o que levou os analistas a considerar o calvinismo como uma teocracia.
Em conclusão --- e repito que não é fácil digerir e admitir esta híbrida e contra-natura cumplicidade entre um verdadeiro culto religioso e o exibicionismo, quantas vezes contorcionista, do poder e do capital.
Teremos tempo, se tiverdes paciência e curiosidade científica, para separarmos o trigo do joio.

19.Jan.2015
Martins Júnior

sábado, 17 de janeiro de 2015

TREMENDAS COINCIDÊNCIAS!


É um privilégio e grande sorte alcançar a síntese de saberes, confrontá-los e unificá-los, enfim, realizar a verdadeira  “universitas” do conhecimento que cria aquilo que se chama sabedoria. E tanto melhor quando nos é dado viver a simultaneidade dos acontecimentos, cuja coincidência nos faz penetrar no âmago das ideias e da história.
Serve esta brevíssima introdução para vermos de cima a paisagem que presentemente nos comprime, a nível europeu e a nível mundial: as trágicas atrocidades cometidas em Paris. E as que se cometeram na noite de 24 de Agosto de 1572, mais conhecidas pela “matança de São Bartolomeu”, com epicentro em Paris.
Quais as coincidências?  
Primeira: A Religião ou, mais precisamente, as religiões.
Segunda: O oitavário para a Unidade das Igrejas Cristãs.
Terceira: As religiões – reféns do poder e do capital.
Quarta: São as religiões que atrapalham e estragam a Religião.

Quanto à primeira, abra-se qualquer compêndio da História da Igreja (da minha parte vou circunscrever-me ao II volume que estudei no curso de Teologia, já lá vão mais de 50 anos, Histoire de l’Église,  de Dom Ch. Poulet, Ed. Beauchesnes, Paris, 1953) onde se narra a carnificina que a "catolicíssima" Catarina de Médicis ordenou contra os protestantes, tendo sido massacradas 2.000 pessoas, ateando-se depois esse fanatismo às cidades de Rouen, Meaux, Troyes, Lyon, Orléans, Angers, Bourges,  Poitiers, Bordeaux, Toulouse. O Papa Gregório XIII mandou cantar um solene Te-Deum de Acção de Graças e até fez cunhar uma medalha comemorativa, por tamanho feito. Acrescenta a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira que “a carnificina  foi festejada em Lisboa com uma procissão geral, missa solene em S. Domingos, sermão gratulatório, pregado por Frei Luís de Grananda, repiques e luminárias. Dom Sebastião mandou a Paris um embaixador extraordinário, o Comendador-mór de Cristo, D. Afonso de Lencastre, incumbido de significar a Carlos IX o seu contentamento por tamanha obra, executada com tanto zelo”.

Será caso para repetir a charada: “Qualquer semelhança, entre os dois bárbaros atentados, é pura coincidência”.  Com a diferença que foi a Igreja Católica, portanto  Cristã, a autora assassina contra outra Igreja também Cristã!
A segunda coincidência  deste meu escrito  --- e aqui me fico por hoje --- está no notável acontecimento que amanhã se inicia em todo o mundo: o Oitavário pela Unidade das Igrejas que professam o Evangelho de Cristo. Tremendo paradoxo: uma só Igreja e tantos divisionismos?! Esta campanha estende-se entre o 18 e o 25 de Janeiro de cada ano.
Desde já, quero compartilhar com quem me acompanha que será este o genérico que ocupará o nosso convívio nos dias ímpares que se seguem.
Será um tempo de reflexão, o encontro entre o ontem e o hoje, será a pesquisa da síntese de saberes para tentar interpretar este fenómeno tão belo quanto perigoso chamado religiosidade.
Oxalá sirva para que haja mais “Senso&Consenso” no mundo!

