quarta-feira, 29 de outubro de 2014

DEUS E A CIÊNCIA: Caminhos contraditórios, paralelos ou concorrentes ?

 
         É na correnteza dos dias deslizantes que se captam os grandes espaços do pensamento e as pistas seguras para o nosso agir.
         Foi o que sucedeu ontem e anteontem em dois acontecimentos fortuitos. Um deles foi o lançamento do livro-colectânea de teólogos portugueses, da responsabilidade de António Marujo, edições Gradiva, na Livraria Bucholz, Lisboa. O outro foi o discurso de Francisco Papa aos cientistas. Nos dois acontecimentos, está em causa a relação: Deus e Ciência. Perante um auditório de primeira água em que estiveram alguns autores constantes do volume publicado, tive o privilégio de ouvir o Prof. Dr. Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, dissertar sobre os dois conceitos, aparentemente antagónicos, focalizando a sua exposição em dois sacerdotes cientistas já falecidos: João Resina e Luís Archer (“o padre que vestiu a bata de laboratório”) chegando à conclusão de que não são contraditórias as duas fontes de conhecimento, mas o importante é que cada uma siga o seu curso normal, sem a tentadora ambição de uma sobrepor-se à outra. Porque quando se misturam indisciplinadamente ou, pior, impõem dogmas de todo falíveis, é a síntese que se perde, isto é, fica prejudicado o acesso à Verdade. Foram aduzidos os casos paradigmáticos de Nicolau Copérnico, Kepler, Galileu Galilei, este último condenado pela arrogância ignorante da Igreja. Mais recentemente, a repressão sobre o grande Teilharh de Chardin. No fim de contas, a Ciência prevalece, precisamente porque é essencialmente “mistério” que se ousa desvendar, mas uma vez desvendado, abre-se em novo e desafiante mistério. Por isso se diz que “a ciência cresce em espiral”.  Primeiro a ciência, depois a razão, citações de Galileu e do Pe. António Vieira.
         Dentro da mesma esfera do conhecimento vão as declarações de Francisco Papa, a que a comunicação deu ontem e hoje o merecido relevo, mais precisamente sobre a tão discutida “partícula de Deus” e o não menos imbricado dilema “Creacionismo-Evolucionismo”.
         É deveras considerável esta coincidência, sobretudo num tempo em que um exagerado e doentio misticismo pretende endossar à Divindade aquilo que é pertença e trabalho do seu humano, seja em verso religioso ou vela piedosa, seja em forçada sacralização do natural e positivo, seja em supostos milagres de duvidosa crença. Para clarificar os dados do problema, o Prof. Carlos Fiolhais discordou de uma das afirmações do Pe Tolentino Mendonça, quando escreve que “a poesia e a arte são questões religiosas”. O Homem é criador, por natureza. Prefiro, pois, a genialidade de Fernando Pessoa quando escreveu: “O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente a dar por isso”.
         Nem de propósito, o jornal “Le Monde”, na sua edição de hoje, citando John Donoghue, Professor na Universidade de Brown, Rhoad Island (Estados Unidos):  “Tenhamos a ousadia de interpretar  os sinais do cérebro”. E acrescenta: “O objectivo é fazer ver os cegos, ouvir os surdos, fazer andar os paralíticos”.
         É este um tema apaixonante e galvanizador a que valeria a pena regressar.

29.Out.14

Martins Jr.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

ABRIL NA PRAÇA ROMANA: “Preciso da vossa bênção!”

Está na moda citar e falar de Francisco Papa.

E com razão, pois que muito caminho e muita vereda falta percorrer até alcançar aquele nascente onde mora o tesouro do seu projecto de reencontrar-se com o mundo de hoje e de amanhã.

Da minha parte, convido os meus companheiros de jornada, via net, para compartilhar um escrito, redigido em 19 de Abril de 2013, na "lua-de-mel" do seu mandato, escrito esse a que nao foi dado o direito de ver a luz do dia, talvez por causa de um modesto parênteses intercalado no texto.

Não será presunção gratuita deduzir que, um ano e meio depois, confirma se a "moral" do texto: se não for o povo , o básico e o rásico, a apoiá-lo, será vão todo o esforço de Francisco Papa.