 17.Jan.2015
Martins Júnior       

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

I HAVE A DREAM” 15 de Janeiro – Dia de Sonhar MARTIN LUTHER KING

Cada dia é sempre um dia ímpar. Não apenas no cômputo intercalar  do calendário, mas em todos, mesmo que se apresentem como dias pares. Hoje é um dia duplamente Ímpar.
Explico-me: para quem se senta comigo, à noite, nesta  sobremesa de pensamento partilhado, há-de ter fixado que, na última ementa aqui reproduzida, referi-me às tremendas lavas do vulcão onde --- a escolha é nossa --- morreremos ou renasceremos juntos. Mais:  perpassa no meu subconsciente o  luminoso sobressalto de que, do seio convulsivo em que todos estamos a gerar-nos e a regenerar-nos  dia-a-dia, hora-a-hora,  há-de surgir o parto de um outro e desejado  mundo onde se mereça viver.  Pressinto que (já não será no meu tempo privado) que os relâmpagos e as trovoadas que nos abalam  prenunciam um tempo global em que, na literatura bíblica, “O lobo dormirá junto ao cordeiro, a criança meterá a mão no covil da serpente e os homens não mais aprenderão a arte da guerra, transformando as espadas em relhas de arado e em foices de ceifar os campos de trigais”.
I have a dream”!
Recito e volto a recitar esse sonho-poema  neste dia verdadeiramente ímpar. Porque faz hoje anos que nasceu o grande, imorredoiro guerrilheiro da paz e do amor, Martin Luther  King, em 15 de Janeiro de 1929.
   Em vez de massacrar-me com a tragédia de Paris ou de denunciar a muita hipocrisia de magnatas do poder que traziam  nas mãos o protocolar cartaz “Je suis Charlie”  e no coração a Kalasnikov dos Houache, em vez disso prefiro o sonho de Luther King que lutou com “as armas da Luz” pela igualdade de direitos dos negros americanos, com sucessos, traições e prisões, até alcançar aquela meta histórica de juntar 200.000 pessoas de todos os credos e etnias  numa marcha pacífica em Washington, 28 de Agosto de 1963, em redor do monumento de Lincoln, abrindo-se aí o embrião da nova Lei  dos Direitos Civis, promulgada por Lyndon Johnson em 1964, garantindo, no ano seguinte, o direito de voto a todos os cidadãos negros. Ganhou merecidamente, em 1965, o Prémio Nobel da Paz, mas só o saboreou durante três anos. Faltava-lhe “pagar” a última factura de uma luta porfiada, mas vitoriosa: o assassinato em 1968.
Chamo-lhe guerrilheiro, porque, assim falava, “Quem aceita o mal sem protestar coopera com ele… O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem carácter, dos  sem ética, o que me preocupa é o silêncio dos bons”. E chamo-lhe o herói da paz e do amor, porque, assim proclamou,  “o ódio não pode expulsar o ódio, só o amor o pode fazer”.
E aquela missão impossível  --- “sonho o dia, em que os filhos dos negros hão-de sentar-se ao lado do senadores brancos americanos” --- veio a cumprir-se plenamente em 2008 e 2012 com a eleição de Barack Obama, 44º  Presidente dos EUA,  ele também, Obama,  Nobel da Paz, galardão pré-concebido e depois corporizado na abolição do bloqueio cinquentenário entre Cuba e o Estado Americano. Quem diria, mesmo em vida do próprio  Fidel de Castro?!
A História não é mais que uma conquista de pequenos passos até alcançar a Terra Prometida… removida e reconstruída por cada um de nós, inquilinos anónimos para os vindouros  beneficiários dos nossos esforços, aqui e agora.
Por isso, há-de chegar a hora, o Dia Ímpar em que serão os próprios muçulmanos a descobrir e tornar vivo o sonho de Maomé:  “Levar a alegria nem que seja a um só coração vale mais que construir mil altares”, mil mesquitas, mil sinagogas, mil catedrais, mil basílicas, acrescento eu.