Escrevo em Abril. No clarão da Páscoa, no coração da Primavera.
É no centro desta trilogia que situo os acontecimentos ocorridos na sede oficial da Cristandade, podendo titulá-los, tanto de Abril em Roma, como de Páscoa Vaticana ou Primavera na Praça, dita de Pedro. Outra coisa não significam as parábolas gestuais com que Francisco Papa  se tem repetidamente identificado. Tal como todos os signos, as parábolas gestuais do argentino-bispo de Roma ultrapassam-se a si mesmas e dizem muito mais que todas as palavras. Haja quem as entenda e, sobretudo, quem lhes dê passagem, quem as fortaleça no conflituoso trânsito da história que todos nós vamos escrevendo! E aqui é que está o essencial dos seus gestos: quem quer vir comigo? Quem está disponível para acompanhar-me neste Abril nascente, nesta Páscoa nova, nesta Primavera rediviva?. Foi isto que ele quis dizer quando, em vez de rasgar a atmosfera com redondas bênçãos papais, pediu humildemente a bênção orante dos milhares de fiéis apinhados na Praça, como a implorar: “Sozinho, não vou lá. Nem com o ouro da tiara, nem com a omnipotente força do báculo papal. Sem vós. serei mais um desertor, um frágil desistente como o meu predecessor”.
O que falta e sempre lhe faltará é que os cristãos abram as suas mentalidades. Bento XVI, com a sua deserção, deixou entre-aberta a porta da Igreja. Francisco abriu-a de par em par, isto é, dessacralizou e desidolatrou o mito do Super-Papa e apontou o caminho para a redescoberta do Cristo e do seu projecto. Bem vaticinou Jean-François Bouthors, antes do conclave: “O próximo Papa não deverá ser necessariamente um homem providencial, porque a Igreja não precisa de ídolos --- e acrescenta --- enquanto perdurar a ilusão  de esperarmos do Papa um milagre salvador, a Igreja será incapaz de reencontrar o dinamismo da sua missão”. Esse dinamismo está  na grande massa que é o Povo cristão, como de resto se manifestava na vivência dos primeiros séculos da Igreja. Mais proximo de nós tive a dita de vê-lo e ouvi-lo pessoalmente em Olinda e Recife, o arcebispo Hélder de Câmara em 7 de setembro de 1972, na comemoração da independência do Brasil: “Diz o governo que sou contra o progresso do Brasil. Mas não!. O que eu quero é o progresso do Brasil,sim, mas com os brasileiros, pelos brasileiros e para os brasileiros”. Na mesma linha, em Portugal,  os teólogos Anselmo Borges, Bento Domingues, Henrique Pinto.
A história esclarece-nos que nenhuma Primavera chega a flor, muito menos a fruto, se a população lhe não servir de terra e água: vejam a Primavera de Praga, a Primavera marcelista, a de Abril, a Primavera árabe…
Quanto mais (ou quanto menos) estiver o Povo no dentro da alma transformadora da história tanto mais (ou tanto menos)  alcançarão sucesso os seus líderes.
É por isso que as parábolas gestuais de Francisco Papa não são apenas indícios de bonomia e  humildade: são, acima de tudo, um imperativo, uma convocatória  colectiva para a acção. Porque ele sabe que o seu mandato não será diverso das passadas do Mestre. Até agora, foi a Quinta-Feira Santa do Pão e do Vinho, a “agapé” dos abraços e dos perdões sem rosto nem fronteiras. Mas doravante começa a sua Sexta-Feira Santa da luta contra os imperadores-banqueiros do Mal, contra os príncipes das trevas montados no próprio Vaticano e disseminados por quanto é mundo. Não foi sem razão que recentemente  Miguel Boyer Arnedo produziu uma profunda reflexão a que deu o título: “O Papado como um inferno”. Aí é que Francisco vai interpelar os aparentemente mais chegados: “Quereis ajudar-me a beber deste cálix de amargura?” Aí é que ele perguntará aos cardeais se estão dispostos a trocar a púrpura mundana pela túnica do “Poverello?" Aí, é que ele vai chamar os núncios, ditos apostólicos de cada país: quereis de facto abandonar essa execrável fraude  de vos considerardes embaixadores estatais de Pedro, um pobre pescador da Galileia? E a cada bispo, (os do Funchal inclusive): até quando ficareis presos à subserviência dos poderosos da política, só porque vos dão um prato de lentilhas, o cimento e o telhado para as igrejas?…  Estais dispostos a sair dos vossos palácios para viver, como eu fiz, num simples apartamento de uma das ruas da cidade?...  
E a cada cristão de base, a cada um de nós, perguntará: queres libertar-te de velhos preconceitos, ver a luz, queres ser militante do Cristo verdadeiro e não das suas caricaturas?... Então vem comigo, aí tens abertas as portas da Vida.
Certo é que --- ele bem o sabe --- os precursores da Revolução, seja ela qual for,  nunca terão em vida o ceptro da vitória em sua mão. É o seu drama e a sua glória.  Talvez que o não deixem ultrapassar a agonia da Sexta-Feira da Paixão. Depende de nós, das nossas mentalidades. Por isso, nunca mais sairá da nossa retina e da memória colectiva o imperativo-súplica de 13 de Março de 2013: “Preciso da vossa bênção!”



27.Out.14
Martins Jr.

sábado, 25 de outubro de 2014

AFRONTAR MAQUIAVEL E A INQUISIÇÃO HÁ DOIS MIL ANOS


“Porque hoje é sábado, amanhã domingo”, parafraseando Vinicius, este bilhete postal vai tentar fotografar um outro visual da personalidade  de J:Cristo, tanto para aqueles que o cultuam como para aqueles que lhe são indiferentes. O mais importante é o conhecimento, porque só se ama (ou detesta) o que se conhece.
Deixou marcas na sociedade  do sé.XX o livro do Prémio Nobel, da Medicina,  Alexis Carrel, sob o título “L’Homme, cet inconnu” (O Homem, esse desconhecido) , o mesmo podendo indagar-se de J:Cristo, a cuja temática correspondeu o grande teólogo Juan Macias, redobrando a incógnita na sua obra “Jesus, esse Grande Desconhecido”. Não nos podemos ficar apenas pelos olhos doces, românticos do Nazareno de Ernesto Renan, em “La Vie de Jesus”, nem tão pouco, como bem protestava Guerra Junqueiro, pelo que nos impingem os          