15.Jan.2015

Martins Júnior

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

MORRER OU RENASCER SOBRE UM VULCÃO


Ninguém, nem nenhum acontecimento, por mais sobredourado que se apresente --- seja a baixa do preço do petróleo, seja o triunfo de Ronaldo, seja mesmo a  corajosa visita de Francisco Papa ao continente asiático --- nada conseguirá anestesiar o estremeção do “11-Setembro francês”, em 7 de Janeiro, a que o Le Monde, na sua edição de hoje,  encimou com esta manchete: “Cétait Le 11-Janvier” (era, seria no 11 de Janeiro) , fatídico numerário que tem amortalhado a humanidade em vários países. Impossível ficar sossegado em cima deste vulcão de múltiplas crateras.
Mais do que vociferações contra a “guerra santa”, mais do que dentes afiados prontos a devorar, mais do que milhões de manifestantes, o momento é de reflexiva descoberta de todo o tipo de minas e granadas subtilmente armadilhadas --- e tantas vezes consentidas, provocadas por aqueles que as fabricam nos paiós das próprias nações que dirigem --- e que desfilaram garbosamente em Paris, numa prova de emoção gregária, ao ponto de um jornalista da casa ter gritado: ”Eu vos  vomito a vós que empunhais “Je suis Charlie”!
O CASO É SÉRIO DEMAIS!
Recuso-me à ingénua interpretação que o ataque ao “Hebdo” tenha sido  apenas um puro acto de fanático desagravo à religião muçulmana.  Confesso que a minha cabeça tem-se tornado, nestes dias, um traumático caldeirão de ideias, conceitos e preconceitos, que me levam a sorver tudo quanto os analistas locais, nacionais e estrangeiros vertem sobre tamanha tragédia, não só  pelo número das vítimas, mas sobretudo pelo síndroma que encerra esta operação tremendamente cirúrgica.
Cada um de nós, por acção, omissão ou indiferença, está metido num dos lados da barricada. É o que procurarei desvendar proximamente e a que o esclarecedor debate ontem realizado no programa televisivo “Prós  & Contras” lançou algumas pistas. Ou me engano, ou começa a desenhar-se sobre os escombros o parto de um outro mundo,  onde, entre  décadas ou séculos até, se descubra a nova terra construída na educação e no respeito universais.

13.Jan.2015

Martins Júnior

domingo, 11 de janeiro de 2015

BAPTISMOS…HÁ MUITOS!


Alargando o conceito que anteontem enunciei --- racismos há muitos e de  muitas cores --- aproveito hoje  o ensejo da comemoração do baptismo de J:Cristo por João, o Baptista, no rio Jordão, para pôr sobre a mesa da nossa conversação este tema que é extensivo a todos os credos, inclusive àqueles que estão na ordem do dia, os assassinos de Paris.
Vou discorrer livremente em carris simplistas, pedindo desculpa, desde já, a quem quiser tomar outros comboios e outros destinos. Em primeiro lugar, o baptismo cristão, sobretudo o católico, ao longo dos séculos, com início em Santo Agostinho com o dogma do pecado original, cometeu um crime da mais desumana difamação contra uma criança recém-nascida, ao proclamar que o baptismo tinha por função primordial limpar e absolver  o bebé daquela mancha fatal, o pecado original. Deviam ser processados em tribunal penal todos os papas, bispos e padres que ensinaram que uma inocente criança vinda ao mundo já trazia consigo o estigma de criminosa de uma  metáfora da maçã de Adão e Eva. Felizmente, já emendaram a mão, acabando com esse sádico “escorrega”, a que chamavam Limbo. Em segundo lugar, não parece curial nem justo que os pais e os padrinhos inscrevam, sem o consentimento dos interessados, o filho ou a filha numa colectividade, chamada, no caso, Igreja Cristã ou Católica. E eu, que tenho baptizado, centenas, milhares de crianças, brancas e negras, aqui e em Moçambique, respectivamente, obrigo-me a registar tal compromisso, alertando embora os pais de que “não se sabe se mais tarde esta criança estará de acordo com a manifestação de vontade dos seus progenitores”. Em terceiro lugar, não esqueçamos que o nosso J:Cristo submeteu-se desnecessariamente ao baptismo quando tinha trinta anos de idade! Uma opção de tamanha grandeza terá de assumir-se, preferencialmente, com a plena assunção dos direitos e deveres inerentes a um tal estatuto.
Mas a maior definição do baptismo foi aquela que João, o Baptista, escreveu de viva voz: ”Eu baptizo-vos em água, mas virá um outro, que é maior do que eu, o Messias, esse baptizar-vos-á no Espírito”. Fica bem visto que todos os rituais deste sacramento ficam como que anulados, supérfluos, perante o Espírito que lhe deve presidir. Ser baptizado no Espírito significa que é esta convicção e este sopro interior que comandam a vida de quem foi  baptizado. Pelo que, o baptismo é um projecto em construção contínua para toda a vida: é um renascimento, todos os dias actualizado, fertilizante e reprodutivo. E o que se vê mais é o baptismo de certidão narrativa, de cristãos de papel timbrado para as ocasiões de protocolo. O baptismo não o aceitamos gratuitamente: merecemo-lo, dia a dia, hora a hora, num repetido e quantas vezes denodado esforço para ser-se justo e autêntico.  É o Espírito que o mantém vivo,
Finalmente e em conclusão, nada mais ridículo que ouvir-se dizer “sou baptizado, mas não praticante”.  Em minha opinião, concluo ao contrário: “não é praticante, não é baptizado”, esfarrapou-o, mandou-o às urtigas.  O que me faz impressiva sensação é o facto de, lendo o Evangelho, o nosso J:Cristo nunca ter feito nenhum baptizado desses, formais, litúrgicos. Não consta. O seu lema era viver “em Espírito e Verdade”. Foi este o argumento que levou o heróico líder hindu, Mahatma Gandhi, a afirmar: ” Adoro Cristo, mas odeio os cristãos”. O mesmo se há-de dizer desses fanáticos infiéis a Maomé, os quais, mesmo formados nas madrassas ou professando a shahada, não têm o blasfemo direito de chamar Alá para justificar horrendos crimes condenados pelo Corão.
Lembrando-me de Vinícius de Morais, peço-lhe licença para exclamar que um cristão baptizado é como um “Operário em construção”!