                    “……………………….funâmbulos da Cruz
Que andam pelo universo há mil e tantos anos
Exibindo, explorando o corpo de Jesus”

Nos dois últimos domingos tentei mostrar que um dos aspectos mais vincados da fisionomia de J:Cristo foi o afrontamento radical  mútuo entre o seu ideário e os poderes constituídos, o político e, mais ostensivamente, o religioso, inimigos figadais do seu projecto libertador. E porque (já então se impunha subrepticiamente o “Príncipe” de Maquiavel) todos os meios eram legítimos para o único fim --- liquidar a mensagem abatendo o mensageiro ---  fariseus, saduceus, sumos-sacerdotes desmultiplicavam-se em estratagemas e armadilhas, quais delas as mais viperinas. Primeiro, foi a questão político-financeira, os impostos. Neste domingo, estamos perante um auto-de-fé, manhosamente urdido. “Qual é o primeiro, o maior mandamento da Lei?”.
Que de peçonha larvar nesta “inocente” pergunta! É que a estratégia libertadora de J:Cristo insistia, até à exaustão, na centralidade da Pessoa vivente, existencial, telúrica mesmo, mais do que na exaltação da Divindade, pois essa não carecia de ser libertada. “Tudo o que fizeres a um destes mais pequeninos é a mim mesmo que o fazeis”.  Esta perspectiva antropocêntrica era objecto da polícia do Templo, que mandava  espiões por entre a multidão, para acusá-lO de “desestabilizador da sociedade, revolucionário do povo, divisionista da nação” Ele só fala nos marginalizados, come e bebe com eles, os pecadores, até as prostitutas, os coxos, os cegos. A rua era a sua Igreja. E onde estava então o “Primeiro e o Maior mandamento: amar a Deus e adorá-lO ?.”.. Quem ousasse desdizer ou alterar este artigo cimeiro das Tábuas de Moisés seria réu no Sinédrio. Podemos dizer que a Lei Judaica era a própria Inquisição “avant la lettre”. A resposta do Mestre foi lapidar, inapelável:”Esse é o maior, mas o segundo mandamento é-lhe semelhante”, igual, paralelo --- libertar a Pessoa.
Eis a luta, os passos diários de J:Cristo!
Tive o cuidado de pesquisar este afrontamento inexorável e encontrei-o  46 vezes em Mateus, 23 em Marcos,  46 em Lucas e 26 em João, os evangelistas.
É nesta veste que o Mestre se apresentou. Nunca perdeu de vista o horizonte pré-definido e convictamente aceite. Nem se contentou com aplausos, vénias, velas, com devocionismos supérfluos. Ele, penso eu, deve ser, hoje, o mesmo de outrora. Ele quer sair da prisão do sacrário e das douradas custódias em que O meteram. Ele quer que O tirem da cruz onde O amarraram e pregaram os donos do poder e da religião. Ele quer viver e quer para todos “a vida em abundância”.
Vamos procurá-lO: nos caminhos, nas aldeias, nas cidades, nos lutadores anónimos que andam à nossa volta, sem darmos por isso. E vamos descobri-lO, ao menos, hoje  naquele lugar de onde há quase dois mil anos esteve ausente: em Roma, em Francisco Papa!

25.Out.14
Martins Jr.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

HOSPITAIS, GENERAIS, PROMESSAS E 400 ANOS DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA


As amigas e amigos que têm gosto em acompanhar-me nestes encontros dos dias ímpares  em que vou monologando em voz alta, notaram que, a propósito de Outubro, promessas e Milagres, tento penetrar no íntimo das coisas e dos gestos, chegando à conclusão de que , em sociedades retardatárias, o gesto, enquanto signficante, desmente e adultera o verdadeiro significado das coisas. Pela trilogia dos  títulos anteriores --- “Onde se  fala do dicionário do lume e das velas”…“O Senhor “vendeiro” do Templo? E Sua Mãe feirante de arraiais?”… “Na torcida de uma vela poderá construir-se um monumento de egoísmo exibicionista” --- concluo (admitindo e respeitando aquilo que noutros é expressão fé viva e dolorosa)--- que o significante é uma afronta ao significado. Fecho hoje este ciclo de reflexões com dois casos” muito sérios:
O primeiro, histórico, actual, vivido em carne e osso: um amigo meu foi bater ao hospital com uma moléstia normal e aí agarrou uma outra, fatal, isso mesmo, uma infecção que o amarrou durante 17 meses consecutivos a a uma cama-prisão, completamente imobilizado. “Quase desesperei, mas uma força interior dava-me pés e asas para acreditar que venceria aquela batalha. Lembrava-me de Jesus de Nazaré. Mas, acredita, amigo Martins, nunca fiz nenhuma promessa, nem a Jesus nem à sua Mãe. Apenas me limitava a orar assim: “Divino Mestre, tu que atravessaste a Galileia e deste a cura ao paralítico e ao cego que encontraste à beira do caminho, só te peço que quando passares ao pé da minha cama te lembres deste pobre paralítico que é teu amigo”. Com as lágrimas a correr pela face (a dele e da minha) hoje estou curado. Sem fazer promessa nenhuma. Obrigado, Senhor, pela força que me deste, a mim, aos médicos, aos enfermeiros, aos auxiliares”.
O segundo “caso”, mais sério, porque tremendamente acusativo, vem no Livro dos Reis, capítulo quinto,   e resume-se: Naamã, o comamdante-general do exército sírio, tendo contraído a lepra, dirigiu-se ao Profeta Eliseu, depois de ter percorrido os melhores físicos (médicos e magos) de Damasco. E ficou limpo, “com a carne tenra como a de uma criança”  (5,14). A comitiva vinha preparada com presentes, ouro, prata, vestes sumptuosas para oferecer ao Profeta, o qual, em alta jura, protestou que não aceitaria nada, em nome do Deus Vivo. Entretanto, o seu ajudante, o levita Giési, tendo presenciado toda esta cena, deixou que o general e sua comitiva se afastassem a alguma distância, para logo se seguida , clandestinamente, a trote da sua montada, correu, correu e, com uma falácia ardilosamente engenhada, pediu as preciosas prendas e o “milagrado” ofereceu-as generosamente e em duplicado para acção de graças ao Deus de Israel. Ao fim da tarde, o Profeta chamou-o a contas e disse:Agora estás rico com o dinheiro com o dinheiro de  Naamã . Mas terás ainda mais uma coisa: “Vais ficar com a lepra dele, tu e a tua descendência. E assim se fez.” (5, 27).
Comentários, para quê?... Ficam ao vosso critério.
Termino com a sentença do Pe.António Vieira, no sermão da segunda dominga da Quaresma, em S.Luis do Maranhão, capital do nordeste brasileiro, diante dos altos comissários (altos e hipócritas) da Irmandade das Misercórdias: “As imagens de Jesus crucifiicado que estão nas igrejas são imagens falsas porque não padecem. Imagens verdadeiras de Jesus crucificado são os pobres, os doente, porque padecem e sofrem. Melhor que houvesse nesta cidade um hospital e não houvesse igreja. Mas, não havendo maneira, então que se converta esta igreja em hospital, que Deus ficará mui contente disso”.
Dito há mais de 400 anos!
       Onde cabem aqui as promessas vendidas e compradas para as igrejas?
Só regredimos, só nos enganaram!
E há povo que gosta de ser enganado.
23.Out.14

Martins Jr.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

“CONTRA OS CANHÕES – MARCHAR”


No Dia do Exército em Machico

“CONTRA OS CANHÕES – MARCHAR”

Tocou-me muito de perto a comemoração do Dia do Exército, este ano realizado em  Machico, deixando-me intensamente dividido em dois sentidos opostos: Primeiro,  a inspiradora mensagem do concerto da Banda Militar, em coordenação com elementos da Escola das Artes e o Grupo Coral de Machico. O Segundo, como é da praxe, a amostra exibicionista das armas de guerra no anfiteatro da baía de Tristão Vaz. Recordado da trágica vivência da guerra colonial em Cabo Delgado, Moçambique, aqui deixo a expressão desta emotiva contradição.


Frente a frente
Corpo a corpo
Criados no mesmo ventre
Vestidos da mesma pele:
Um,
Nado-morto
Monstro procriador de monstros!
O outro,
Seiva-fogo intemporal
Orgasmo fecundante e ode triunfal
No canteiro-partitura
Que abraça o perto e a lonjura!

Lado a lado
A mão terna de acordes e cantatas…
E as satânicas unhas
com que a ferro matas…

Metais de sol sonoro
Rasgando o meio dia…
E abutres 
Abrindo covais na terra fria…

Contradição tamanha
Nos joelhos da baía
Regaço da mesma mãe!

Tirem daqui essa tralha metralha
Porque mais bela e outra
É a nossa batalha

Enfardem esses tóxicos lixos
Não poluam esta terra
Levem-nos para os bunkers
Dos offshores  corruptos
Façam lá a sua guerra
Que se auto-destruam
Palácios  e redutos
Onde  sádicos armazenais
Rios do sangue inocente
Com que vos embebedais

Fora com o deus dos exércitos
Mais o exército dos deuses
Que misturam missas e mísseis
Hóstias e munições
Bazucas e bentos guiões

Oh se pesásseis e vísseis
Aqui em qualquer país
Quantas bocas infantis
Ficam sem leite e sem pão
Para gerar  um morteiro

E quantos quer um canhão
Quantos corpos quantas almas
Para portar-se canhão

Ainda trago
O  cheiro e o travo
Nesta palma da mão
Que ajudou
A levantá-los do chão
Meus amigos do peito
Camaradas de caixão
Que a madrasta nação
 Em terra alheia esquecidos
Enjeitou e sepultou

Não conheci outras
Senão
Armas assassinas
Contra gentes indefesas
Em suas pobres palhotas
Carentes de amor e pão

Por isso
Flautas trombones trompetes
Mais alto soai
Tambores, já, convocai
De norte a sul todo o povo
“Levantai hoje de novo”
O esplendor da Esperança

Sejam sempre as vossas armas
Partituras de Bizet
Allegros adágios crescendos
Alma e fé
Na baía de Tristão
Lutando sempre de pé!