11.Jan-2015

Martins Júnior

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

“LE 11-SEPTEMBRE FRANÇAIS”

Manda a sensatez que não se reaja a quente perante acontecimentos do dia ou da véspera, sob pena de nada se dizer ou, que é o mesmo, cair nos banais lugares comuns. Dado que, porém, no último dia ímpar, me referi aos racismos de muitas cores, peço licença aos meus inter-leitores amigos  para esclarecer  o Post-Scriptum  aí  formulado, onde dizia que um sopro da nossa boca pode desencadear tempestades impossíveis de amarrar, depois.
         Refiro-me ao sucedido  nesse tristemente ímpar, 7 de Janeiro, e a que o jornal  Le Monde  de hoje classifica de “le 11-Septembre français”. Ele foi e é sempre um monstro de mil cabeças que, de tão tenebroso., nem sabemos por onde pegar.
         Certo é que todos os opinadores do mundo civilizado sintetizam-no genericamente em duas direcções: o ataque à liberdade de expressão e o duelo sangrento inter-religioso. Mas seria ingenuamente redutor cingirmo-nos só a isto. Começando pelo segundo detonador enunciado --- o duelo religioso --- a argumentação não me convence. Concedendo que nada há de melhor e, paradoxalmente, mais pernicioso que a religião, tenho para mim que a religião nunca navega sozinha ao leme. Pelo contrário: ela faz parte do lastro indispensável à nau de outras bússolas e de outros valores que mais alto se alevantam.
         Assim foi nos anos quinhentos  das duas bandeiras dos Descobrimentos, a  Fé  e o Império, quando se sabe que na alta gávea das caravelas era o alargamento do território, o comércio das especiarias e do subsolo orientais que conduziam a estrela dos mareantes. A nossa cristianíssima civilização europeia é tecida de teias imperialistas, lutas fratricidas, arranjos casamenteiros para anexação de terras, e tudo isto abençoado umas vezes, outras excomungado (conforme as alianças) pela Santa Sé Vaticana, cujos resquícios este Pontífice corajosamente tenta erradicar. Leiamos, entre outros,   “A Santa Aliança” de Eric Frattini.
         Noutras paragens, atavicamente marcadas pela agressividade tribal, que, herdeiras do judaísmo e do cristianismo, se passaram para o Islão, não é diversa  a geometria de interesses, com o petróleo à cabeça: olhemos a carnificina entre irmãos da mesma fé muçulmana, sunitas, xiitas, Iraque, Afeganistão, Síria, ao ponto de a mesma fé unida num pólo, tornar-se rival num outro.
         E o maior erro da chamada civilização democrática foi o aventurar-se a resolver, com categorias ideológicas e estratégias bélicas exclusivas,  problemas e conflitos de contornos diametralmente opostos, esquecendo que (foi o que aconteceu na nossa “de má memória” guerra colonial) quem está em sua casa sabe os caminhos e veredas por onde caçar o invasor. Criminoso o ataque de Bush ao Iraque, com a conivência de Portugal, cujas sequelas estão a sangrar as populações indefesas que não passaram procuração aos decisores. É preciso não esquecer que o mesmo Bin Laden que fustigou os americanos foi o mesmo que os americanos tinham já armado contra o Afeganistão e a Rússia. Um dos pensamentos mais sensatos sobre esta melindrosa questão foi aquela que ouvi do Patriarca  José Policarpo, de Lisboa: “É tão perigoso entrar nesses conflitos como meter-se num vespeiro ou num formigueiro”.
         Ficar-me-ei hoje por aqui, aguardando ter ficado claro que aquilo que se classifica como exclusiva justificação dos sucessivos crimes praticados na nossa casa europeia, ou seja, o fanatismo religioso, não passa de um falso biombo para esconder hegemónicos interesses económicos, que os povos colonizados já conhecem desde a nascença.
         Dizem as notícias que acabaram mortos os dois irmãos assassinos. Oxalá que tudo isto seja mais uma ténue, mas trágica, tentativa para içar a bandeira da paz e da liberdade de expressão. Oxalá. É isso que o Alá de todas as religiões mais deseja. Mas é preciso que os homens o queiram!