(Fotos retiradas do Facebook oficial da Câmara Municipal de Machico)

domingo, 19 de outubro de 2014

A PIDE RONDANDO À VOLTA DE J.CRISTO


Porque hoje é domingo, mas sem pretensão de pregar nem aos homens nem aos peixes, proponho aos meus amigos a partilha do texto evangélico que neste mesmo dia é lido aos seguidores cristãos ou não. Trata-se de uma procura intemerata e consequente do exacto perfil de J:Cristo e do seu programa, como tenho tentado fazer nos últimos domingos. Porque do Grande Mestre conhecemos pouco: as aparências, os actos de fé, o desnudo derrotado na cruz, o misericordioso, o protector, o milagreiro, e afins..
Hoje o cenário leva-nos mais longe e ajuda-nos a entrever a Sua vigorosa  personalidade face aos poderes e às classes dominantes. E aqui o âmago da questão encontra-se mais no preâmbulo e nos bastidores do que na conclusão ou nas respostas finais. O caso bem poderia passar-se aqui e agora, quando o mesmo pretexto ---  o fisco --- aperta o cidadão.
Tratava-se, então, de caçar J:Cristo, liquidá-lo, não abertamente (porque os maiores temiam outro mais alto poder, o Povo, que nutria uma apaixonada simpatia pelo seu Defensor) caçá-lo, sim, nalguma afirmação, mesmo que descontextualizada, contra o poder político, o Imperador de Roma. E juntaram-se em assembleia, fariseus, herodianos, os líderes das diferentes correntes político-religiosas de Israel, a que não eram estranhos os Sumos-Sacerdotes. Após várias propostas,  congeminaram uma armadilha, em tudo semelhante à Pide fascista: “Vamos entalá-lo com uma pergunta rasteira, “estás de acordo com os impostos com que o Imperador está a massacrar a nossa gente?” Questão fatal, letal como o veneno, porque incitar ao não pagamento de impostos constituía matéria criminal agravada e duramente punida pelo poder judicial, o Sinédrio. Mas, por outro lado, se a resposta fosse afirmativa, logo o Advogado dos pobres teria contra si a multidão das massas esmagadas pelas repetidas alcavalas das Finanças Romanas. Para melhor compreensão do caso, falta citar Albert Nolan:”O Sumo-Sacerdote era nomeado pelos Romanos. Era-lhe permitido exercer autoridade e participar na administração do país. Até as suas funções religiosas eram controladas pelos Romanos que tinham as suas vestes sagradas à sua guarda. O Sumo-Sacerdote e associados estavam, portanto, profundamente envolvidos naquilo a que poderíamos chamar política ou assuntos de Estado, sendo totalmente dependentes dos Romanos”.  Está assim desenhado o quadro de uma estratégia requintadamente  pidesca, até pela tática felina, pastosa, de montar a cilada: “Mestre, todos sabemos quanto és sincero e frontal, seja qual for a categoria das pessoas…”
É nestes bastidores e neste preâmbulo que vejo o núcleo de todo o texto. Quanto ao mais, admira-se a super-inteligência  do Interlocutor que os tratou, sem rodeios, de falsários, hipócritas, pois bem sabia que eram eles os primeiros a fugir aos impostos, eram eles os intermediários exploradores da pobreza alheia. Por isso que a resposta habilidosa de J:Cristo, “entregai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” foi o argumento mais simplista  e certeiro à cegueira fanática, mas saloia, dos conspiradores.

Concluindo e guardando: Todos os que trazem na alma e nas mãos o sonho de J:Cristo ou de Luther King, entre outros --- a libertação do Ser Humano --- hão-de confrontar-se, umas vezes com o fogo cruzado, outras com o “fogo amigo”, essa peçonha rançosa dos detractores, dos modernos pides,  albergados nas teias do poder ou embuçados nas sotainas das igrejas. Diga-o Francisco Papa e veja-se a matilha de que ele, como J:Cristo, tem sabido inteligentemente libertar-se!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Na torcida de uma vela poderá construir-se um monumento de egoismo exibicionista?


Porque considero que certas formas devocionais podem resvalar para o espaço mítico da alienação e da exaltação do “ego”, este também revestido de variegadas roupagens, quero aqui ressalvar de novo o manto de uma  fé que envolve as almas crentes, a quem Guerra Junqueiro dedicou os ternos alexandrinos do poema “Aos Simples”.

Mas tal não nos veda o acesso a um outro espaço --- o da análise crítica --- que transcende o manto diáfano da crença,  para nos interrogarmos sobre o íntimo das coisas. Abreviando: o crente que paga  (termo sacrílego!) a Deus (?) um círio ou seja o que for  (uma taxa ou imposto voluntarista)  fá-lo por um mandato individual, um bem, uma graça que acha que lhe foi concedida a ele especialmente  ou a outrem com quem se identifica. Está ali um desejo pessoal, que começa e acaba nele, algo que, na sua fé, lhe foi dado, a título particular, como se o Grande e Benemérito Credor, o tivesse preferido a ele, enquanto uma multidão anónima de irmãos deficientes foram esquecidos ou preteridos pelo Autor Supremo.  Perante a pose de certos romeiros que ostentam dois, três e mais círios lacrimejantes, tenho dificuldade em distingui-los do gesto do tal fariseu  que erecto e iluminado ufanava-se diante do altar: “Senhor, eu cá pago o dízimo”… Mesmo sob a veste da compunção, lá no fundo há o exibir residual (inconsciente, talvez) de um “ego” que lhe foi satisfeito.  Por isso que as procissões de velas mais se parecem com o desfilar de mendigos dependentes e que a si próprios se acham realizados nos subterrâneos da dependência.

Mas há um outro povo poderoso que não se contenta com as mãos estendidas ou de braços caídos. Traz no rosto enrugado as marcas do sofrimento e nos pés os grilhões da opressão, mas não  fraqueja nem desiste, pelo contrário enfrentam os obstáculos e leva nas mãos as altas labaredas ou mesmo a chama que ainda fumega para abrir luz por entre a escuridão e lutar, lutar, não por uma benesse individualista e gratuita, mas por uma saúde para todos, um pão para todos, a libertação para todos. São gerações e gerações para quem a fé não estava na cerviz curvada  mas na força dos calcanhares de um ideal comum. Esses são os que ouviram a palavra de ordem de J.Cristo “Levanta-te e anda” cujo eco se fez vida no poema de Sofia de Melo e na voz de Francisco Fanhais: ”Quem sabe faz  a hora, não espera  acontecer”.

O frágil clarão dos telemóveis nas mãos dos milhares de jovens de Hong-Kong , unidos na grande praça para sacudir as férreas imposições de Pequim, expressa bem o cortejo universal na busca incessante da montanha da Justiça que o Supremo Senhor nos manda alcançar.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O SENHOR “VENDEIRO” DO TEMPLO ? E SUA MÃE FEIRANTE DE ARRAIAIS ?

O SENHOR “VENDEIRO” DO TEMPLO ?
E SUA MÃE FEIRANTE DE ARRAIAIS ?



         Poderá alguém questionar: “por que razão, este homem se ocupa de um assunto tão comezinho e inofensivo como as procissões de velas, quando há tanta coisa que ele sabe dizer?”. E eu esclareço, começando por observar que é em certos gestos, aparentemente banais, inconscientes até, que se reflecte toda uma sintomatologia definidora do estado de saúde física, mental, cultural, quer de um indivíduo quer de um povo. Digam-no os etnólogos, os antropólogos, os psicanalistas, os médicos em geral, quando começavam a consulta ao paciente com esta pergunta aparentemente ridícula:”diga trinta-e-três”.
         Não será preciso grande esforço de pesquisa para “ver-se” a olho nú que os velórios processionais identificam uma das componentes estruturais da condição humana: a sua contingência, a sua fragilidade, a que pode juntar-se o medo perante o absoluto, a expectativa perante o mistério, culminando tantas vezes na ignorância e na superstição que levam o “crente” a acender uma vela tanto no altar da Virgem como na banca da bruxa.
         Por isso é que me interessa sobremaneira a análise científica desta variante devocional, a radiografia, a sua ressonância multiforme, porque através dela ficamos surpreendidos com equívocos e contradições ou, pelo menos,  coloca-nos perante a dúvida cartesiana, enquanto método, sobre se aquilo que fazemos de boa-fé não será antes um acto de ofensa a Deus ou se o gesto ostensivo de participação no cortejo não esconderá  uma ponta de egoísmo e, pior, de exibicionismo, tudo à conta de encendrada devoção.
         Retomo, pois, os quesitos da reflexão anterior: Pagar: o quê e a quem?” Pagar: “como?”
         Se se trata de um pagamento estamos perante dois intervenientes, dois  contraentes: um credor e um devedor. Quem é o credor, já o sabemos:  o Senhor tal, o Santo x, a Santa y, reconduzindo-se todos ao único credor, Deus. O devedor é o autor do contrato-promessa: prometo-te isto, se me venderes aquilo: uma viagem segura, saúde, sorte no jogo ou no amor, sucesso, seja o que for. Estamos, portanto, perante um puro contrato de compra e venda. E tão evidente é esta relação comercial que, se tivéssemos a certeza de outro “consultório” ou outro vidente que nos fornecessem infalivelmente o pretendido desejo, era a esse lugar e a essa agência que nos dirigiríamos sem demora, tal a aflição do momento.
         Só que, neste caso, o credor é incorpóreo, imaterial, espiritual e, por isso, não há maneira de passar-lhe para as mãos o preço da mercadoria obtida; também não tem casa de câmbios nem bancos, nem sequer tem hipótese de aceitar cheques. Acresce a esta questão, um factor determinante, iniludível, imperativo. Este Credor mandou avisar e, na figura de JCristo, decretou peremptoriamente: “Não leveis bolsa nem alforge…não aceiteis moeda, “gratis acceptistis, gratis date” (recebestes de graça, dai de graça) exigiu Ele aos apóstolos, seus amigos e seguidores. E mais avisou: “O bem que fizer a tua mão direita, que o não saiba a tua mão esquerda” e disso deu a prova quando, após restaurar a vista ao cego de nascença, despediu-se com esta recado: “ Agora vai, mas não digas nada a ninguém”.
         Metendo-me (o que nunca fiz) na pele e no traje de milhares de romeiros promitentes, os de boa-fé, pergunto-me: Não estarei a tratar Deus como um  “vendeiro” do Templo? Não estarei a tratar a Senhora Sua Mãe como uma feirante de arraiais?  Dou se me deres …pega lá, dá cá! E se o grande Credor, o benemérito Senhor Supremo a quem atribuímos o suposto “milagre”, se Ele pudesse falar-me: “Pensas que estou à espera disso? Julgas que foi por causa dessa verba ou dessa vela ou dessa cabeça ou dessa perna de cera que te deitei a mão?”