 9.Jan.2015

Martins Júnior     

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

LÁ FORA E AQUI – RACISMO DE MUITAS CORES


Dos jornais:

1..

Na pequena cidade de  Chambland, sul de Paris, o presidente da Câmara fechou o cemitério ao funeral de uma bebé de dois meses e meio pela única razão de pertencer à etnia cigana. Maria Francesca, assim se chamava a menina, falecera na noite de 25 para 26 de Dezembro e esperou dez dias para ser sepultada em Wissons, uma cidade limítrofe. Choveram críticas ao maire de Chambland, por maquiavélica ironia chamado Cristian Leclerc, críticas do presidente Hollande, do primeiro-ministro Manuel Vals (“uma afronta à própria França”) e até, pasme-se, de Marine Le Pen, de cujos cabelos louros escorreu uma furtiva lágrima de crocodilo-fêmea, (“falta de humanidade”) condenando o autarca, paradoxalmente, um eleito da extrema-direita.

2.
Na grande cidade de Colónia, um grupo de activistas organizou aquilo que esperava-se uma marcha gigante contra o Islão. Caiu-lhe em cima a opinião pública, Ângela Merkel ordenou que se apagassem as luzes dos monumentos e edifícios públicos e até a própria religião associou-se ao protesto contra os manifestantes, apagando os projectores luminosos à passagem  do fanático movimento.

3.

Belíssimas as reacções anti-racistas dos governantes franceses --- todos dirão --- e de Marine Le Pen e de Ângela Merkel. Mas quem poderá suportar tamanha hipocrisia da extrema-direita xenófoba de Marine, exterminadora dos imigrantes? E da Senhora Merkel, como e quando podemos esquecer o racismo económico-financeiro contra os países do Sul, mais recentemente os anátemas contra a Grécia?

4.

Nem é preciso viajar tão longe. Aqui, em casa nossa, vivemos quase quatro décadas sob um regime tribal, mais extenso no tempo e mais requintado e dissimulado que o negreiro salazarismo, em que o racismo político, não só inter-partidário mas também (pasme-se, outra vez!) o racismo intra-partidário, imperaram em estrebuchos da mais primitiva raiva contra quem  não se lhe pintasse da mesma cor. Se os herdeiros do regime não inverterem, mesmo camaleonicamente, a fúria cega do seu progenitor, o que restará para a história da Madeira será a máxima, em duplicado, da lei de Talião:”olho por olho, dente por dente”, traduzida pelo nauseabundo estribilho: “quem  não está comigo está contra a Madeira”.

5.

E a própria Igreja Regional, nos antípodas da autêntica religião ecuménica, não teve o mínimo pejo --- ainda por cima no pós-25 de Abril --- em sacralizar o mais rasteiro racismo intra-religioso contra uma  parcela  indefesa da população madeirense, recorrendo aos mais ignóbeis estratagemas, cujo sádico clímax aconteceu quando 70 efectivos policiais, em 27 de Fevereiro de 1985,  ocuparam selvaticamente durante 18 dias e 18 noites um modesto templo rural, que resistiu e ainda hoje se mantém de pé firme e fé inquebrável. Será que o “Secretário Regional dos Assuntos Religiosos” (agora que o regime a quem serviu está  em câmara ardente) será que vai converter-se à Igreja do Papa Francisco e apagar as sequelas do escandaloso racismo com que manchou a túnica  inconsútil do Cristo-Irmão?!

                                                *

Racismos há muitos e de muitas cores!
Parecerá estranha esta minha opção por um tema tão perturbador. É por isso que já afirmei preferir não escrever, por enquanto, sobre as águas residuais cá do burgo. Mas seria insensibilidade indesculpável da minha parte deixar passar em claro as duas recentes notícias lá de fora e, em paralelo, as duas velhas notícias cá de dentro, sobretudo nesta época dos (reis) Magos, em que sobressai o traço universalista da religião, o abraço de todas as etnias e credos, enfim, a abolição das ideologias e dos regimes que matam.

7.Jan.2015
Martins Júnior

Post Scriptum:
Ao tomar conhecimento do hediondo crime perpetrado hoje  em Paris, parece inútil tudo o que escrevi. Para que planeta teremos de emigrar?...Quantas décadas, quantos séculos, quantos rios de sangue serão necessários para alcançar a tão suspirada foz da vida e da paz?!... Só quando aprendermos que cada sopro nosso --- na casa, na rua, na ilha, no país ---  desencadeará, mais cedo ou mais tarde, redobradas tempestades sem que as possamos amarrar.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

“É NO DIA CINCO PARA O DIA SEIS”


Na noite em que por montes e vales, cidades e aldeias ecoam as reminiscências de outras eras, lembrando que “é no dia cinco para o dia seis que se cantam os reis”, e após ter também participado na tradição levada a cabo pela Junta de Freguesia no centro de Machico, tomo o rumo do viajeiro que procura mais longe as raízes desta comemoração. E porque não é noite de profundas cogitações, contento-me  com a conclusão que me parece translúcida,  de dentro das profecias bíblicas, com  Isaías na vanguarda: os judeus esperavam ansiosamente pela sua hora libertadora, após os quarenta anos de cativeiro no Egipto e setenta na Babilónia, alimentando um sonho de vitória,  misturado de incontida revolta contra os seus sucessivos opressores. “Um dia chegará em que o Deus dos Exércitos porá os inimigos, todos os reis da terra, de Társis, da Arábia, de Sabá, como escabelo debaixo dos pés dos hebreus, pagando tributo a um “povo rebelde, mas  povo eleito de Deus”.
E as profecias teriam de cumprir-se, com tudo o que contêm de mito e realidade. Só que, também aqui, a realidade ultrapassou a ficção: vieram os Magos, assessores letrados da corte real, mas não como reféns derrotados ou contribuintes forçados do Messias Omnipotente. Saíram frustradas as projecções do orgulho judaico
E é a grande, incomensurável revelação deste episódio chamado epifania: o Libertador, o Desejado, afinal, não veio para esmagar, excluir ou vingar insucessos de outrora. Precisamente, o contrário: veio abraçar ao peito, incluir, pacificar todos os credos e etnias do mundo conhecido: os brancos, os negros, os amarelos. Pelo que, na diversidade territorial e racial dos três Magos, vejo a síntese global, a unidade necessária, enfim, o desanuviamento anti-guerra fria, o desarmamento e a abolição de fronteiras.
Leio na idiossincrasia dos Magos os embaixadores de cada continente identificados com o valor mais alto que o poder  e o  dinheiro, a dignidade humana, representada, tangível e amada no corpo frágil de uma criança, ela mesma incarnação plena  da realização planetária do Homem em toda a sua História. Ali (admitam-me a hipérbole) ali foi inaugurada  a almejada, mas ainda inatingida Assembleia das Nações Unidas, presidida pela intrínseca omnipotência da justiça e da paz.
Nem de propósito: O Papa Francisco acaba de prestar a mais bela vassalagem ao “Dia de Reis” ao nomear trinta e cinco conselheiros, empoladamente alcunhados de cardeais  (uma nomenclatura alheia ao corpo e ao espírito evangélicos) e foi recrutá-los às periferias mais diferenciadas do mundo.
Hoje, como em Dia de Natal, é dia de ser bom e abraçar o mapa-mundi, que começa à nossa beira.

Apraz-me citar a letra de uma canção de um dos nossos CD’s, editada em 2004:
“Em cada mar, em cada continente
À minha espera há sempre um coração
Por isso eu canto e digo a toda a gente
Em cada homem vejo o meu irmão”


5.Jan.2015

Martins Júnior