         Com todo o respeito pela subjectividade da fé de cada peregrino, posso garantir que isto não fica por aqui. Há muito a questionar e a descobrir no tradicional cortejo das velas. Nos próximos dias ímpares. Porque não é só de dinheiro que se trata: é de educação das mentalidades.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

ONDE SE FALA DO DICIONÁRIO DO LUME E DAS VELAS

ONDE  SE FALA DO DICIONÁRIO DO LUME E DAS VELAS



Tenho andado nestes dias  no meio de fagulhas incandescentes, archotes e fogaréus, velas tremulantes, enfim, um incêndio a que uns chamam de fé, outros de superstição e outros, ainda, de idolatria e paganismo: ele foi a procissão dos Milagres, dias 8 ; ele foi, ontem mesmo, o dia da Senhora da Aparecida no Brasil e hoje,  aqui em Portugal, a peregrinação do adeus de Outubro em Fátima.

Sempre me interroguei sobre a atracção que tais manifestações exercem no comum das pessoas. A um conhecido meu que decidira vir à procissão dos Milagres, perguntei:”tens alguma promessa a cumprir?,  responde instintivamente:”Não, é que eu gosto de ver aquelas luzes, os archotes, aqueles milhares de velas na escuridão da noite.”

É uma interpretação a dele, uma visão emotiva, poética mesmo, do cortejo nocturno. E não só a dele. O lume sempre tocou a sensibilidade dos povos, já por ser um dos quatro elementos constitutivos da criação do mundo, já pela sua força devoradora, já pelo estranho êxtase que provoca , como sucedeu com a loucura  de Nero que mandou incendiar a cidade de   Roma, enquanto na alta torre do palácio imperial cantava loas ao som da harpa.

Ficaram no subconsciente latente activo dos mortais, os resquícios e os significantes do fogo, sobretudo os da sarça ardente de Moisés, das luminárias medievais e dos cruentos cadafalsos da Inquisição: umas vezes para manifestar a Divindade, outras para exorcizar os maus espíritos, outras para vingar a ira de Deus.

Nos dias que correm e que o áudio-visual  se encarrega de nos encher os olhos e as mentes, o lume passou a ter um valor facial, de moeda, de dinheiro em sinal, enfim, de cheque que alumia mas não arde na ponta da vela.. E fico pasmado com a insustentável leveza de siso quando os romeiros ou peregrinos declaram alegremente:”Venho pagar uma promessa”. Aí, o fogo criador, a sarça ardente, o  Lume novo Pascal, todos esses sagrados ícones perdem a simbologia original e são postergados para a arrecadação do material sonante ou para a conta bancária de alguém, chamem-lhe Deus, ou santo ou santa, curandeiro ou adivinho.

Pagar…com dinheiro…a taxa…o preço tabelado…o imposto voluntário… A quem? Como? Porquê?

Ficam aqui estas breves mas fundas incógnitas que, peço aos amigos seguidores, me ajudem a decifrar. Se tiverem a paciência de me ler ( igual ao gosto que tenho de vos receber) deixarei algumas hipóteses de solução no próximo dia ímpar.  

13.Out.14

Martins Jr

sábado, 11 de outubro de 2014

OS DONOS-DA-RELIGIÃO, O PODER QUE JCRISTO MAIS AFRONTOU

                 OS DONOS-DA-RELIGIÃO

 
O PODER QUE JCRISTO MAIS AFRONTOU

 Neste nosso encontro dos dias ímpares, deixei-vos a pergunta: "Qual dos três poderes ou donos (das armas, do dinheiro, da religião) qual deles terá o nosso líder JCristo enfrentado mais acerrimamente?

 Seria sumamente proveitoso que cada um de nós emitisse o seu parecer, sabendo-se que  não é de somenos  importância a razão de ser desta análise. Porque ninguém duvidará, acho eu, que o nosso Cristo não veio fazer umas férias extra-programa nem passear-se em arraialescos andores ou em custódias de ouro e prata. Não foi esse o  seu estilo, por mais que os usurpadores da sua herança teimem em fazê-lo. Nem veio descansar, pois não tinha "uma pedra onde reclinar a cabeça". Toda a sua vida foi marcada por um programa bem claro: a luta firme para que a espécie humana alcançasse o  topo da sua condição, inclusive  a sublimação supranatural. Daí tornar-se imperativo, sem nunca perder de vista, identificar e neutralizar, derrubar mesmo, através de uma acção eminentemente pedagógica, os baluartes, os paiós e os bunkers onde se reúnem os legisladores executivos que cortam o acesso da Pessoa ao topo da sua plena realização: os donos-de-tudo (o capital), os donos-das-armas, os donos-da-religião.

 Passando rapidamente à resposta, não sobrarão dúvidas que o grande poder que o nosso JCristo mais desafiou foi este último: os donos do Templo de Jerusalém, o trono do poder religioso. E a estratégia não falha: podem mirrar um corpo à fome, podem estrangular uma geração pelas armas, mas não há arma que mate a ideia, o sonho, o pensamento, como bem nos ensinou a cantar Manuel Freire:"Não há machado que corte a raiz ao pensamento". E o pensamento, a ideologia fundamentante de toda a exploração humana da época (de sempre!)  tinha o seu bunker no poder religioso sediado no Templo.

 Quem atentamente compulsar os quatro evangelhos, verificará que o afrontamento de JCristo raríssimamente tem por alvo o poder político de então, consignado aos governadores romanos da Judeia, colónia  do Império. Mas aos titulares do poder religioso, suporte da alienação e da escravização do povo (e, por consequência, suporte do poder político) o nosso Cristo era implacável, provocador radical. Diante de Pilatos, até admitiu que o "seu poder lhe vinha do Alto", mas aos Sumos-Sacerdotes, os Pontífices Máximos, não lhes dava um palmo de vantagem, umas vezes por parábolas, como as destes três últimos domingos, outras directamente, catalogando-os de "raça de víboras, sepulcros caiados de branco mas podres por dentro, salteadores assaltantes do Templo, devoradores dos bens dos órfãos e das viúvas".

 Mudam-se os tempos, (atrevo-me a contrariar Luís Vaz de Camões) mas não se mudam as vontades. Ao longo dos séculos, o poder religioso tem dominado o povo ignaro. Descobri-o  há muito tempo e repito: O Vaticano tem-se comportado como a Grande Muralha que não nos deixa ver o rosto do Cristo verdadeiro. Até 2013, enfim, quando apareceu essa nesga de luz, Francisco Papa,  que tem aberto os olhos aos cegos, que tem  desatado a língua aos mudos forçados, que tem feito andar os paralíticos do Pensamento. Só o povo cristão --- não os ridiculamente  auto-proclamados "Príncipes da Igreja" --- poderá ajudá-lo na sua luta, tal como foi o povo marginalizado, "ofendido e humilhado" de outrora,  que segurou o seu líder,  JCristo.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

ESFERA ARMILAR

                   
ESFERA ARMILAR
Machico de ontem e de sempre





                            Enfim
                            Diva pentacentenar
                            A esfera armilar
                            Pousou na fronte
                            Do dinossauro adormecido
                            No atlântico mar.


                            Oh infantes da bravura
                            Na alta gávea da Espera
                            Os novos mundos a abrir
                            Trouxeste dentro da esfera.



                            Daqui
                            Dos amantes sepultos
                            No ventre da praia-mãe
                            O sonho se alçou
                            Entre vagas e tumultos
                            Tormentas e esperanças
                            E alcançou
                            O mais largo e mais além

                            Úberes nascentes
                            De água brava alagadiça
                            Que gerastes
                            Poetas, trovadores
                            Camponeses pescadores
                            Mártires mas vencedores
                            Do negrume e da cobiça.




                            Sua bênção
                            Irmão Álvares
                            Francisco de seu baptismo
                            Jorra de novo o teu estro
                            Verso brando, soneto ou sismo
                            E sacode
                            Este Povo Primeiro.
                            As mãos ainda atadas
                            Algemadas
                            Como as tuas nas celas do Limoeiro
                            Faz erguê-las
                            O Facho da Liberdade
                            E a altitude das estrelas
                                      
                                      *

                            Volto à ponta do cais
                            Dinossauro ponteagudo
                            E a infância traz-me tudo tudo:

                            Em vão procuro
                            E não acho mais 
                            As lodosas penedias,
                            Sentinelas nocturnas luzidias
                            Que a  rota  dos caranguejos
                            Pintava de cravos vermelhos
                            Em noites de lua cheia.

                            O milagre está na mente
                            Desta terra que é nossa.
                            Que ninguém tente
                            Nem  possa
                            Destruir a alma inteira
                            Desta Génese  Primeira
                            Onde a real manuelina
                            Esfera armilar
                            Aqui ficou para sempre
                            Como a Estrela Polar.


9.Out.14, Dia do Concelho.

Dedicado à apresentação do original logótipo da CMM, a esfera armilar oferecida por D. Manuel I à capitania de Machico. Saúda o acontecimento, evoca a  memória  de Robert  Machim e Anna d’ arfet, Francisco Álvares de Nóbrega e finaliza com um apelo patriótico aos contemporâneos para que amem, preservem e tornem Machico mais belo e produtivo.

Martins Júnior